Chris Blandy - The Madeira Man

Fotografia: Ricardo Garrido
Alexandre Lalas

Alexandre Lalas

Com mais de dois séculos de existência e sete gerações na posse da mesma família, a Blandys está intimamente ligada ao Vinho Madeira. O aumento das vendas e do  preço médio, acompanhado da maior notoriedade deste fortificado, não fazem esquecer os perigos que se colocam à sustentabilidade do negócio.

 

texto e notas de prova: Alexandre Lalas e Nuno Pires


Fases de glória, tempos difíceis. Altos e baixos fazem parte da empresa. Depois de um período complicado, no século XX, os tempos melhoraram para o Vinho Madeira. Os preços subiram, as vendas aumentaram, o reconhecimento voltou. E o bom momento deste vinho histórico coincide com uma excelente fase da maior empresa do setor: a Madeira Wine Company, desde 2010 administrada por Chris Blandy, sétima geração da família, amante incondicional de rugby. As vendas cresceram em valor em 2018 pelo décimo ano consecutivo. O interesse pelo Vinho Madeira aumenta em mercados estabelecidos ao mesmo tempo que desperta o interesse e abre novas fronteiras. Mas nem tudo são flores. Há perigos à esquina. E inúmeros desafios a enfrentar. Seja no campo, seja na gestão de stocks, seja no combate às fraudes. E Chris está pronto a enfrentá-los. 
Uma das apostas de Chris Blandy tem-se revelado acertada. O incremento da marca Miles, que cresce velozmente em importância dentro da empresa. “A Miles está a tornar-se a segunda mais importante da MWC. Estamos usá-la para quebrar barreiras com o consumidor mais jovem. Aproveitamos para mostrar a nossa Tinta Negra. E apostamos nas harmonizações, na combinação do Vinho Madeira com comida, e na mixologia. Temos visto um aumento expressivo das vendas dos vinhos da Miles vindas através deste canal”, comenta Chris. 


“A nossa estratégia de crescimento global tem tido resultado positivos - e falo em nome do setor. Tem sido um esforço de todos em promoção. E também acho que todas as casas fizeram um trabalho muito bom para melhorar a qualidade geral dos vinhos, desde os mais jovens aos mais velhos.  Felizmente hoje estamos numa posição em que já completamos 10 anos seguidos de crescimento anual em termos de valor, o que é ótimo! A nossa expectativa é que esta tendência continue, não apenas por causa dos mercados já maduros, mas também por conta dos emergentes, especialmente a Ásia. O nosso trabalho é abrir estes mercados através das formações, para ensinar o consumidor sobre Vinho Madeira, desde a história até a melhor forma de consumir”, completa. 

Vinho mítico

Outro ponto apontado por Chris para o aumento recente do interesse internacional pelo Vinho da Madeira é o mercado dos leilões internacionais. “Conseguimos firmar a imagem de vinho mítico, com uma capacidade única de envelhecer com uma qualidade espetacular. E isso acaba por refletir-se também no consumidor comum, que fica curioso em provar um Vinho Madeira”, defende. Mesmo em Portugal, o consumo tem aumentado. Para Chris, é fruto de uma mudança na mentalidade do consumidor nacional. “Hoje em dia damos muito mais valor ao que produzimos no nosso país. Lembro que há pouco tempo, se queríamos comer bem, pegávamos um carro e íamos a Espanha. Hoje ninguém faz isso. Aprendemos a valorizar o que é nosso, o que é fantástico”, acredita. 
Mas nem tudo são flores. O aumento do interesse pelo Vinho Madeira, que evidentemente acarretou numa subida exponencial dos preços, também trouxe um efeito colateral: a falsificação. “Quando comecei efetivamente a trabalhar na MWC, em 2010, nunca pensei que estaria numa posição de me preocupar com fraudes.  Os vinhos eram tão pouco falados! Mas hoje em dia, há casos, mesmo de amigos ou conhecidos, que compraram garrafas no eBay, de um suposto colecionador, que não era um produto genuíno. Por isso sempre digo que devemos comprar vinhos com certificação e de procedência confiável. Em relação aos vinhos muito antigos, não há muito que se possa fazer. Recomendo sempre procurar a empresa que supostamente fez aquele vinho para saber se há algum registo dele e do seu histórico de vendas”, explica.


Outro problema corrente entre os produtores de Vinho Madeira diz respeito à gestão de stocks. Todos querem os vinhos mais antigos. Controlar a procura sem perder vendas é uma equação não muito fácil de resolver. “A gestão de stocks é um dos maiores desafios de todos os produtores de Madeira. No nosso vinho de maior qualidade, devemos envelhecer por, no mínimo, 20 anos. Se houver um aumento enorme em termos de procura, obviamente não iremos conseguir satisfazer todos os mercados. O que acontece? O preço dispara. Eu adorava lançar todos os anos quatro frasqueiras no mercado, mas isso é impossível. As decisões que tomamos hoje são as que irão impactar o negócio quando for a vez dos meus filhos e sobrinhos tomarem conta do negócio”, conta.  
O aumento dos preços gera uma outra questão: a precificação. Colocar um valor sobre uma obra de arte (como são muitos dos Vinhos Madeira) não é tarefa fácil. Afinal, como medir em números um vinho que fica a envelhecer na adega por 20, 30, 50 anos?  “Um vinho feito em 1985 que vamos rentabilizar apenas em 2018 tem um impacto financeiro enorme. Como se chega a um valor para este vinho? Primeiro, queremos um preço que o consumidor compre. Não queremos que os vinhos fiquem nas prateleiras a acumular poeira. Isso seria bom apenas para os meus filhos! Portanto, temos a expectativa de vender, pelo menos boa parte da produção que, nestes casos, costuma ser minúscula. Chegamos a um número através, principalmente, de conversas, com os nossos representantes e importadores. Qual seria um preço justo, para aquele vinho, que tem aquela história e tal produção. E no fim, pomos um preço que acreditamos que o mercado possa absorver”, diz Chris Blandy. 

O desafio da vinha

Mas talvez o maior desafio para o futuro não esteja nas adegas e nem na conquista de novos mercados. E sim na vinha. A produção vitícola está longe de acompanhar o crescimento das vendas. E este desequilíbrio entre produção e procura tem potencial para causar sérios danos num futuro não tão distante assim. “A realidade é que nós não estamos a conseguir comprar uvas suficientes para garantir a continuidade de stock para o futuro. Este ano foi complicado, com quebras de 20 a 25% de produção”, explica. “Este ano, comprei 60% menos de Sercial do que eu precisava. É uma situação delicada, não apenas no que diz respeito às necessidades do mercado, mas também pela pouca quantidade que a região consegue produzir. Esta é uma conversa que temos tido ao longo de vários anos e que creio que não vai melhorar tão cedo”, alerta. 
“Para além de mudanças sócio-culturais, estamos a enfrentar problemas como desertificação das zonas rurais, ou o abandono agrícola de terras. As gerações mais novas não têm a mesma vontade de trabalhar no campo. E temos ainda a lei da herança, que complica mais as coisas”, aponta. “Estamos cientes destes desafios, pois precisamos que se plantem as castas brancas que precisaremos em quantidade necessárias para que possamos produzir e envelhecer os vinhos no futuro. Estamos numa situação delicada que exige um esforço enorme do setor para tentar encontrar uma solução”, alerta.


Um dos caminhos para a Blandys é apostar na terra. “Hoje temos seis hectares, não é relativamente nada no mundo do vinho, mas é muita coisa na Madeira. Embora ainda esteja longe de nos ser suficiente”, diz Chris.  A agricultura na Madeira não é brincadeira. Os custos são altíssimos e as condições extremas. Mas isso não desanima o gestor da MWC. “Eu preferia ter o meu projeto de viticultura a perder dinheiro, mas saber que estava a assegurar castas para o futuro. Temos que fazer algo, quase radical, para termos castas brancas para o futuro”, afirma. Mas não é fácil. E a própria forma como a propriedade da terra é dividida na Madeira acaba por atrapalhar as coisas. “Há quatro anos, encontramos um terreno fantástico, com dez hectares. Contratamos uma pessoa para fazer uma pesquisa, descobrir quais eram os donos, quem queria vender. Tínhamos um valor, um orçamento e estávamos confiantes em concretizar a compra. Mas não conseguimos ir para frente neste projeto. Logo no primeiro hectare que ele conseguiu mapear, em mais da metade das terras ninguém sabia quem era o dono. E quando se conseguiu descobrir, os herdeiros muitas vezes nem sequer sabiam que eram donos das terras. Em média por hectare, tínhamos que falar com mais de 50 pessoas. Era completamente inviável”, lamenta Chris.


Com os desafios lançados e um stock de cerca de 4,7 milhões de litros, Chris Blandy olha o futuro com otimismo. Acredita que a ilha pode apostar mais no enoturismo, onde percebe que existe uma grande oportunidade. Pensa que o investimento na vinha, acompanhado de uma inteligente gestão de stocks, tende a deixar as coisas ainda mais equilibradas com o tempo. E quando perguntamos qual o legado que pretende deixar para o futuro, Chris Blandy, com o mais puro humor britânico, diz: “A minha expectativa é não ser a geração que vai estragar um negócio de seis gerações!”

 



Notas de prova

18,5 
BLANDY'S MALMSEY 1977 
Vinho Madeira / Vintage / Madeira Wine Company

Densidade, vigor, vibração, profundidade, muita firmeza no meio de boca. Um vinho largo e longo, tenso e fresco, com boa presença de lima e laranja em compotas e um delicioso toque de caril. Um grande vinho.
Consumo: 2019 – 2050
250,00 € / 16ºC

18,5
Cossart Gordon Sercial 1985
Vinho Madeira / Vintage / Madeira Wine Company

Tensão e vibração marcam este vinho muito firme e seco, com nariz repleto de nuances de frutos secos, verniz e um leve vinagrinho. 
Consumo: 2019 – 2050
210,00 € / 16ºC

18
Cossart Gordon Bual 1989
Vinho Madeira / Vintage / Madeira Wine Company

Neste vinho tudo parece estar milimetricamente integrado, os aromas onde sobressaem caril e especiarias doces, a boca equilibrada e elegante, com acidez balanceada e dando um perfeito suporte ao álcool e ao açúcar. 
Consumo: 2019 – 2050
215,00 € / 16ºC

18
MILES TINTA NEGRA 1997
Vinho Madeira / Vintage / Madeira Wine Company

Um vinho intenso e vibrante, cheio de frescura e vigor, com bom volume e riqueza tanto no nariz como na boca. Cacau, marmelo e toques cítricos compõem o aroma. 
Consumo: 2019 – 2050
210,00 € / 16ºC


Contactos:

Blandy's Wine Lodge
Avenida Arriaga, 28
9000-064 Funchal
291 228 978
pubrel@madeirawinecompany.com