Johnny Graham, 50 anos de Vinho do Porto

Churchill Graham

Fotografia: Jorge Matos
Marc Barros

Marc Barros

Uma história de meio século sobre Vinho do Porto e o Douro, mas também de ligações familiares ancestrais, têxteis e até futebol. John Graham e a Churchill Graham desenharam um período de renovação no setor, que não se esgota nos vinhos generosos e tem já uma nova geração a tomar as rédeas da firma.

 

John (Johnny) Graham nasceu no Porto, no seio de uma família da alta burguesia de origem britânica da cidade. O têxtil era a atividade principal e o negócio da família. A histórica fábrica Graham, na Boavista, deu o nome ao empreendimento pelo qual ainda é conhecido por muitos portuenses – Graham, ou Foco. A ligação à Invicta é, por isso, profunda e marcante, estando associada até à criação do Boavista Footballers, em 1903. “Os fundadores do Boavista foram os operários da fábrica” que, vendo os britânicos da empresa fabril a jogar futebol, também eles “começaram a jogar e fundaram o clube”, recorda Johnny. Dada a origem, “a minha família tinha direito a um camarote no estádio” do Bessa, privilégio de que Johnny nunca usufruiu. Até porque é o cricket o seu desporto de eleição.


A fábrica foi vendida em 1957 e o Vinho do Porto ficou definitivamente no sangue da família - quatro gerações de Graham garantiam-no. A Graham's Port era uma empresa familiar desde 1820, até que o pai de Johnny vendeu a firma aos Symington, em 1970. Porém, a sua ligação ao Vinho do Porto nunca esmoreceu e, hoje, Johnny pode gabar-se de ter criado, em 1981, a primeira empresa do setor em 50 anos, tantos quantos soma hoje de ligação profissional ao Vinho do Porto.


“Regressei ao Porto em 1973 para trabalhar na Cockburn Smithe’s, com 21 anos”, recorda. “Apesar de ser uma multinacional, a empresa ainda tinha o carácter dos antigos donos e tive o privilégio de aprender com John Smithe, grande provador e grande homem do Douro, durante oito anos”. Os seus dois irmãos, Anthony (que trabalhava na Bolsa de Valores, no Canadá) e William (contabilista da consultora Price Waterhouse no Rio de Janeiro, onde fez a sua vida) deslocavam-se frequentemente ao Porto e ao Douro. Numa dessas visitas, surgiu “a ideia de criar uma firma de Vinho do Porto”, pois “achávamos que podia ser interessante começar algo de novo”, lembra. “Comecei a pensar numa estratégia para fazê-lo e, inicialmente, o plano seria comprar uma quinta no Douro”.


Nos seus últimos anos da Cockburn’s, Johnny ficou responsável pela gestão da Quinta da Eira Velha e, quando saiu em 1981, aos 27 anos, para desenvolver a própria firma, uma das pessoas que contactou foi o viticultor e fornecedor de vinhos Jorge Borges de Sousa, que tinha várias quintas na zona do Pinhão e “acabou por simpatizar com a minha ideia”. À época, “este produtor vendia vinhos sobretudo à Taylor’s e à Cockburn’s e, nos anos que não eram declarados Vintage, essas empresas não compravam pois não queriam pagar o preço que ele pretendia”. Foi este o mote para a combinação definitiva: “Disse-lhe que estava disposto a pagar o preço que pedia pelos vinhos, fossem Vintage ou não”. O stock volumoso de Vinho do Porto da firma de Borges de Sousa permitiu cumprir o mínimo de 150.00 mil litros para arrancar a operação. Além disso, ficou assente que a novel empresa guardasse a “primeira opção dos vinhos destas quintas” – Água Alta, Fojo e Manuela. Essa foi a origem da criação da empresa, cuja designação adveio do casamento de Johnny com Caroline Churchill em 1980. Assim nasce, em 1981, a Churchill Graham.

Vinhos com garra

A empresa nasceu para ser produtora de Vinho do Porto “e era essa a minha formação”, afirma Johnny – “só mais tarde nos lançamos nos vinhos do Douro”. Esses tempos permitiram ao produtor desenhar o perfil de Vinhos do Porto que queria levar trazer para o setor, que designa o ‘estilo Churchill’, fruto da já invejável experiência como provador. “Quando comecei a beber Vinho do Porto, com o meu pai, bebíamos Graham’s, que associamos a um perfil de vinhos frutados, bastante doces e muito puros”. Mas a aprendizagem na Cockburn’s trouxe-lhe outro lado, que designa como “disciplina”, ou ‘grip’, algo que poderíamos traduzir por ‘garra’. Esta reflete “o tanino e a estrutura, da acidez natural, que fecha o gole, agarra o vinho e deixa um bom adeus. Faziam também os vinhos mais secos, e sempre gostei disso”.


A pisa a pé em lagares (processo nada fácil tendo em conta que pode demorar um mês e meio, por vezes durante 12 horas diárias) é uma tradição que se inscreve neste perfil de vinhos. Segundo Johnny, este método “continua a ser uma forma de vinificação eficaz para Vinhos do Porto de qualidade superior”, pois resulta numa maceração suave, “o que evita o risco de danificar as sementes e obter compostos amargos”. Em simultâneo, a utilização de engaço oferece ao mosto maior oxigenação e a fermentação prolongada com leveduras indígenas permite converter mais açúcar da uva em álcool, reduzindo a quantidade de aguardente necessária para fortificar o vinho e obter um perfil mais seco.
Delineado o perfil e feito o vinho, tornava-se imperioso vendê-lo… “Em termos comerciais, o nome Graham ajudou-me a lançar a firma”, conta. “Decidimos desde logo apostar no mercado inglês. Nos primeiros dois anos, eu e o meu irmão mais velho Anthony fizemos um trabalho de fundo no Reino Unido para divulgar o nome em Inglaterra. Por vezes perguntavam-nos por que não estávamos a vender vinhos Graham’s…”


No geral, a reação do setor a esta nova empresa foi boa, recorda. “Uma firma que me ajudou foi a Taylor’s, que alugava o armazém em Barão de Forrester, em Vila Nova de Gaia, durante a primeira década”, outro fator essencial para a Churchill cumprir o caderno de encargos.


Cumpridos os primeiros 50 anos no setor, perguntamos a Johnny Graham o que mudou. “A grande mudança veio no perfil de Vinho do Porto e no cuidado a fazer o vinho. Antigamente a região tinha os lavradores e as firmas selecionavam os vinhos e vendiam-nos. A grande mudança está no pormenor das firmas de Vinho do Porto em interessar-se a trabalhar o vinho. Ou seja, perceberam que o segredo de fazer um bom vinho está na vinha”, resume.

Um sonho chamado Gricha

A Churchill não podia escapar igualmente ao desígnio da viticultura. Em 1977, nos anos da Cockburn Smithe’s, Johnny Graham visitou uma propriedade, em Ervedosa do Douro, chamada Quinta da Gricha. Conta o próprio que o nome terá sido atribuido a partir de uma fonte, ou gricha, por onde a água entrava na propriedade a partir de uma mina, localizada mais acima na encosta.
Quando os netos de Jorge Borges de Sousa decidiram avançar com os seus próprios projetos após o falecimento do avô, Johnny viu-se privado do principal fornecedor. Começou a procurar propriedades que pudessem corresponder ao perfil de vinhos que definiu, com prioridade para a margem sul – e redescobriu a Quinta da Gricha. A sua localização, voltada a norte, num local de antigas minas, ou seja, “um solo bastante mineral”, permite obter “vinhos com ‘pedigree’ mas uma frescura excelente”, capaz de originar vinhos em simultâneo “aromáticos e elegantes, com boa potência e longevidade”. A produção de vinhos do Douro foi uma motivação acrescida que levou Johnny e os seus cerca de 80 investidores (!), entre amigos, família e outros conhecedores, a avançarem para a aquisição da propriedade, em 1999.


Há quase duas décadas na empresa, o enólogo Ricardo Nunes refere que a quinta conta com 50 hectares, dos quais 40 de vinhas. “Inicialmente tinha uma vinha velha, que terá hoje cerca de 80 anos”. Em 2000 foi plantada uma vinha estreme de Touriga Nacional, designada Talhão 8, sendo que, a partir de 2007, a área total de vinhedo foi ampliada, introduzindo igualmente castas brancas. A “produção de uva na Gricha representa cerca de um terço das necessidades” da empresa, acrescenta o enólogo. 
Metade da quinta estava plantada com vinhas muito velhas, implantadas “na parte inferior, com mistura de castas; na parte nova temos o lote clássico do Douro, com Tinta Roriz, Touriga Nacional e um pouco de Touriga Franca. Tudo isto combina bem dentro da filosofia de vinhos que queremos produzir”. O enólogo sublinha que a quinta “é muito especial e tem uma identidade própria, para a qual contribui o facto de a encosta ter sido outrora zona de minério, volframite e quartzo, o que chamamos de mineralidade, ou seja, uma certa tensão que resulta da combinação do tanino com a acidez natural, contribuindo para um perfil vibrante nos Vinhos do Porto e de mesa”. Como referido, a escolha da Gricha deveu-se igualmente à produção de vinhos do Douro. “Fizemos as primeiras vinificações em 1999, 2000 e 2001. O primeiro DOC Douro com a designação Churchill Estates era de 2002 e foi um grande vinho”.
Johnny e Ricardo formam uma bela parceria. “Considero que o estilo de Vinho do Porto de uma casa não se afere tanto pelos topos de gama, mas pelos vinhos de entrada de gama”, sublinha John Graham. A Churchill produz anualmente, em média, 350 pipas de Porto e 350 pipas de Douro. Hoje a produção da Churchill’s divide-se entre Vinhos do Porto de diversas categorias (Vintage, LBV, Crusted, Tawnies 10, 20, 30 e o novíssimo 40 anos, para além do Porto branco seco) e DOC Douro. A gama de tawnies representa 30% da produção total de Vinho do Porto da casa.


E, para além das referências tradicionais da empresa, chegou a hora de lançar uma nova marca, que remete não apenas para a mineralidade da Quinta da Gricha, mas também para um certo perfil específico, que combina elegância com frescura, mantendo estrutura e dimensão aromática – Grafite. “Há oportunidade para criar vinhos com perfis diferentes, com menos extração, e vamos ter muito para andar” nessa via, sublinha John. O futuro está sempre na sua linha de visão. “Ajudei a criar uma firma, agora as novas gerações devem fazê-la crescer. Há grande potencial não só no Vinho do Porto, mas também no Douro, na exportação e nos mercados asiáticos, estamos também a mudar a nossa distribuição nos EUA, com um distribuidor único”. A filha Zoe, diretora de vendas e marketing da Churchill’s,  e o genro, Ben Himowitz, trazem consigo uma larga experiência, seja na Moët Hennessy, no caso de Zoe, ou na nova-iorquina Redscout, onde Ben prestava consultoria a empresas como Diageo ou Hilton.
O enoturismo foi outra valência que a Churchill abraçou com redobrada dinâmica para o período pós-pandemia. “Estamos confiantes que este negócio vai recuperar e é para nós fundamental, pois cria laços de fidelização no consumo e na experiência Churchill”. Depois da abertura do centro de visitas em Vila Nova de Gaia e, mais tarde, do restaurante e bar 1982, a empresa abriu a Quinta da Gricha ao enoturismo em 2017, como explica Ana Pinho. Pretende imprimir “um conceito mais intimista, quase como se os enólogos abrissem a sua casa ao público”. Com quatro quartos, os hóspedes têm acesso ao jardim e piscina e, para além disso, promovem visitas guiadas, que incluem almoço. Um futuro radioso que se antevê para a mais jovem firma britânica de Vinho do Porto – e já lá vão quatro décadas…

 

Churchill’s Lodge and 1982 Bar
Rua da Fonte Nova, 5
4400-156 Vila Nova de Gaia
T.351 22 374 4193 / 22 370 3641
M.91 310 6066
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Quinta da Gricha
Ervedosa do Douro
5130-108 S. João da Pesqueira
M.926 810391
E.quintadagricha@churchills-port.co