Kit para os Santos Populares

Fotografia: Ricardo Garrido

Sardinhas, as melhores receitas, harmonizações de vinhos e muita animação. Eis o Kit para os Santos Populares da Revista de Vinhos.

 

Texto: Fátima Iken, Guilherme Côrrea e Luís Alves. Fotos: Ricardo Garrido

 

Num mês de festas por todo o país, a Revista de Vinhos preparou um verdadeiro kit para os Santos Populares. Primeiro partilhamos uma receita original de sardinha, com a devida explicação de como cozinhar este peixe tão apreciado; depois falamos com um reconhecido sommelier e pedimos-lhe algumas sugestões de bons vinhos para as noites que se seguem. Terminamos, claro, com as melhores sugestões de animação para festejar o regresso em pleno aos Santos Populares, dois anos depois.

 

Porque a noite começa geralmente à mesa e porque o fazemos com um menu que, mais região menos região, tem um “convidado” indispensável. Vamos à sardinha. É na grelha que ela mais brilha, refletindo toda a sua glória e sapidez nata. Daí que o melhor mesmo seja aplicar o conceito de simplicidade e deixá-la mostrar a sua garra. Uns grãos de sal e brasas com elas. 
O fogo deve ser quente mas não muito próximo para evitar queimá-las. As tripas conservam-se pois os ácidos gordos polinsaturados acumulam-se no músculo e em redor das vísceras. A pele depois deve sair facilmente e aproveita-se o seu pingue para embeber o pão ou a broa.

Evocando Júlio Camba, uma espécie de Brillat-Savarin espanhol, na obra "La Casa de Lúculo o El Arte de Comer", numa espécie de elegia à sardinha, sugere-se que este peixe pelágico (que se alimenta no chamado mar aberto e não dos fundos marinhos) se coma acompanhada de uma batata e um copo de vinho, repetindo a façanha pelo menos 12 vezes, caso contrário, algo de errado se passa. E aconselha a escolher bem os “cúmplices” de uma sardinhada, pois nada será como dantes após um repasto destes.

Para além das batatas cozidas, os pimentos assados, a cebola e broa, tudo ingredientes acrescentados no século XIX, altura em que vieram parar da América do Norte à Europa, o grande companheiro da sardinha é o vinho. A melhor forma de as saborear é, assim, grelhadas. Em Vila do Conde, a técnica de as assar em caruma – também apelidada “enguiço” - torna-as especiais no paladar e, dizem, mais digestivas. Vale a pena experimentar e, por isso, aqui deixamos a receita. Basta apenas uma pedra de lareira, agulhas de pinheiro (caruma) e a técnica visa fazer camadas de sardinhas e agulhas de pinheiro de forma a envolvê-las bem. Polvilham-se de sal grosso e pega-se fogo à caruma, deixando-se arder. Passados uns minutos retiram-se e têm um sabor inesquecível. Experimente este petisco para dourar os dias de verão que se avizinham.

Receita: Sardinhas assadas no enguiço

Ingredientes:
•    Sardinhas
•    Batatas
•    Azeite
•    Sal grosso

Modo de preparação:
1.    Sobre uma pedra de lareira, espalha-se uma camada com 10 cm. de agulhas de pinheiro (enguiço ou caruma).
2.    Passam-se as sardinhas (grandes e gordas) por água fria e dispõem-se sobre as agulhas de pinheiro.
3.    Polvilham-se abundantemente com sal grosso e cobrem-se com nova camada de agulhas de pinheiro com espessura igual à anterior. 
4.    Incendeia-se o enguiço em quatro pontos e deixa-se arder.
5.    Retiram-se as sardinhas, que se apresentam pretas mas não queimadas, e limpam-se ligeiramente.
6.    Servem-se imediatamente acompanhadas com batatas cozidas e regadas com azeite.

 

Vamos aos vinhos

O sommelier Guilherme Corrêa, do Painel de Provas da Revista de Vinhos, traça a estratégia vínica destes Santos 2022. Foi no restaurante Forninho Saloio, em Lisboa, que os testes foram ensaiados pelo especialista para agora termos a tática bem definida. Vamos ao que importa:

Queria provar dois clássicos das tascas portuguesas, um Vinho Verde branco com todos os seus apanágios de ésteres intensos de fruta, frescura, agulha e leve toque de açúcar residual, e um belo Vinho Verde tinto à base de Vinhão, com a sua cor impenetrável que manchou a minha camisa para sempre, além de um cardume de taninos e ácidos pontiagudos a aflorar no equilíbrio, totalmente inclinado para o lado da dureza. E também queria levar uma proposta de sommelier guloso, que segue as técnicas da harmonização, mas também que procura sempre o aspeto hedonista do jogo. Pois bem, deveria ser um branco intenso nos aromas marinhos, com excelente estrutura, mas sem os taninos elágicos da madeira, com a acidez e a sapidez mineral em grau suficiente para lavar a gordura das sardinhas, ainda que amparado por um bom grau alcóolico e fruta densa do lado da maciez, de modo a enfrentar todo o umami. A minha escolha foi o Verdelho Magma 2018 da DO de Biscoitos, da Ilha Terceira, nos Açores, um vinho absolutamente incrível dos craques Anselmo Mendes e Diogo Lopes.

Quando as sardinhas chegaram à mesa, tive que conter a minha excitação de vê-las novamente, as primeiras do ano; mas afinal de contas, estava ali a labutar. A cada garfada um gole de um dos três vinhos e muitas impressões registadas. Não perdoei as cabeças ou as vísceras, naturalmente. Em resumo do meu árduo trabalho de campo, gostava de partilhar com os leitores da Revista de Vinhos que o Vinho Verde branco - não cito aqui o produtor ou a marca porque há inúmeros nesse perfil no mercado e normalmente muito bem conseguidos -, confirmou que é um ótimo e despretensioso companheiro das sardinhas. Limpa muito bem a sua gordura e, embora o umami recrudesça o lado da dureza, há fruta e doçura residual do lado da maciez para suportá-la. Numa avaliação técnica mais minuciosa, diria que faltou um pouco mais de densidade e estrutura para acompanhar a riqueza dos sabores marinhos até o final do retropalato.

O Vinho Verde tinto, todavia, e apesar da sua tipicidade e qualidade, foi prejudicado na prova por todos os aspetos que discutimos acima. Já de largada, não consigo ver um diálogo no seu perfil de aromas de fruta vermelha e terra com os aromas da sardinha. Ao lado das lampreias em vinho tinto e sangue, sim, senhor! Depois, como era esperado, a sua aspereza implacável explodiu com o umami, e um fim-de-boca a óleo de peixe tomou conta das sensações finais. Porém, pela carga de iodo comedida das sardinhas, os taninos do Vinhão não se metalizaram ou “enferrujaram” tanto na boca, há que dizê-lo.

Por último, fica aqui a minha dica para a vossa próxima sardinhada! Estes vinhos vulcânicos dos Açores, com o seu vincado carácter marinho, sapidez mineral, densidade e verve eruptiva, como o Verdelho Magma, ficam absolutamente divinais com as nossas veneradas sardinhas. O umami ressaltou o lindo lado vulcânico e a sapidez. Por outro lado, a acidez foi implacável para limpar cada naco gorduroso e levemente fumado das sardinhas. E os dois filhos do oceano seguiram juntos no retropalato e às profundezas da nossa alma, quando encontramos uma harmonia perfeita.

Vamos para a festa

Em Lisboa


•    Na baixa de Lisboa há Santos IN.VULGARes! O conhecido restaurante lisboeta preparou um menu totalmente dedicado aos sabores mais emblemáticos da época. A sardinha, o pimento e o caldo verde estão assegurados num menu com um custo de 35€ (exceto bebidas) que está disponível entre os dias 7 e 17 deste mês.
•    Assume-se como “um dos arraiais com melhor vibe de Lisboa”. Tem a particularidade de ser vegan e surgiu em 2019.  Chama-se Veggie Vibes e vai acontecer no Mercado de Santa Clara. De 10 a 13 de junho não faltarão chouriço assado vegan, seitanas (versão seitan das bifanas) e outros petiscos populares “como o prato vegan de eleição dos portugueses, o caldo verde”.
•    O município de Lisboa tem um conjunto de atividades na rua neste “regresso” pós-pandemia. As Marchas Populares são sempre cabeça de cartaz nesta festa tradicional. Estão de regresso à Avenida da Liberdade no dia 12 de junho. Mas há mais: concertos, arraias, teatro e cinema. No dia 28 de maio, o cantor cabo-verdiano Tito Paris dá um concerto junto à Torre de Belém, pelas 22h.
•    Nos dias 17 e 18 há fado no Castelo de São Jorge, às 22h.
•    No dia 30 de junho há o concerto “Cheira a Lisboa” na Praça do Comércio, às 22h.
•    A companhia de artes plásticas Snuff Puppets anima também a cidade em vários pontos com performances. Rossio, Praça de Camões, Praça do Comércio, Jardim da Estrela, Jardim de Belém, Jardim de São Pedro de Alcântara, Parque das Nações, Quinta das Conchas e Alameda D. Afonso Henriques.

No Porto

•    No Astória, na baixa do Porto, o restaurante está a preparar um buffet tradicional de São João que se estende aos jardins da Praça das Cardosas.
•    No complexo cultural do World of Wine (WOW) também há festa, com vários menus para vários preços. A vista sobre o Porto e Vila Nova de Gaia, essa, está assegurada em qualquer ponto do WOW.
•    São João at the Lodge. As Caves Cockburn’s estão a preparar a noite de 23 para 24 de junho. A colaboração gastronómica será do restaurante Belos Aires. Espera-se uma simbiose entre os pratos típicos dos santos populares e os paladares argentinos.
•    A animação organizada pelo município também está assegurada, agora que a pandemia parecia aliviar quase na totalidade as medidas de combate à pandemia. O palco principal, habitualmente instalado nos Aliados, dá lugar a três palcos “descentralizados”: Praça do Rossio, nos jardins do Palácio de Cristal, Casa da Música e Largo Amor de Perdição, na Cordoaria. No dia 23 de junho, a música começa na Praça do Rossio com Romana, Saúl e Marante, a partir das 20h. Mais tarde, às 22h, na Cordoaria, entram em palco Toy e José Malhoa. Já na Casa da Música, por volta das 23h30, a festa faz-se com os Chico da Tina. O fogo-de-artifício também sofre alterações e passa da Ponte Luís I para estruturas flutuantes no rio Douro.