Lampreia: preço duplicou, todos a desejam, poucos encontram

Em época fervorosa dos apaixonados do petisco, que ora se ama ora se odeia, o valor e a escassez são os temas

Fotografia: Arquivo
Joana Soutosa

Joana Soutosa

Amada por uns, odiada por outros tantos, a verdade é que a lampreia faz parte da cultura gastronómica. A pesca é feita de janeiro a abril, enquanto os devotos vão ganhando água na boca, à espera do momento certo para reservar uma mesa no restaurante favorito ou ir a um dos muitos festivais a ela dedicados no país. Este ano, a expetativa não está a ser correspondida. Não pela falta de qualidade mas de quantidade.

A Adega Sabino, em Melgaço, é um dos restaurantes aderentes à iniciativa “Lampreia do Rio Minho – Um Prato de Excelência” promovida pela ADRIMINHO e pelos seis municípios do Vale do Minho – Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira. Augusto Castro, mais conhecido por Sabino, proprietário do restaurante, conta à Revista de Vinhos que, atualmente, compra uma unidade de lampreia a 120€ para a confecionar e vender a 220€. O prato, como Sabino aconselha, serve três pessoas mas “o problema é que não há lampreia”.

Sabino explica que os clientes telefonam antes de se dirigirem ao local para confirmar se está a ser servida e, muitas vezes, o preço não os afugenta.  O próximo passo é ligar aos pescadores e pedir lampreia viva e fresca, mas a resposta tem sido frequentemente negativa. Congelar ou manter o peixe morto e temperado durante alguns dias não é uma opção.

A Páscoa está por dias e Augusto já adivinha que não vai ter lampreias suficientes para satisfazer todos os clientes que procuram a Adega Sabino para desfrutar desta iguaria, seja à bordalesa ou com arroz. Mas o caudal do rio Minho está a baixar e isso traz-lhe alguma esperança, embora seja da opinião de que muito dificilmente o preço vai descer.

O efeito da escassez estende-se a todo o país. Que o diga O Gaveto, em Matosinhos. João Silva, gerente, afirma que “por incrível que pareça, a procura aumentou” talvez porque há menos sítios a confecioná-la.

O presidente da Associação dos Pescadores do rio Minho, Venâncio Soares, explica que começou a aperceber-se que este seria um ano difícil através das comunicações com a associação de Caminha. 

“A pesca lá começa mais cedo, a 2 de janeiro. Perguntei se andavam a aparecer lampreias, disseram-me muito poucas, igual ao ano passado ou ainda pior.” Venâncio considera as barragens um dos principais fatores para a escassez de lampreia e afirma que, quando soltam a água, o rio sobe seis ou sete metros no prazo de uma hora / uma hora e meia, deixando as pesqueiras submersas e alterando o nível do caudal do rio e o normal funcionamento da vida aquática.

De acordo com um estudo liderado por duas investigadoras da Universidade de Évora existem seis espécies de lampreia no Hemisfério Norte e foram identificadas 11 ameaças para esta espécie: alterações climáticas, mudanças nos regimes oceanográficos, barreiras artificiais, baixa gestão da quantidade/fluxo de água, degradação do habitat, má qualidade da água, disponibilidade reduzida de habitat, disponibilidade de hospedeiros e presas, predação, colheita excessiva e doenças.

Já existem projetos cujo objetivo é melhorar a proteção e conservação do habitat fluvial, como é o caso do Migra Miño. Este programa visa “a implementação de atuações de melhoria dos leitos fluviais e do estado de conservação das espécies de peixes migradores presentes no Baixo Minho e os seus afluentes ou tributários”, como é o caso da lampreia marinha, enguia, sável, truta marisca e salmão do Atlântico.

A Plataforma Ecológica do rio Minho (PEC) foi criada no âmbito do Migra Miño e dá conta de que existem 71 grandes infraestruturas hidráulicas na bacia do rio e cinco grandes barragens e reservatórios ao longo do canal principal, o que representa grandes obstáculos para espécies como a lampreia.