Manuel Lobo em família

Fotografia: Ricardo Garrido

Os Lobo de Vasconcellos conhecem bem as terras das Beiras, do Tejo e do Alentejo. Manuel, o enólogo apaixonado por Bordéus e que já criou uma história íntima com o Douro, está a impulsionar um novo projeto de vinhos alentejanos, nascido entre as herdades de Perescuma e Zambujal do Conde. Apuro e equilíbrio são descritores dos primeiros exemplares conhecidos. Vinhos pessoais. Vinhos de família.

 

Texto e notas de prova: José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires

 


Manuel Lobo fala com ternura especial sobre os solos, as vinhas, a adega e o futuro espaço de enoturismo do projeto familiar que passou a corporizar no Alentejo. Não é para menos. Estamos perante as fundações de um projeto de vida, partilhado com a mulher, Teresa, e os filhos. Aliás, eles já cirandam pelos cantos e recantos da adega com o à vontade do estar por casa.


O património agrícola dos Lobo de Vasconcellos não é de hoje. Há mais de 200 anos que existem ligações profundas à terra, em regiões tão próximas e tão distintas quanto o Alentejo, o Tejo e as Beiras. Nos últimos anos, Manuel Lobo assumiu a enologia do ribatejano Casal Branco, um clássico que o tio José Lobo de Vasconcellos tem conseguido manter e fazer perdurar. Perescuma era a realidade de pai e filhos no Alentejo, que agora surge reconfigurada, com fôlego e ambições igualmente renovados.
Na Herdade da Perescuma, na Vendinha, bem à face da estrada nacional 256, que liga Évora a Reguengos de Monsaraz, um amontado de enormes pedras sinaliza a entrada. Bem mais sólidas do que betão, parecem dizer-nos que estes Lobo estão ali para ficar.
A propriedade é uma imensidão de 543ha, mas somente 46ha são vinhedos (10ha ainda sem estar a produzir). As primeiras plantações datam de 1995, as mais recentes foram realizadas no ano passado. Domina o encepamento tinto, que se inicou pelo Cabernet Sauvignon e o Alicante Bouschet e que foi progredindo para variedades como a Touriga Nacional, a Touriga Franca, o Syrah e o Sousão. Estão a crescer os primeiros exemplares de castas brancas – Verdelho, Viosinho e Sauvignon Blanc.
A paixão pessoal de Manuel Lobo por Bordéus percebe-se nas opções do plantio. Acresce a obsessão por cada palmo de terra. A partir do conhecimento e da compreensão do solo segue-se tudo o resto.


Os cortes de solo, entrecortados pelos diferentes talhões, mostram muito argilo-calcário. A argila surge até meio metro de profundidade, depois pedras e blocos calcários que permitem excelente retenção de água. Não sendo particularmente velhas, as vinhas mais antigas conseguiram penetrar as raízes a profundidades na ordem dos 2,5 metros. Sendo o Alentejo uma região quente, cada vez mais tórrida, esta realidade permite que os momentos de stress hídrico das vinhas sejam menos episódicos face a outras geografias.
“São solos desafiantes, por vezes temos PH de 8 ou mesmo mais elevados”, sublinha Manuel Lobo. Para quem pretende dar primazia à elegância e à frescura, convenhamos que mais do que um potencial problema, este contexto é sobretudo uma bênção.
A meia dúzia de quilómetros em linha reta do casco histórico da monumental Évora, a Herdade do Zambujal do Conde é outra fonte de inspiração e alimento. São 512ha, somente 8ha de vinha.


Os solos são graníticos, pontuados por algum quartzo e afloramentos arenosos e argilosos. A vinha está plantada numa zona de encosta particularmente bonita, que favorece um horizonte de paisagem que mostra o Alentejo de visão rasgada. Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot, Touriga Nacional e Syrah foram as castas tintas plantadas em 2006. Seguiu-se o Verdelho, casta branca que Manuel Lobo valoriza “pelo perfil comercial e potencial de boa evolução”.
As densidades de plantação andam entre os 3.300 e os 3.750 pés por hectare, a viticultura está designada por “eco-friendly”, ou seja, procura-se intervir pela dose necessária. Nas herdades, a vinha é uma produção importante e que confere maior protagonismo, mas a agricultura e a pecuária convivem em diversas esferas – floresta (incluindo montado), cavalos, gado (600 cabeças) e forragens para gado.

Sinais que prometem ficar

Todos os que andam pelo vinho reconhecem em Manuel Lobo um dos grandes enólogos portugueses. Estudou na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, e fez incursões internacionais por França, Austrália e Estados Unidos. Em Bordéus apurou o sentido de gosto que o marca, o compromisso entre estrutura e finesse, entre identidade de chão e filosofia de adega. Em Clare Valley e em Napa Valley tirou as medidas às técnicas do Novo Mundo, percebendo que nada é feito por acaso.
Em Portugal, o Douro tem sido a região que maior protagonismo lhe conferiu. Contribuiu para a manutenção do brilho da histórica Quinta do Côtto, ainda antes de assumir os vinhos da Quinta do Crasto. Com ele, o Crasto foi ao Douro Superior, sublinhou a grandeza da Vinha da Ponte e da Vinha Maria Teresa, afirmou o Vinhas Velhas, ensaia agora novas abordagens.


O apelo familiar deu os primeiros passos com os vinhos Perescuma, mas sem ter existido um mergulho de cabeça como o atual. Foi também em nome da família que aceitou o desafio da Quinta do Casal Branco, em Almeirim, onde começou a deixar marca própria sem beliscar o livro de memórias. 
Como um chefe de família que senta todos a uma mesa para tentar um compromisso conjunto, conversou com as diferentes casas antes de assumir um novo ritmo. Voltou a residir em Lisboa, entrega-se boa parte da semana ao Crasto, nos regressos à capital faz incursões ao Tejo e ao Alentejo. Porque não há enólogos omnipresentes, entrega o dia a dia dos vinhos de família a Joana Silva Lopes. 
Na Lobo de Vasconcellos Wines partilha com o amigo e sócio Francisco Bessa, que tem percurso na banca e consultoria de investimentos, a gestão do negócio, e ao companheiro da UTAD, João Matos, atribuiu a responsabilidade comercial. A restante equipa combina experiência e juventude, qual blend.


A adega permite vinificar 1,2 milhões de litros, está imaculadamente equipada e é bastante funcional. Muito por isso tem sido escolhida por outros parceiros para vinificação, uma prestação de serviços de agrado mútuo, na medida em que os novos vinhos ainda não enchem todas as cubas e barricas, embora a tendência aponte para o crescimento. O alargamento da adega e uma nova cave de barricas estão já no caderno de encargos do médio prazo, tal como uma abordagem séria ao enoturismo, tirando proveito da facilidade de acesso.


Os primeiros vinhos LV mostram apuro enológico e sinalizam um caminho que parece querer privilegiar o equilíbrio em detrimento da força. O Alentejo não é Bordéus, mas permite uma multiplicidade de abordagens, tal a diversidade de solos e micro-terroirs. Manuel Lobo avançou já com a análise a 80 perfis de solo, até porque quer a Lobo de Vasconcellos Wines de pés bem assentes na rocha-mãe, como todas as famílias sempre tentam. Não é só uma questão de ternura; é também muito uma questão de legado.

 

Lobo de Vasconcellos Wines
Adega Lobo de Vasconcellos, 7200-041 Vendinha, Évora
info@lobovwines.com / lobovwines.com