Manuel Pinheiro: mensagem aos produtores de Vinhos Verdes

Fotografia: Fotos D.R.
Redação

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O presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), Manuel Pinheiro, mostra-se surpreendido com as críticas que considera estar a ser alvo a CVRVV da parte de alguns produtores a propósito da pandemia que vivemos. Em texto de opinião partilhado com a Revista de Vinhos, que a seguir replicamos, insiste ser “um erro técnico sublinhar a comunicação da desgraça”.


“Comunicar em ano de crise: cinco apontamentos

O ano de 2020 alterou profundamente o nosso contexto e, naturalmente, está a surpreender nas mais diversas dimensões da nossa vida. Uma das principais surpresas com que me defrontei nas últimas semanas são as críticas de alguns produtores de vinho que entendem que a Comissão dos Vinhos Verdes deve dar notícias más do mercado em que os nossos vinhos estão a participar, revelando perdas de vendas e dificuldades económicas das empresas. Em 2011 tivemos as mesmas críticas, mas já lá vamos.

Um. Começando pelo princípio: uma entidade como a nossa deve informar de forma clara e objetiva. É isso que fazemos com a publicação de mapas disponíveis mensalmente. Mais ou menos agradáveis, os mapas refletem factos, que depois cada um de nós interpreta. Na leitura de mapas gerais é preciso perceber que estes refletem realidades agregadas. Portanto, quando vemos que no fecho de outubro aumentam as vendas e, em particular, aumenta a exportação, é de bom senso perceber que, num nível de análise mais fundo, há empresas que crescem e outras que perdem e perdem muito. Tudo isto são verdades estatísticas com igual valor.

Dois. É um erro técnico sublinhar a comunicação da desgraça. A primeira pessoa que lê a comunicação de um produtor de vinhos ou uma região demarcada é o nosso cliente. E, pode o leitor ter a certeza absoluta, ninguém compra um produto por pena. Local absolutamente histórico no Porto, a Cervejaria Galiza andou meses a anunciar dificuldades económicas a que a Comunicação Social deu relevo. Algumas pessoas lá terão ido por solidariedade, mas certamente muitos mais lá não foram por deixarem de confiar num estabelecimento que se comunica estar em pré-encerramento. E quanto a si ? Se lhe noticiarem que um supermercado vai fechar 50 lojas continua a confiar nos frescos para ir lá fazer as suas compras? Quando damos notícias negativas, o primeiro leitor é o nosso cliente e o segundo é o nosso gerente bancário.

Três. Em 2011, Portugal afundava-se no estado de pré-falência, que trouxe ao país a Troika e que obrigou as finanças públicas (e, com estas, as privadas) a uma retração violenta. A auto-estima nacional estava em baixo, os políticos discutiam. A crise era a palavra-chave de todas as notícias. Nesse exato momento, a CVRVV lançou a campanha: “Há quem puxe pelo País”. O impacto que a campanha teve funda-se precisamente na sua capacidade em comunicar energia, quando o País se afundava no desalento e na revolta. Associámos o Vinho Verde à resiliência, à capacidade de um País de se reinventar e encontrar na exportação a resposta para as enormes dificuldades do mercado interno. Teria sido mais fácil fazer comunicados a falar de desgraça? Claro que sim e era o que alguns reclamavam.  O tempo provou que a opção que fizemos foi a mais avisada.

Quatro. Desengane-se se acha que, com notícias negativas, vamos recuperar por via dos políticos o que o mercado nacional nos tirou. Em primeiro lugar porque essa sensibilidade existe e os problemas têm sido transmitidos. O Ministério da Agricultura lançou em 2020 duas medidas de apoio e tem outras em preparação. Em segundo, porque as reclamações têm de ser tecnicamente fundamentadas: não pode uma região reclamar apoios e chegar ao Terreiro do Paço e apresentar dados de aumentos de vendas. Não pode o País reclamar retiradas de vinho do mercado num momento em que o preço do granel não desce. Em terceiro, porque a nossa situação não é comparável à dos restaurantes. Estestêm uma crise avassaladora que varre todo o setor. Nós temos uma situação de disparidade de resultados que está a ser tratada no Ministério da Agricultura, mas que seria imediatamente desacreditada se viéssemos a público clamar pela desgraça do setor.

Cinco. Então fazer o quê? Em primeiro lugar, comunicar algo que é factual e imbatível. Este pode ser o ano mais difícil da nossa geração, mas 2020 foi também o ano de uma grande vindima de qualidade. Vamos entrar em 2021 com grandes vinhos para levar ao mercado. Depois, perceber que o vinho responde precisamente àquilo que as pessoas mais procuram neste momento. O vinho leva-nos para o convívio, para a gastronomia, para a descontração, para a alegria, para o simples prazer de viver e de viver em companhia. No triste ano que vivemos, tudo isto são sentimentos aspiracionais. E, finalmente, sim, sem dúvida alguma, afirmar que o vinho português é um setor histórico e competitivo, um setor que exporta, que gera riqueza no interior, um setor que vai à luta, um setor que já passou por momentos piores do que estes e venceu. E venceu com gerações que não tinham metade da preparação nem dos meios que nós temos. Era o que faltava se a nossa geração não era capaz de fazer melhor!”.