O rum agrícola da Madeira do Rocim

Ukulele

Fotografia: Daniel Luciano

O Ukelele, instrumento de cordas havaiano, surge-nos mais associado a praia, mar, surf, à dança tradicional que os nativos chamam ‘hula’ ou mesmo a Elvis Presley. Mas é, também, um rum agrícola da Madeira, que chega pela mão do Rocim. 

 

Texto e notas de prova José João Santos e Marc Barros

 

O rum agrícola da Madeira é uma preciosidade nacional, ainda pouco reconhecida pelas suas especificidades, de que já demos conta nestas páginas (RV384 de novembro último). Obtido exclusivamente por fermentação alcoólica e destilação do sumo da cana de açúcar cultivada no arquipélago, é por esse motivo classificado como rum agrícola, distinto do rum dito ‘industrial’, que resulta da destilação do melaço fermentado.


Nesse sentido, o rum agrícola só pode ser elaborado uma vez por ano, aquando da apanha (normalmente entre abril e julho) e processamento da cana. Este faz-se segundo métodos de produção tradicionais em engenhos mecânicos que nos remetem para os tempos da Revolução Industrial, bem como da experiência acumulada ao longo de gerações. 

Merece, inclusivamente, o estatuto de produto com Indicação Geográfica (IG), produzido na Região Autónoma da Madeira, como descrita no Decreto Legislativo Regional n.º 18/2021/M, de 28 de Julho. 
Para essa exclusividade contribui, como referido, o processo de elaboração. A montante, a cana de açúcar, cultura de enorme tradição e valia económica na Madeira, é cortada à mão, transportada, pesada e moída, após o que o sumo resultante é fermentado e, posteriormente, destilado. Também por isso, apresenta caraterísticas organoléticas únicas, que ganham complexidade com o estágio em madeira.

Em média, para produzir um litro de rum a 50% de volume alcoólico são necessários 12 kgs. de cana, sendo que, em 2017, a produção total de cana da Madeira foi de 12.000 toneladas. As variedades mais usadas são a chamada ‘roxa’ (POJ 2725), ‘rosada’ (NCO 310), bem como as variedades Canica e Yaba.

Rum de talha

Sendo um espirituoso com especificidades produtivas, é no envelhecimento que o rum obtém complexidade. As (poucas) casas que ainda elaboram rum da Madeira possuem cascos onde os destilados evoluem por vários anos e, por vezes, décadas. 

O enólogo Pedro Ribeiro, do Rocim, é um apreciador deste ‘spirit’ e confidencia que, nas muitas viagens que já fez à Madeira e onde tem muitos amigos, aprendeu a gostar do rum agrícola. “Quem olha para Portugal não vê que naquele cantinho faz-se rum agrícola de muita qualidade”, assinala. Logo o espírito experimentalista do enólogo veio ao de cima, surgindo a possibilidade de desenhar o seu rum, de estilo muito próprio. “Quando provo os diferentes rums do mercado sinto muita austeridade, marcados por uma ou outra madeira”, refere. “Há cerca de seis anos atrás enviamos uma talha para a William Hinton [centenário produtor de rum agrícola da Madeira], nosso parceiro neste projeto, onde envelhecemos uma parte do lote de sete rums de diferentes idades, o mais novo de seis anos e o mais velho com 29 anos”. 

Nasceria assim o Ukelele, “um rum com muita complexidade, que transmite a pureza e o carácter do rum agrícola, que são os mais prestigiados a que podemos ter acesso”, acrescenta. Foram selecionados rums mais jovens, frescos e florais, e outros mais velhos, com indicações de nove anos, que aportam notas frutadas. O toque final, que finaliza num acréscimo de complexidade, é o já referido rum com 29 anos de idade, todos eles estagiados em madeira, com exceção do lote estagiado em talha.

Todos estes foram destilados no Engenho Novo da Madeira, artefacto centenário, restaurado em 2007, que é, na prática, um destilador contínuo em cobre, com oito pratos, possuindo capacidade para destilar 1400 litros por hora, resultando em 75 litros de álcool a 100% de volume. As variedades de cana usadas são a POJ-2725 e NCO-310, uma vez que, para além de serem mais produtivas e apresentarem grau Brix mais elevado, são mais resistentes a vírus como o chamado “mosaico da folha”. 
Segundo Pedro Ribeiro, “quis fazer um rum muito equilibrado, em que as arestas estivessem bem limadas e nenhum dos componentes se sobreponha a outro”. Trata-se de uma edição limitada de 647 garrafas de 500 ml., proposta numa embalagem que remete para as caixas de madeira onde era feito o transporte desta matéria-prima.