Primeiro vinho feito com infusão lançado no verão

Fotografia: Fotos D.R.
Fátima Iken

Fátima Iken

Experiência sensorial no Hotel das Virtudes, no Porto.


Experimentar os vinhos criativos de Tiago Macena, as “infusões com história” de Miguel Moreira e a sapidez da cozinha de Tiago Bonito num cenário que é uma verdadeira “gema” do centro histórico do Porto, o Hotel das Virtudes, escondido entre as ruelas labirínticas de Miragaia, só podia ter tudo para dar certo.
O objetivo terá sido, segundo João Soares, diretor do Hotel das Virtudes, mostrar alguns dos projetos portugueses que se destacam pela diferença e cuja ligação ao terroir nacional conseguem exibir a tradição e cultura nacionais, emparelhadas com o arrojo dos seus mentores.
O momento, apelidado de “Tea & Wine Experience” uniu a expertise de um enólogo quase MW, cujos vinhos são narrativas sensoriais, de um apaixonado por ervas aromáticas e as memórias gastronómicas de um chefe de cozinha especial.
No caso dos vinhos “fora da caixa” com assinatura do irrequieto enólogo Tiago Macena, único português prestes a ser Master of Wine (concluiu já a mais complexa etapa do exame prático, faltando apenas apresentar o projeto final), as experiências passam por unir a ancestralidade e as modernas técnicas de vinificação, ao cruzar procedimentos em barro e barrica, valorizando cadtas locais e menos conhecidas, a par da identidade do território.
Uma surpresa acabou por abrir a prova, com um vinho pioneiro a unir-se a uma infusão. Não é por acaso que os seus vinhos dos territórios do Dão se agregam na chancela “No Rules”.
A confirmar este paradigma, o Código – Infusão Subtil, a ser lançado este verão, une dois mundos a priori separados: casa uma infusão com um vinho, reiterando que o enólogo gosta de quebrar regras.
“Transferimos a infusão a frio para a barrica, onde esteve duas semanas em contacto com a madeira, e depois o mosto que estava arrancar a fermentação foi adicionado. Este vinho dá força ao nosso nome, No Rules” – conta Tiago Macena. Trata-se de um blend de diferentes castas brancas de um terroir em Santar.
O resultado é uma curiosa surpresa, um vinho onde a leveza e delicadeza transpiram entre exotismo. Primeiro estranha-se e depois entranha-se. Dos aromas florais, algo lenhosos e mentolados, especificidades das folhas de louro e nogueira durienses que se entranharam anteriormente na madeira, à frescura exótica na boca, será companheiro memorável nas noites de estio. Um vinho que é um fenómeno da natureza e que, por isso mesmo, assim podia ser batizado.
As caraterísticas da Infusão Subtil, em prova simultânea, simples reiteraram os aromas que sentimos no vinho, de aroma suave, fresco e canforados.  .
O team work entre Macena e Miguel Moreira (mentor da Infusões com História, marca que pretende eleger as melhores plantas e ervas aromáticas do território nacional em blends originais, com certificação biológica) visa “cruzar o mundo sensorial do álcool e não álcool”.
A prova, conduzida pelo escanção André Figuinha, seguiu com o Código Origem 2023 branco, um blend de Encruzado, Cercial e Malvasia testemunho do terroir granítico do Dão. De grande complexidade aromática, muita frescura, com notas de maçã, damasco e citrinos, acidez vibrante e bom volume de boca.
Lugar para degustar ainda a “Infusão floral”, mistura exclusiva de flores de funcho, sabugueiro e hiperição, com notória profusão floral muito equilibrada. A prova concluiu com o Código Solstício Tinto 2022 tinto, blend de Jaen e Tinta Pinheira, o chamado tinto de verão, ligeiro, muito frutado, leve e de taninos macios que abria o apetite para o jantar conduzido por Tiago Bonito, no restaurante Través, com vinhos da Adega Marel, projeto de Macena no Alentejo, mais concretamente na Amareleja.
Uma infusão púrpura preparou os palatos para a pré-entrada, uma mistura de foie, beterraba e Moscatel do Douro, seguindo-se lírio, mexilhão, jalapeño e lima com infusão vibrante e citrinos desidratados a casar com o Código Encruzado Dão 2022.
O cherne e arroz do Mondego, abraçou o Manolito branco 2021, fruto do projeto de Tiago Macena no Alentejo, da Adega Marel. Feito com as castas Antão Vaz e Diagalves, casou-se um lote fermentado em talha de vinhas velhas (Diagalves) com outro em técnica contemporânea de inox, de vinhas jovens. Aromas de marmelo, especiado e na boca revelando grande textura, untuoso.
Já o lombo de novilho, aipo fumado e espargos fez pairing com uma infusão balsâmica e com o Tonico tinto 2022, da casta Moreto, de aroma complexo, com destaque para o morango e cereja, algumas notas de fumo, com final longo de boca. Um vinho que, definitivamente, não se esquece.
Um bom momento para a sobremesa de morango, iogurte grego manjericão que casou com uma infusão subtil, de novo a destacar o mentolado refrescante do tomilho-bela luz.
Refira-se que o anfitrião do evento, o Hotel das Virtudes é produto de uma recuperação notável, com base numa casa medieval brasonada que remonta ao século XVI, depois de um processo cirúrgico de reabilitação modelar.
Projeto hoteleiro exemplar, une sobriedade, prazer e bom gosto, entre as obras de arte do portuense Vitor Espalda que povoam o espaço, com 71 quartos, onde uma tranquilidade cosmopolita convida a ficar.