Ricardo Diogo, o “enfant terrible” dos Vinhos Madeira

Fotografia: Daniel Luciano
Célia Lourenço

Célia Lourenço

A Barbeito foi fundada por Mário Barbeito, em 1946. O até então contabilista da Companhia Vinícola Madeirense iria mudar o rumo da vida da sua família com a decisão de produzir Vinho Madeira. Atualmente, é Ricardo Diogo, neto do fundador, o rosto destes vinhos, tendo sucedido a sua mãe, Manuela Vasconcelos.

 

Ricardo cresceu no meio dos vinhos da família, junto da qual também desenvolveu o gosto por livros. O avô Mário tinha uma biblioteca com mais de 25.000 volumes (que infelizmente se perdeu nas cheias de 2010), com exemplares desde o séc. XVII, na qual se incluía uma das mais importantes coleções da Europa sobre Cristóvão Colombo. Ricardo desde muito cedo ajudava o avô a arrumar e a catalogar a biblioteca. Talvez por isso, o curso que escolheu foi História. Recém-licenciado, deu aulas e, dois anos depois, começou a ajudar a sua mãe, na Barbeito. Estávamos no final da década de 1990 e, desde então, até hoje, a vida de Ricardo Diogo é o Vinho Madeira. Emociona-se quando nos diz isto e a autenticidade desta emoção desarma-nos. Para quem o conhece, a sua transparência desde sempre o caracterizou. Diz o que lhe vai na alma, questiona sem filtros. Uma atitude com riscos? Certamente. Mas que o leva a viver uma vida muito mais feliz. Diz-nos que nunca percebeu porque é que o Vinho Madeira tem que ter os estilos seco, meio-seco, meio-doce e doce, associados a uma determinada casta - Sercial, Verdelho, Boal e Malvasia, respetivamente. Investigou e não encontrou a razão. Por isso mesmo, lembrou-se de experimentar misturá-las e começar a fazer diferente numa cultura tão tradicional. Foi a partir do conhecimento profundo dos quatro estilos tradicionais, que Ricardo Diogo começou a pensar de outra forma. Como uma matriz a partir da qual se abrem inúmeras possibilidades, que vai explorando incessantemente.


A sua criatividade não parou por aqui. Começou a usar outras variedades de uva em vinhos especiais, como a Tinta Negra ou o Bastardo. A recuperação destas variedades esquecidas muito deve a Ricardo Diogo que nos conta, com uma ponta de orgulho, que os quatros primeiros vinhos com Tinta Negra no rótulo, na história do Vinho Madeira, foram seus. 
A Tinta Negra sempre foi usada para os vinhos de maior volume, associados naturalmente a vinhos menos considerados, de menor qualidade e critério. Mas Ricardo sempre teve, em casa, vinhos especiais de Tinta Negra, antigos, do seu avô. E começou a tentar perceber porque é que eram tão bons. Selecionou algumas vinhas e começou a olhar para essas uvas de outra forma. Quando achou que estava na altura, começou a fazer com a Tinta Negra exatamente o mesmo que se fazia com as castas brancas (para as quais Ricardo se recusa a chamar “nobres”). O processo de envelhecimento em “canteiro” revelou-se extraordinário e, como tal, começou a engarrafar os vinhos. No lançamento das novidades da Barbeito, a que assistimos em Outubro passado, o Single Harvest Tinta Negra 2007, do qual foram feitas 2.378 garrafas, é um exemplo. É um vinho para gostos educados, com um traço de austeridade bem marcado. No estilo, é meio-seco mas, como em todos os vinhos com a assinatura de Ricardo Diogo, o açúcar é o que menos o define. Neste, particularmente, o elemento vegetal, com algumas notas de engaço e a presença de taninos definem-lhe a personalidade.


Quanto ao Bastardo, diz-nos que tem sido um processo de aprendizagem fascinante e que tem ainda muito para aprender. Era uma variedade extinta na Madeira desde os anos 1970 e, em 2004, um dos viticultores com quem Ricardo trabalha começou a plantar. A primeira vindima foi em 2007 e, agora, com um stock de mais de 20.000 litros, a Barbeito já pode começar a concretizar projetos para estes vinhos. Ficámos a saber que esta é uma casta com um comportamento completamente diferente de todas as outras, com uma característica única no envelhecimento. A sua oxidação, processo fundamental nos Vinhos Madeira, é muito mais rápida. O que as outras variedades evoluem em dois ou três anos, seis ou sete no caso da Malvasia, o Bastardo tem o mesmo resultado em apenas um. E tudo isto fascina o nosso interlocutor. Os seus olhos brilham a pensar em tudo o que vai fazer com esta riqueza.

Vinho branco Barbeito?! 
Na crista da onda!


A Barbeito está a lançar o seu primeiro vinho tranquilo, o Verdelho DOP Madeirense Branco 2017. Momento histórico? Sem dúvida. Sempre ouvimos Ricardo Diogo afirmar que a Barbeito não faria vinhos tranquilos. Explica-nos que essa postura tinha a ver com o facto de não ter controlo total sobre as vinhas, já que a Barbeito compra as uvas a viticultores. Obviamente que são pessoas com uma ligação histórica à família Barbeito, há várias gerações algumas delas, que garantem a confiança, a qualidade e a forma de tratar as vinhas. Mas essas vinhas têm uma produção que se adapta ao Vinho Madeira. Para um branco tranquilo, Ricardo precisaria de mais concentração.
Há uns cinco anos surgiu a oportunidade de ficar com quatro vinhas de Verdelho, adultas, com cerca de 25/30 anos, na costa sul. Os donos iam emigrar e as vinhas seriam abandonadas - vinhas que Ricardo conhecia muito bem porque já comprava as uvas desde antes de 2000. 


O vinho branco que agora conhecemos, resulta de três anos de trabalho de viticultura e da preciosa colaboração de Nuno Duarte, o enólogo que se juntou à equipa da Barbeito precisamente na altura em que este projeto estava a tomar forma. As cepas que produziam cerca de 2.200kg, produzem agora 600g. A este Verdelho da Raposeira, juntou-se também algum do Seixal e de São Vicente, de vinhas de latada. O lote final tem, ainda, 4% de Sercial de uma vinha do Seixal com uma produção idêntica, 600g por cepa.


A quantidade ronda as 2.600 garrafas e procurou-se o mínimo de intervenção enológica. 30% do Verdelho passou 6 meses em barricas de 400 litros, de segundo uso. Como se esperava, é um vinho com força, cheio de personalidade, bem alicerçado na acidez e salinidade. A influência da madeira é tão precisa que não se sente. É cristalino e intencional. A fruta existe em fundo, não é evidente, nem lhe define a personalidade. É, sem dúvida, uma grande estreia.

O Embaixador e o Reitor: 
dois vinhos de contemplação


Ricardo não fez por menos e, além do branco, a Barbeito lançou seis Madeira de categorias especiais. Já falámos do Tinta Negra, a que se seguiram vários outros, de estilos e castas distintas, todos particulares e únicos. Verdadeiras hipérboles de acidez e sal num universo que sempre associamos à doçura, num paradoxo que define os vinhos de Ricardo Diogo. O que dizer de um vinho cujo estilo é “doce”, com 98g de açúcar, sobre o qual anotamos “boca sem grande doçura aparente”? - Malvasia 2002 Casco Único 132 A+D, 1.118 garrafas. Quanto ao Verdelho, é o segundo engarrafamento dedicado a um amigo da família, o Sr Manuel Eugénio Fernandes, fornecedor da Barbeito desde 1946. Este vinho, do qual o mercado apenas conhece 650 garrafas, é o resultado de um trabalho conjunto entre as duas famílias, já que foi feito pelo próprio Sr Manuel Eugénio. As uvas do Verdelho MEF Frasqueira 1994 têm origem em vinhas completamente expostas ao mar e isso sente-se. Há uma salinidade intensa que, associada a um certo mistério fumado, o tornam muito especial.


Foi lançado, também, um Malvasia 20 Anos (561 garrafas), um vinho que Ricardo Diogo faz desde 2004, com lotes que se traduzem numa notória consistência de estilo em todas as edições. É um vinho extremamente elegante, que se vai intensificando ao longo da prova e que apresenta um final de acidez incansável. Que persiste e não esmorece. Alguma coisa superior, inexplicável mesmo.
Para o final, estavam reservados o Barbeito Boal 40 Anos - Vinho do Embaixador, e o Barbeito Malvasia 40 Anos - Vinho do Reitor. Para o primeiro, a Barbeito homenageia Fernão Favilla Vieira, embaixador que levou o Vinho Madeira para todos os países onde viveu. A sua família esteve sempre ligada à produção, durante os séc. XIX e XX, tendo sido precisamente o vinho Favilla o primeiro Madeira premiado num concurso internacional. O brasão da família exibe um “manto real”, com autorização expressa do Rei D. Luís. É com esta família que a Barbeito tem o projeto “Ribeiro Real”. Já o segundo vinho, é uma homenagem ao Professor Ângelo Augusto da Silva, antigo reitor de liceu, com uma ligação forte ao Vinho Madeira, quer por ter sido o guardião dos vinhos da família da mulher, quer pelo impulso que deu à Tinta Negra.


A casta Boal, ao longo da vida de Ricardo Diogo, passou de preferida à que acha menos interessante por ser a que considera mais previsível. Por isso mesmo, fazer um 40 Anos desta variedade tornou-se mais desafiante. Nunca o tinha feito até agora. Ao lote, juntou 3% de um vinho do séc. XIX, que se encontra em garrafões de vidro e do qual não se sabe a casta. É um vinho extremamente seco, imbebível por si só, mas que é o tempero que fez crescer o lote de Boal. O Vinho do Embaixador, numa edição de 739 garrafas, é imenso e imprevisível, original e intenso, criando uma atmosfera de enorme elevação.


Já para o Vinho do Reitor, Ricardo escolheu diferentes Malvasias, algumas com mais de 80 anos, tendo conseguido um lote brilhante em todos os sentidos que podemos encontrar para a palavra. Trata-se também de um 40 Anos, numa quantidade de 717 garrafas de puro prazer e erudição. A humildade impõe alguma contenção perante obras de arte. É desnecessário continuar a referir a acidez altíssima, quase despropositada. A salinidade única. O equilíbrio da doçura. O virtuosismo de Ricardo Diogo está em cada um deles, num estilo muito claro. São explosões, como clarões de luz intensa.


Vinhos Barbeito
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