Um centenário a fervilhar de novas ideias

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

Uma empresa centenária não tem que ficar agarrada ao passado ou fechada sobre si própria. Pode interpretar a data como o fecho de um ciclo e o arranque de algo novo, que possa ser continuado por novas gerações. A Poças Júnior acaba de celebrar os primeiros 100 anos com uma série de pistas para um futuro que promete. Lançou novos vinhos e novas imagens, reforçou a aposta no enoturismo e garante que irá continuar no caminho que escolheu. Tudo em família… e em português.

 

TEXTO José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires

 

Quinta de Santa Bárbara, vale do Caêdo, sub-região do Cima Corgo. Zona muito fria no inverno e bastante quente no verão. A partir de uma vinha com cerca de 50 anos é obtido o Símbolo, o topo de gama tinto da Poças Júnior ou, como diria Maria Manuel Maia, responsável pela viticultura, “o nosso vinho de terroir”. De início a fim, tudo é meticuloso. As parcelas estão já devidamente identificadas, mas em vindima o controlo de maturações é diário e a separação de castas uma necessidade. A vinha já tem mais de meio século, as variedades ainda estão misturadas no plantio, embora apenas algumas verdadeiramente interessem para alcançar a concentração e o equilíbrio que é pretendido no Símbolo. “Vinhos harmoniosos entre potência e elegância, com estrutura mas que não sejam demasiado corpulentos”, prometia no final de 2014 o enólogo francês Hubert de Boüard.


Desde essa altura acentuou-se o desenho de uma nova fase na Poças. Tendo sido das primeiras empresas de Vinho do Porto a lançar-se nos DOC (o Coroa d´Ouro 1990, apresentado em 1992, inaugurou a aventurança), com a consultoria do enólogo e produtor do bordalês Château Angélus percebeu-se que a aposta seria ainda mais efetiva e de olhos postos no futuro, onde taninos portentosos e madeira vincada dariam lugar a equilíbrio e maior expressão do lugar da origem. “C’est ça q’ c’est bon”, disse Boüard a Maria Manuel, ao visitar pela primeira vez aqueles solos de xisto de Santa Bárbara que a empresa adquiriu no virar do milénio. Se de então para cá alguma coisa tem mudado, mais novidades surgirão em breve. Um vinho “laranja” (branco macerado nas massas durante toda a fermentação) e um vinho de talha estão prometidos para 2019, em edições limitadas de poucas centenas de garrafas e em nome da experimentação. “Temos interesse em criar vinhos que, apesar de uma dimensão pequena, possam expressar o que o ano possibilitou”, explica-nos Jorge Manuel Pintão, o diretor de enologia.


Haverá ainda um Vermute, estimado em cerca de 2.000 garrafas, que resgatará uma tradição da Poças, desta vez tendo por botânicos a flora das quintas detidas no Douro. Muito aromático, deve ser consumido bastante fresco, por exemplo como aperitivo. Ah, e falta mencionar a segunda edição do Quinado, 150 garrafas recentemente lançadas. Inicialmente criado na casa por Miguel Pinto Hespanhol, este Quinado combina um tawny velho de mais de 40 anos com quinina (uma substância natural – um pó branco, de sabor amargo e inodoro –, retirada de casca da planta medicinal quina – Cinchona Calisaya –, que era usada para fins terapêuticos no tratamento da malária, arritmias cardíacas e até problemas digestivos). Terão sido os jesuítas a trazer a quinina do Peru para a Península Ibérica. O Quinado da Poças “passou de geração em geração, é muito concentrado, muito xaroposo, bastante velho e resultou de uma mistura de extratos de quina e ervas aromáticas que maceraram em aguardente e depois terão sido juntas a Vinho do Porto”. O vinho tem envelhecido como um Porto Tawny, garante-nos Jorge Manuel Pintão. Tentamos a receita, mas sem sucesso…

Sair da zona de conforto

“O grande desafio das empresas familiares é criar estratégias para nos espicaçarmos e sairmos da nossa zona de conforto. Os novos vinhos representam essa busca constante pelo novo. Curioso é que muitas vezes o novo já está cá dentro. Por isso, a pretexto dos 100 anos tem havido um trabalho grande de pesquisa e chego à conclusão que nos conhecemos mal. A ligação que a família tem com a empresa depende muito do conhecimento que tem dela. Temos que nos conhecer melhor, conhecer melhor o nosso passado para pensar em vinhos como o Quinado, o Vermute ou o Poças 1918. Não queremos ficar presos ou viver disso, mas perspetivar o que podemos vir a ser”, acentua Pedro Pintão, diretor de marketing da Poças.
É saudável captarmos estes ventos de inconformismo. Aliás, a Poças Júnior obriga-nos a ser encarada de forma diferente, o que talvez ajude a explicar o porquê da longevidade num setor ainda tradicionalista como é o do Vinho Porto. A dimensão não é grande nem é pequena, sempre na mesma família, sempre em português... Temperança e convicção, muito provavelmente será esse o blend.


“As pessoas identificam os nossos vinhos com uma certa maneira de ser”, sublinha Acácio Maia, administrador financeiro da Poças, membro da terceira geração que tem guiado os vindouros pelos bastidores do setor e da empresa. Reconhece que a Poças Júnior continua a ser mais conhecida pelos Porto, apesar de a aposta efetiva nos DOC – que já representam 25% de um total de 1,6 milhões de garrafas anuais – esteja em franco crescimento. Percebemos isso aquando do nosso périplo pelo Douro. O maior cuidado e rigor com a viticultura é sobretudo a pensar nos DOC Douro e nas categorias especiais de Porto. A Poças está no Douro Superior, em Numão, com a Quinta de Vale de Cavalos (51 hectares plantados), no Cima Corgo com a Quinta de Santa Bárbara (33ha de vinha) e no Baixo Corgo, na Quinta das Quartas, onde aos 2,5ha de vinha junta-se o centro de vinificação.


Neste último caso, do lado operativo há que levar em conta um gigante armazém de envelhecimento de vinhos do Porto, com capacidade para 1,5 milhões de litros. O balseiro de maior capacidade consegue dar guarida a qualquer coisa como 88.738 litros. Preservando os DOC, num piso inferior foi recentemente criada uma nova área, devidamente climatizada, onde repousam os topos de gama e as novas experiências. Num outro espaço estão a ser reativados cinco lagares de granito tradicionais, que remontam a 1873. Na passada vindima já foram testados numa lagarada com convidados, que permitiu perceber o que há que afinar para a colheita de 2019. Por ali passarão alguns DOC e Portos Vintage, estando também programada uma vertente de enoturismo. Até 2020, a Quinta das Quartas reunirá as condições indispensáveis nos dias de hoje para receber visitas. Nas caves de Vila Nova de Gaia, os investimentos no enoturismo saíram do papel para a concretização. O Centro de Visitas, inaugurado em 2016, tem conhecido diferentes etapas e mostra hoje um circuito mais alargado de opções: tour pela sala de barricas, pela interessante oficina de tanoaria, loja e salas de prova privadas e para grupos, projetadas pelos arquitetos Lúcia Vaz Pato e António Mota. Um investimento de 800 mil euros, que a breve prazo se estima ser visitado por 40.000 pessoas/ano. 

“Um caminho muito nosso”

Uma foto de família alargada necessitaria de uma página dupla na Revista de Vinhos. Os laços geracionais desta família têm sido reforçados de pais para filhos e entre primos – os que gerem o negócio e os que não estando ali fisicamente também o sentem de modo especial. “Gosto que os meus filhos partilhem estes corredores, que me acompanhem ao Douro e às caves de Gaia. E sei que os meus primos fazem o mesmo com os filhos. Se um dia não chegarem a trabalhar cá pelo menos ficarão com uma ligação sentimental”, observa Pedro Pintão.


É cedo para começarmos a imaginar como serão os próximos 100 anos da Poças e o que fará de diferente a quinta geração. A quarta, com Maria Manuel, Jorge Manuel, Pedro e Paulo Pintão, continua a inspirar-se no passado para agarrar os desafios já identificados para o futuro. Nos DOC Douro conquistar novos mercados; nos Porto reforçar as categorias especiais. Na atualidade, os DOC dão cartas em mercados como o português, o canadiano e o norte-americano; nos Porto destacam-se a Dinamarca, Bélgica e Holanda. A família acredita que os vinhos tranquilos continuarão a galgar terreno e quotas de mercado em diversos lugares do mundo, antevendo que os fortificados passem a ser vendidos em menor volume mas a crescer nas categorias premium. Inovar e atender ao detalhe será por isso decisivo para prosseguir uma estratégia de crescimento paulatino mas seguro. Não por acaso, a atual montra de vinhos da Poças Júnior entra-nos também pelos olhos com imagens mais sofisticadas e packagings mais atrativos, parte dos quais pensados em Inglaterra pelo mesmo criador dos logótipos da Premier League e do Leeds United. “Nós escolhemos um caminho muito nosso”, acentua Pedro Pintão. E Manoel Domingues Poças Júnior, o fundador, certamente ergueria um cálice a essa forma de estar e sentir a empresa.


19
Poças 1918
Vinho do Porto / Tawny / Manoel D. Poças Júnior

Tons acastanhados, ouro velho de reflexo quase esverdeado, prende-nos desde logo a atenção. Profundo e muito complexo. Muita fruta passa, figo, pêssego seco, vegetal seco, tabaco e surpreendente frescura pela expressão a cítricos desidratados. O verniz e toque a ranço assomam em novas camadas. Envolvente e luxuriante na boca, dinâmico, revigorante e profundo. Final supercomplexo de exotismo, canela, nougat. Notável frescura!  MM
Consumo: 2019-2030
3.500,00 € / 14ºC

18
Poças Porto Vintage 2016
Vinho do Porto / Vintage / Poças Júnior

Rubi denso e impenetrável. Nariz muito fresco e primaveril com notas elegantes de amora, ameixa preta, chocolate, vapor de café, folha de tabaco e especiarias. A boca é sedosa, envolvente, gulosa, com taninos redondos mas firmes, num perfil de elegância em que sobressai a pujança da fruta e as notas especiadas. Um Vintage de estilo contemporâneo, domesticado e pronto a beber, mas que nem por isso deixará de crescer em garrafa nas próximas décadas. LC
Consumo: 2018-2045
65,00 € / 16ºC

18
Poças Símbolo 2015 
Douro / Tinto / Manoel D. Poças Júnior

Violeta de bela concentração, fruta intensa, bagas azuis, flores, esteva e herbal. Fundo de funcho e erva-doce, barrica de muita qualidade contribui nas especiarias elegantes, cedro e alcaçuz. Profundo e refinado. Encorpado e muito bem estruturado na boca, suculento mas dinâmico. Taninos largos, envolventes, firmes, a conferir vivacidade e certa tensão. Longo, muito longo, numa rara combinação entre potência e sofisticação. MM
Consumo: 2019 -2026
40,00 €

17,5
Poças Branco da Ribeira 2017
Douro / Branco / Poças Júnior

Amarelo com “nuances” esverdeadas. Aromas complexos a fruta tropical e de caroço, com preponderância do pêssego, também raspa de lima e ligeira baunilha. Uma inesperada – e interessante – nota química muito subtil a despontar. Na boca avulta – e sobressai – a persistência, o volume e uma acidez fabulosa, de grande recorte, com notas sofisticadas de frutos secos. Um vinho espesso, rigoroso, cheio de pormenores. LC
Consumo: 2018-2027
45,00 €/ 11ºC

17
Poças 10 Years Old White 
Vinho do Porto / Branco / Manoel D. Poças Júnior

Tom acobreado. Rico de aroma, complexo e fresco. Fruta cristalizada, alperce, tâmaras, mel, alusão floral, praliné e ligeiro nougat. Na boca é muito sedoso, vivacidade de sabor, repleto de fruta cristalizada e seca, doçura perfeita e equilibrada, num final de subtil baunilha e especiarias. MM
Consumo: 2019 – 2026
22,00 € / 11ºC

17
Poças Colheita 2008
Vinho do Porto / Tawny / Manoel D. Poças Júnior

Guarda ainda nuances avermelhadas, bordo do acastanhado para o cobre. Ainda se sente fruta vermelha de juventude subtil. Figo, tâmara, chocolate de leite, caramelo, elegante fumado, tabaco, cedro e madeira exótica. Muito aveludado na boca, requintado, balanço impecável entre doçura e frescura, final extenso, perfumado e sem dúvida apelativo. MM
Consumo: 2019 – 2025
19,00 € / 14ºC

17 
Poças LBV 2013 
Vinho do Porto / LBV / Manoel D. Poças Júnior

Cor granada densa, bordo avermelhado. Fruta preta madura, secundada pelas notas de chocolate, especiarias tostadas, alcaçuz e alusão a trufa negra. Muito sugestivo. Belo corpo na boca, fruta suculenta, taninos amplos, bem fundidos, alguma compota de amora e groselha preta, chocolate, pendor mais “seco” e vibrante. MM
Consumo: 2019 – 2025
15,00 € / 16ºC

17
Poças Reserva 2016 
Douro / Tinto / Manoel D. Poças Júnior

Rubi de tons violeta, aroma de fruta polida e sofisticada. Groselhas, mirtilos, perfil maduro mas vivo. Nuances florais, herbais, toque de alcaçuz, barrica elegante e tostado de cariz mineral. Na boca tem volume e textura com vivacidade da acidez, elegância e taninos polidos. Final muito refinado, definido, persistente, que mostra um Douro de carácter contemporâneo. MM
Consumo: 2019 – 2024
16,00 € / 16ºC

 

Poças Júnior
Rua Visconde das Devesas, 168, 
4401 – 337 V.N. Gaia 
T 223 203 257
E. visitors@pocas.pt  
Aberto diariamente, das 10h às 17h30, no inverno; até às 20h00 no verão. 
Entrada: 6,50€ (inclui prova de dois vinhos).