Um mergulho na Ístria

Fotografia: Fotos D.R.
Marc Barros

Marc Barros

Vinhos portugueses com bom desempenho na 30ª edição do Concours Mondial de Bruxelles, que teve lugar na Croácia.

 

Os vinhos portugueses obtiveram bons resultados gerais na última edição do Concurso Mundial de Bruxelas, que se realizou em Poreč, na península da Ístria, Croácia. Naquela que marcou precisamente a trigésima edição do Concours Mondial de Bruxelles, dos cerca de 900 vinhos nacionais que tomaram parte do concurso, mais de um terço foram premiados - no total, 337 medalhas para os vinhos portugueses.
Portugal arrecadou 10 Grandes Medalhas de Ouro, 154 medalhas de Ouro e 173 medalhas de Prata. Por outro lado, o vinho português considerado revelação nacional foi o tinto Vinha das Romãs 2020, produzido pela Ravasqueira, do Alentejo. Outro grande destaque para Portugal foi a revelação do facto de Casa Santos Lima ser empresa mais premiada no conjunto das 30 edições do concurso, com mais de 300 medalhas, sucedendo a outra empresa portuguesa, a Sogrape.
No total, a mais recente edição do CMB provou 7504 vinhos de todo o globo, provenientes das regiões e dos países clássicos do mundo do vinho, mas também de novos incumbentes, seja da Albânia, Cazaquistão ou Índia, ou ainda de países que rapidamente começam a ganhar peso (e reputação), como a China. O painel de provas foi constituído por especialistas oriundos de 45 países, sendo que menos de 30% das amostras provadas foram premiadas.
Outros dados veiculados pela organização do concurso dão conta de que o vinho biológico com a pontuação mais elevada veio de Espanha: Palmeri Navalta, do produtor Palmeri Sicilia. O vinho branco com maior pontuação no concurso deste ano foi o mexicano Cenzontle Blanco – produzido no Valle de Guadalupe. O tinto com a pontuação mais elevada é proveniente (pasme-se!) da Bulgária – Vineyards Selection Tenevo, lote de Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot produzido por Villa Yambol. Entre os clássicos, Bordéus foi a região mais representada e mais premiada do concurso, com 256 vinhos galardoados. De Espanha, a região de Aragão destacou-se, com 42% dos seus vinhos premiados.
A próxima edição do Concours Mondial de Bruxelles terá lugar de 7 a 9 de Junho de 2024 em Guanajuato, no México. Será a primeira vez que o CMB decorre no continente americano.

Entre o Adriático e os Alpes

Reconhecida, sobretudo, pela sua dimensão turística, a península da Ístria, banhada pelas cálidas águas do mar Adriático, possui uma rica história vínica, que remonta à presença romana (visível, por exemplo, no monumental anfiteatro de Pula). Segundo nos contou o sommelier Josip Oriskovic, responsável pela produção de vinhos Dvorac Belaj, a presença francesa nos tempos de Napoleão levou à introdução de cepas da casta Merlot oriundas de Bordéus, razão pela qual estas vinhas são, ainda hoje, conhecidas entre os viticultores locais, como Bordeaux.
A norte, a península confronta com os imponentes Alpes Julianos. O clima pode oscilar entre o mediterrânico e o continental, consoante a altitude do terreno, com verões quentes e invernos amenos, pelo que a ocorrência de geadas e episódios de neve ou granizo é rara. Porém, a pressão de doenças fúngicas é reduzida pelos ventos regulares. Os solos vermelhos, a sul e sudoeste, marcados pela elevada presença de ferro, de pouca retenção de água, são aptos para culturas como o omnipresente olival, para além, claro, da viticultura, com predominância para castas tintas. Estes contrastam com solos brancos a norte e nordeste, de perfil rochoso e, na zona central da península, a dita Ístria cinzenta, estes mais arenosos, caracterizados por oferecerem uvas com elevados teores de acidez natural, gerando vinhos frescos e elegantes.
Os cerca de 3.200 hectares de vinha disseminam-se entre o nível do mar e os 400 metros de altitude (como, por exemplo, na região de Montova). Para além das castas internacionais, a região é conhecida, sobretudo, pela tinta Teran (com enorme potencial para espumantização) e a Malvasia dita Istriana (Malvazija Istarska).
Esta última casta branca é a variedade bandeira da região, respondendo por cerca de dois terços da produção global da Ístria. Representa mais de 1.500 hectares da área local de vinha, cabendo à tinta Teran cerca de 250 hectares. Segundo dados recolhidos junto de vários produtores locais, a variedade branca de Malvasia é considerada autóctone, resultando de derivações de outra Malvasia mediterrânica, levada durante o período de domínio veneziano. Pode ser encontrada ainda na Eslovénia e partes da região de Friuli.
A casta presta-se a diferentes tipos de vinificação, podendo encontrar-se vinhos jovens e frescos, outros com fermentação e estágio em barrica, com maceração carbónica ou curtimenta, espumantes, vinhos tipo colheita tardia e até talha. No caso do uso de barrica, é frequente encontrar-se vinhos fermentados e/ou estagiados em madeira de acácia, dado que, segundo os mesmos produtores, marca menos o perfil aromático do vinho do que, por exemplo, a madeira de carvalho.
Já a casta Teran, que chegou a ocupar 80% dos mais de 40.000 hectares pré-filoxera da Ístria, igualmente autóctone, é sensível a escaldões, dada a película fina, mas também a botrytis. Por estas razões, mas igualmente pela sua acidez natural alta, bem como pelo elevado rendimento por hectare, presta-se sobremaneira à produção de espumantes, mais até do que, na nossa opinião, de tintos. Neste tipo, gera vinhos tânicos, especiados, que pedem tempo de estágio, um pouco à maneira da nossa Baga. Em espumantes, o resultado é francamente positivo, sobretudo quando a casta é plantada a maior altitude, como no caso da já referida zona de Montova.

Celtas, Mário Andretti e o marechal Tito

Aqui, com elevações entre 100 e 400 metros de altitude, distribuem-se 180 hectares de vinhas. O clima, entre o mediterrânico e o continental, oferece amplitudes térmicas substanciais entre dia e noite. Denota-se grande predominância de área florestal mediterrânica, dominada pelo carvalho.  
No caso da Teran, a casta, vindimada normalmente em meados de outubro, é sujeita a monda de cachos para reduzir produções e aumentar concentração. Para a elaboração de espumantes ‘blanc de noir’, as uvas são colhidas em setembro. Nos tintos, a casta Teran mostra bom volume, sobretudo quando em presença de madeira, um pouco acídulos e, quando jovens, um pouco mais difíceis. Os brancos de Malvasia, também eles um pouco acídulos, são, por regra, muito frescos e crocantes, em que a acidez chega a ser agreste.
Para além destas duas castas, em Montova podem ser encontradas outras variedades, desde logo Muskat (Muscat Blanc à Petits Grains) e Ulovila, a primeira usada para vinhos tranquilos e doces e a segunda para vinhos doces ao estilo pasito.
Da primeira casta, provamos um vinho doce Muskat com mais de 40 g. de açúcar e 6,5 g. de acidez, com pH 3,3. A fermentação é parada pelo frio, preservando a frescura da casta, num perfil pouco exuberante, delicado e floral. Um outro pasito, este de uvas Muskat e Ulovila plantadas a 400 metros altitude, foi elaborado após pacificação das uvas durante três meses, sem inoculação e paragem a frio. Permanece três meses em carvalho, sendo que o teor de álcool pode ir de 11 a 15 graus, dependendo dos anos. Outra curiosidade que nos foi dada a provar foi um branco de Pinot Sivi, a designação local de Pinot Gris, com boa estrutura e acidez mais amigável.
Esta região, montanhosa e fresca, é encimada pela cidade medieval de Motovun, ou Montona em italiano. De origem celta, ali podem ser encontrados vestígios da presença romana, bem como das várias famílias e países que, ao longo da história, dominaram a localidade. É conhecida dos amantes do automobilismo por ser a cidade natal do piloto Mário Andretti e do irmão, Aldo. Depois de, no final da Segunda Guerra Mundial, Motovun ter passado para a posse da Jugoslávia, a família Andretti, tal como muitos outros de origem italiana, emigrou.
É, aliás, uma parte importante do mundo pós II GM que podemos conhecer na ilha de Brijuni. Onde hoje se instalou um importante parque natural, foi nesta ilha, localizada num pequeno arquipélago ao largo de Fajana (Fazana), que o marechal Tito, ‘criador’ e líder da Jugoslávia, manteve residência oficial e onde recebeu grande parte dos líderes políticos desses anos. Foi em Brijuni que se assinou o famoso pacto dos não-alinhados, entre Tito, o egípcio Nasser e o indiano Nehru, juntando os países que não se reviam na lógica dos dois blocos antagonistas da Guerra Fria. Hoje com dois importantes museus, um de cariz histórico-político, e outro de âmbito naturalista, nesta ilha é possível encontrar ainda resquícios da paixão de Tito pelo mundo animal, vestígios de uma villa romana e um parque de natureza exuberante.