A minha vida em copos

É interessante constatar que as recentes mudanças drásticas quanto às tendências dos estilos de vinho têm sido igualmente marcantes nas preferências dos copos de vinho.

 

Fui criada numa casa onde o vinho era uma bebida muito exótica. A palavra vinho, se fosse alguma vez mencionada, deveria ter aspas bem audíveis, tão desacostumados estávamos com bebidas alcoólicas que não fossem cerveja, destilados ou Jerez. Tínhamos alguns decantadores antigos, mas eram puramente ornamentais na nossa sala de jantar raramente usada. Escondidos na parte de trás de um armário, ao lado de serviços de chá muito antigos e bonitos demais para usar, estavam três ou quatro copos Paris, aquelas esferas parciais sobre um pé. Eles migraram para o armário principal da cozinha assim que cheguei à universidade e comecei a interessar-me pelo maravilhoso mundo do sumo de uva fermentado. 
Estes copos Paris - na realidade qualquer coisa com um pé -, pareciam-me bastante bons nos primeiros anos da minha vida como apreciadora de vinho. Mas quando comecei a ler sobre vinhos, em meados da década de 1970, aprendi que, para degustar vinho corretamente, precisava de um copo ISO, em forma de tulipa, sobre um pé pequeno e grosso, que foi projetado pela International Standards Organization, tendo como mentor ninguém menos do que Michael Broadbent MW, chefe do departamento de vinhos da Christie's e autor do clássico guia de degustação de vinhos.


É interessante constatar que as recentes mudanças drásticas quanto às tendências dos estilos de vinho têm sido igualmente marcantes nas preferências dos copos de vinho. Os copos Reidel, alguns dos quais específicos para determinados tipos de vinho, eram a moda do final do século XX. O copo seguinte que surpreendeu os amantes de vinho foi o Zalto (o escritor de vinhos alemão Stuart Pigott apresentou-mos em 2010). Este design particularmente angular que aparece em versões diferentes, das quais o Universal é o mais popular, ofereceu aos apreciadores de vinho a sensação de beber vinho a partir de um vidro fino e leve. Adorei. O vidro era tão fino e o todo tão leve que parecia sublimar toda a experiência de beber vinho. Estava satisfeita com os meus Zalto Universals, especialmente porque eram vendidos como sendo à prova de lavagem na máquina, embora os pés, em particular, fossem bastante frágeis e parti mais copos do que gostaria. A minha prateleira de copos estava a ficar bastante reduzida quando, em julho de 2017, fui abordado por um jovem designer.


Richard Brendon criou nome com a recuperação e revitalização do negócio de porcelanas que fez a fama da região de Stoke-on-Trent. A partir daí, direcionou-se para os igualmente lindíssimos copos de whisky e agora, disse-me, queria desenhar copos de vinho, mas percebeu que precisava de ajuda especializada. Brendon referiu que o design do copo de vinho deve ser orientado para a funcionalidade. 
Assim, apareceu à minha porta, propondo uma colaboração para desenhar uma gama de copos. Quando lhe expliquei que queria criar um único copo para todos os vinhos – fossem brancos ou tintos, tranquilos ou espumantes, generosos ou não -, agarrou o desafio pela barba. Ao longo da minha carreira, tenho estado do lado do pragmatismo. Embora admire a filosofia da Riedel e o enorme sucesso comercial da família, não considero que seja prático, nos lares modernos, manter uma bateria de copos diferentes, especialmente quando a experiência que resulta do seu uso não é melhor do que qualquer outra coisa. E, como alguém que no passado costumava receber amostras de vários novos copos Riedel, não sei como alguém cujo sobrenome não é Riedel consegue identificá-los a todos. Dizem que o restaurante Enoteca Pinchiorri, em Florença, tem a coleção mais extensa de Riedel do mundo. Devem ter um espaço de armazenamento invejável.

Beleza versátil

Nunca percebi a convenção de usar copos mais pequenos para brancos do que para tintos. O aroma de muitos brancos precisa de perscrutar o vidro tanto como os tintos - e eu, com toda a certeza, não quero mais beber menos vinho branco do tinto. Além disso, ao longo dos últimos anos, apercebo-me que os produtores de Champagne que admiro, como Richard Geoffroy, Olivier Krug e Jean-Baptiste Lécaillon, querem que os seus vinhos sejam apreciados não em flutes altas e estreitas, que podem ser difíceis para o 'nariz', mas em copos de vinho normais, que possam mostrar todas as nuances destes vinhos. O mesmo se aplica aos vinhos fortificados. Jesús Barquín, o génio por trás dos Jerez Equipo Navazos, insiste há anos na utilização de copos de vinho para os seus generosos. O meu colega Master of Wine e editor da Drinks Business, Patrick Schmitt, contou-me como havia persuadido os pais a beber Vinho do Porto num copo de vinho comum e como ficaram maravilhados. “Tem muito mais sabor!”, espantaram-se.
Portanto, o meu copo de vinho é tão fino como um Zalto e, claro, soprado por artesãos - que tiveram de aprender como atingir esse nível de delicadeza. Mas o pé é deliberadamente deixado razoavelmente robusto e o copo não é muito alto para caber facilmente na maioria das máquinas de lavar louça. Nick e eu temos colocado protótipos do meu copo de vinho na máquina de lavar louça diariamente e ainda não tivemos baixas. Saem do lava-louças como novos. Esquissei a minha forma ideal - uma tulipa gigante e inchada, poder-se-ia dizer, um pouco mais clássica que um Zalto - permitindo superfície máxima e enchimento de 125ml, um sexto de garrafa, generoso mas não demais. (Estou aliás a fazer uma campanha discreta contra o enchimento de 175ml, hoje muito comum em bares e restaurantes no Reino Unido, mas isso é outra história.) Richard refinou o design ao longo de vários protótipos que testei, com todos os tipos de vinhos, até chegarmos à – na minha opinião - beleza versátil que é o resultado final.


Chegamos depois a dois decantadores cujo design reflete perfeitamente a forma do copo de vinho. O decantador alto e estreito, com tampa de vidro, para vinhos delicados que possam sofrer com demasiado arejamento. Depois de verter o vinho, decido se coloco ou não a tampa. O decantador de vinhos jovens é o meu favorito para arejar vinhos jovens e fortes. Escusado será dizer que ambos os decantadores são destinados tanto a vinhos tintos e brancos - muitos brancos da Borgonha precisam de decantação – e o decanter de vinhos jovens funciona igualmente bem para as magnums. Agora que fizemos todo o trabalho preparatório, devo dizer que estou imensamente satisfeita com o resultado. Ainda não encontrei um vinho que seja desconfortável neste formato de copo, projetado para acomodar o mais comprido dos narizes e, pela altura do pé, a maior das mãos. E o facto de o vidro ser tão leve e fino oferece puro prazer a amantes de vinho como eu.

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