Acredito que hoje e no futuro, a “síntese” se dê em vinhos produzidos com respeito pelo meio ambiente e pelo património cultural, que sejam capazes de se integrar na gastronomia atual, que utilizem o que de melhor a tecnologia tem, mas respeitando as práticas passadas e o que foi aprendido durante séculos.
É curioso como, ao longo dos anos, assistimos na moda do vestuário a uma tendência de uso de calças largas, seguido de um período em que a moda dita as calças justas, para mais tarde se retomar o antigo uso de calças largas. O mesmo se passa com o comprimento das saias ou a largura dos casacos. Quem já viveu tempo suficiente, provavelmente olha para fotografias antigas e pensa: “Como é que já pude ter vestido isto?”. Será que no vinho também não andaremos neste balanço entre modas, sendo afinal o nosso gosto, que defendemos tão acerrimamente, afetado pelo zeitgeist (espírito do tempo)? É atribuída a Hegel a “periodização da história”, em que a um acontecimento (forma de governo, forma de estar) tese opõe-se uma antítese e, posteriormente, encontra-se um equilíbrio numa síntese. De alguma forma, a sua dialética pode ser aplicada a todas as áreas, mesmo aos vinhos.
A tese: a última década e meia do século passado e a entrada do século XXI foram dominadas por vinhos alcoólicos e altamente extraídos. Umas bombas! Eram estes vinhos que obtinham as melhores classificações nos concursos e pontuações nas revistas da especialidade. O gosto era chamado “parkerizado”, pela influência que o famoso crítico Robert Parker tinha tido na sua implantação. Os vinhos provinham, essencialmente, de castas internacionais como a Cabernet Sauvignon, Syrah / Shiraz ou Chardonnay e, por norma, estagiavam em madeira nova.
Surgiu então, há quase 20 anos, um movimento de contestação contra a falta de identidade dos vinhos por utilização das mesmas castas, as mesmas técnicas de viticultura, de enologia (temperaturas de fermentação controladas, leveduras selecionadas, mico oxigenação, entre outras) e utilização de barricas de 225 litros de carvalho francês novo. É a época da procura do ABC (Anything but Chardonnay) e em que, nas revistas da especialidade, proliferava “the next big thing”, onde se somavam descobertas e elogios a castas ou regiões que até ao momento eram pouco conhecidas. O consumidor especialista, da mesma forma como elogiava os vinhos com madeira durante o período da “tese”, durante este período de transição para a “antítese”, queria qualquer coisa que fosse desconhecida e que o surpreendesse. Por vezes, também para ser o primeiro a falar desta nova descoberta aos amigos! Estas duas tendências ainda mantêm-se, de um modo saudável; a procura do que é diferente e do que pode dar prazer.
As revistas continuam. de uma forma mais sábia, nesta busca incessante. Ocasionalmente, aproveitando períodos específicos do ano, como o início do ano, em que, a título de exemplo em janeiro deste ano, o Doctor Wine (by Daniele Cernilli) faz uma previsão de quais serão as próximas regiões vitivinícolas italianas a atrair a atenção internacional. A sua intuição diz-lhe que será o norte de Piemonte, Romagna, Sardenha e Campania. Contudo, acrescentaria eu e como diz o outro, “prognósticos só no fim do jogo”! Surge então a “anti-tese” (da tese): vinhos discretos, ligeiros, assentes gustativamente na acidez e a maior parte deles feitos de lotes de várias castas regionais, em contraponto aos potentes monocastas internacionais dominantes durante a “tese”. Este movimento de viticultura e de enologia tenta regressar às origens e às práticas ancestrais, tendo uma maior preocupação com o meio ambiente. Produz os seus vinhos recorrendo à utilização de leveduras indígenas, redução ou não utilização de produtos enológicos (incluindo o dióxido de enxofre) e sem estágio em madeira ou, caso isso ocorra, em madeira usada, e de preferência de grandes dimensões, para não marcar muito o vinho.
Muitos, como Nicolas Joly e Josko Gravner, seguem total ou parcialmente as práticas biodinâmicas preconizadas por Rudolf Steiner. Obviamente que, antecedente a este período, já existia quem seguisse estas práticas, mas não era um grupo representativo ou dominante como é o atual.
Vai uma longa distância entre os vinhos da “antítese” e os da “tese”! Podem ser encontradas várias justificações para quem aprecia vinhos há mais de 20 anos deixar de venerar as bombas “parquerizadas” e passar a apreciar os vinhos da “nova vaga”, elegantes e discretos. Isso acontece-me. Acredito que não seja o único e que suceda também com a maioria dos outros apreciadores mesmo que alguns, aparentemente, já se tenham “esquecido” disso.
Entendo que existem dois argumentos primordiais para esse comportamento ocorrer. O primeiro é a necessidade cíclica de procurarmos novidades e de nos cansarmos do que se torna rotineiro e acessível (de notar que até meados ou fins da década de 80 do século XX, os vinhos tinham cerca de 12,5% de álcool, pelo que os vinhos que surgem posteriormente, podem ser considerados uma “antítese” da “tese” prevalecente até à data). O segundo argumento é a evolução que a gastronomia teve nos últimos 25 anos, em que cada prato se tornou mais completo e complexo, contendo todos os elementos necessários para o seu equilíbrio, como acidez, doçura, untuosidade, crocância, entre outros, não deixando espaço para o vinho. Para o conseguir “encaixar” na refeição, é com maior frequência necessário que este seja discreto e não se sobreponha aos elementos do prato, ao contrário do que acontecia anterior e tradicionalmente, em que o vinho era um complemento do prato.
Existe ainda um fator do zeitgeist, o aquecimento global e as consequências causadas pela produção e transporte dos vinhos. Este levou a uma ponderação por parte dos enólogos sobre as opções a serem tomadas na vinha, adega, embalagem e transporte do vinho e, por parte do consumidor, a uma consciencialização de opção por produtos mais ecológicos. Acredito que hoje e no futuro, a “síntese” se dê em vinhos produzidos com respeito pelo meio ambiente e pelo património cultural, que sejam capazes de se integrar na gastronomia atual, que utilizem o que de melhor a tecnologia tem, mas respeitando as práticas passadas e o que foi aprendido durante séculos. Se estes vinhos são encorpados e potentes ou ligeiros e elegantes, isso dependerá das modas e da “periodização da história”, como diria Hegel!