A reinvenção de Espanha

Espanha atravessa uma fase dinâmica e emocionante e é nas regiões menos conhecidas que muito deste progresso está a ser feito.

 

No arranque de cada ano, tenho por hábito analisar todas as notas que escrevi sobre os vinhos que provei nos últimos 365 dias, para destacar alguns. E, este ano, fui surpreendido pela quantidade de vinhos oriundos de Espanha.
Quando comecei a dedicar-me aos vinhos, a Espanha não era o país mais interessante. Os vinhos mais famosos eram os tintos de Rioja e Ribera del Duero estagiados em carvalho. Ambas as regiões foram histórias de sucesso comercial. O público parecia gostar muito dos vinhos e, especialmente no caso de Rioja, ofereciam também uma ótima relação custo-benefício. O problema era que Espanha parecia ter um caso de amor com pequenas barricas de carvalho, a tal ponto que a maioria dos vinhos sabiam mais ao processo de vinificação - em particular, o envelhecimento prolongado em barrica, muitas vezes com o carvalho americano a contribuir com notas evidentes de coco e baunilha - do que às vinhas. É ótimo para os consumidores, claro, poderem comprar Gran Reservas maduros e suaves no supermercado por preços relativamente baixos, mas parecia haver uma falta de diversidade estilística e muita impressão de vinificação. 


Em outras partes de Espanha, os vinhos tendiam a ser tintos de clima quente envelhecidos em madeira, mas ressaltavam alguns brancos das Rias Baixas e Rueda e, é claro, o Jerez, que ainda estava nas mãos de grandes empresas, muitas vezes produzindo bons mas, raramente, grandes vinhos. Cava, por sua vez, estava na época em crise.


As coisas mudaram muito. Agora, Espanha é um dos países mais dinâmicos e emocionantes. Sim, Rioja ainda tem as suas adegas-fábrica, e Ribera del Duero está a lutar contra o vício do carvalho e da extração, mas em ambas as regiões há muitos produtores que estão a libertar-se das fórmulas do passado e a trazer a viticultura de regresso à linha da frente. Mas é nas regiões menos conhecidas que muito deste progresso foi feito.

Novos exemplos

Veja-se o exemplo das ilhas Canárias. Quatro produtores merecem destaque. Primeiro, em Tenerife. Aqui, Jonatan Garcia está a produzir vinhos sérios, contidos e elegantes de vinhas situadas em Oratava, no norte, sob o nome de Suertes del Marques. São vinhos marcantes e com verdadeira tensão, feitos a partir de castas locais. Também em Tenerife temos a Envinate, que opera ainda na Ribera Sacra. Os vinhos também são surpreendentemente elegantes, com uma tensão adorável. De seguida, em Lanzarote, um novo projeto empolgante é o Puro Rofe, que teve a primeira colheita em 2017. O enólogo, Carmelo Peña, trabalhou alguns anos com Dirk Niepoort e partilha uma sensibilidade estética semelhante ao seu mentor. São vinhos muito puros e finos. E, na Gran Canaria, acaba de ser lançada a colheita de estreia das Bodegas Tamerán. É a adega do ex-jogador do Manchester City David Silva e os vinhos são elaborados por Jonatan Garcia, do Suertes del Marques. Os primeiros lançamentos são cinco brancos, cada um de uma única variedade local, e são muito bons.


E quanto à Bobal? Casta que era mal vista mas, nas mãos certas, de vinhas bem cultivadas, é capaz de fazer vinhos tintos muito bons. É a terceira uva mais plantada em Espanha, é resistente à seca e mantém a acidez. Por que não se faz mais com isso, além do vinho barato ou a granel? Juan Antonio Ponce dá alguns exemplos brilhantes da Manchuela, mas outros também estão a produzir coisas boas com esta uva.
Já mencionei a Ribera Sacra, onde as vinhas espectaculares estão a produzir vinhos impressionantemente elegantes e expressivos de nomes como Envinate, Fedellos de Couto e Raul Perez. Em outras partes das Rías Baixas, a revolução do Albariño continua e, para mim, a estrela é Eulogio Pomares, das Bodegas Zarate, que conduz igualmente um projeto em nome próprio onde, além dos Albariños deslumbrantes, elabora igualmente um tinto notável de Caiño Tinto.
Um produtor que realmente me impressionou abrange tanto Priorat como a vizinha Montsant. A equipa de Dominic Huber e Tatjana Peceric cria o Terroir al Límit em Priorat e o Terroir Sense Fronteres em Montsant. Ambos são produtores brilhantes e a jornada pelos quais passaram é interessante, desde que Dominic uniu forças com o sul-africano Eben Sadie para iniciar o Terroir al Limit. Visando a elegância desde o início, esta jornada levou-os a abandonar os caros foudres Stockinger e substituir tudo por cimento. Não há madeira em nenhuma das adegas e, com vindimas precoces e baixa extração, o resultado são vinhos impressionantes de verdadeira tensão e foco.


Tenho de mencionar ainda a revolução do Jerez. A expansão da região na década de 1970, quando o Jerez era comercialmente muito importante, levou a um enfoque no processo de produção e nas ‘bodegas’ tipo fábrica em Jerez. A narrativa revelou que a Palomino era uma variedade neutra e, com novos clones de alta produção, os vinhos base eram relativamente baixos em álcool. Mas, nos últimos anos, alguns viticultores da região decidiram voltar atrás no tempo, quando as vinhas eram parte importante da história do Jerez. A importância do ‘pago’, dos diferentes tipos de ‘albarizo’ e até de elaborar Jerez envelhecidos biologicamente sem fortificação fazem parte dessa nova história. Alguns vinhos muito interessantes estão a surgir, de nomes como Willy Perez, Ramiro Ibáñez (Cota 45) e Muchada-Léclapart. O país do Jerez está a recuperar o seu ‘mojo’.
E Cava, com a descendência Corpinnat, mostra sinais de fugir à sina dos preços baixos. Tenho provado alguns exemplares muito interessantes este ano, de nomes como Gramona, Recaredo, Juve y Camps, Parés Baltà e Agustí Torelló.


Esta não é uma lista exaustiva de tudo o que considero mais interessante no panorama espanhol dos vinhos do ano passado, mas é um instantâneo do que é um país realmente dinâmico, caso sejamos capazes de procurar abaixo da superfície.
 

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