A revolução da embalagem de vidro

Quando comecei a trabalhar na indústria do vinho, estavam a ser plantadas as sementes de uma grande revolução na história do vinho. Na vinha? Não. No próprio líquido na garrafa? Também não. As mudanças giravam em torno dos vedantes. Insatisfeitos com a qualidade inconsistente da cortiça, os produtores de Clare Valley, na Austrália, engarrafaram coletivamente os seus aclamados Rieslings de 2000 com cápsula de rosca.


A Oddbins era um dissidente entre os comerciantes de vinho mas, no início, até mesmo os meus clientes recusaram o modelo. Jeff Grosset, o rei do Riesling de Clare Valley, teve uma resposta divertida a um romântico que se proclamava casado com o ritual de abrir a rolha de uma garrafa - “Se essa é sua ideia de romance, acho melhor sair mais de casa!” Hoje, as cápsulas de rosca representam cerca de 32% do mercado global de vedantes. Sem surpresa, sendo o principal produtor de cortiça (e dados os novos e melhorados métodos de fabricação), a cortiça continua a ser o vedante preferido de Portugal. No entanto, os patriotas (e os românticos obstinados) podem ter que se preparar para a próxima revolução referente ao acondicionamento do vinho – as alternativas às garrafas de vidro.

E se o leitor considera que estou a dizer disparates, deixe-me relembrá-lo para a velocidade e a amplitude da revolução da cápsula de rosca. Embora as latas de alumínio, as garrafas de plástico PET e o bag-in-box (BIB) já existam há algum tempo, sente-se um novo ímpeto por trás destes. Consigo vislumbrar não apenas um aumento nas vendas, mas também na variedade e na qualidade do vinho vendido em formatos alternativos. Entre os novos lançamentos contam-se o primeiro vinho rosé AOC Côtes de Provence biológico certificado em lata, tal como um Merlot sul africano, envelhecido 24 meses em barricas de carvalho francês.

Tal como as cápsulas de rosca, que antes estavam indelevelmente ligadas a vinhos baratos, as latas, bag-in-box e garrafas PET reinventaram-se. O seu apelo, diria mesmo a sua ‘coolness’, repousa principalmente no facto de ser leve, o que traz benefícios ambientais (e económicos) substanciais. Num recente debate sobre o clima apresentado pela The Porto Protocol Foundation, Marta Mendonça descreveu a embalagem sustentável como ‘o elefante na sala’, porque “a garrafa e o transporte [de vidro pesado] são os dois maiores contribuidores para a pegada de carbono na cadeia de valor do vinho, mas também são o aspeto em que os produtores estão a focar-se menos”.

As linhas desta batalha foram traçadas durante um animado debate entre Tiago Moreira da Silva, Diretor Geral da BA Glass Iberia e Santiago Navarro, fundador e CEO da Garçon Wines, que produziu uma garrafa de vinho em plástico, feita com PET 100% reciclado. Com a produção mais eficiente em termos de energia, pesando 87% menos do que uma garrafa de vidro média (500 gr.), o seu mérito adicional reside no formato ergonómico da garrafa. De acordo com a Garçon Wines, a inovadora garrafa PET plana permite acondicionar até 2,5 vezes mais o volume de vinho numa palete em comparação com as garrafas de vidro redondas e cónicas (no gargalo e ombros). Para os consumidores, é mais fácil transportar e armazenar, dobrando a capacidade de vinho no frigorífico. Mas e quanto à integridade do vinho engarrafado em PET? A pesquisa em curso sobre a contaminação por microplásticos não foi discutida mas, explicando que o PET de grau alimentício é um polímero inerte, Navarro afirma que não reage com o vinho, nem altera o seu sabor. O facto de ser apenas uma barreira moderada ao oxigénio é, como Navarro admitiu, o calcanhar de Aquiles do PET. Os vinhos engarrafados em PET têm uma vida útil de 12 a 18 meses.


Vidro, PET, alumínio ou aço?

O vidro pode ser o único meio comprovado para o envelhecimento de vinhos a longo prazo, mas isso não é razão para descansar sobre os louros (especialmente considerando que a pesquisa para melhorar a barreira de oxigénio do PET está a evoluir). Para Moreira da Silva, “a inovação de longe mais disruptiva” é uma colaboração de toda a indústria europeia para construir o primeiro forno elétrico híbrido de grande escala. Previsto para entrar em operação em 2022, funcionará em 80% com energia renovável e usará elevadas taxas de vidro reciclado, reduzindo as emissões e o consumo de energia. Enquanto isso, a produção de garrafas mais leves (a mais leve de 340 gr.) ajudou a reduzir a pegada de carbono e o custo de transporte. Embora não exista barreira tecnológica para que possa ser ainda mais leve (num fator de 20 a 30%, segundo Moreira da Silva), a resistência percebida dos consumidores de vinhos de prestígio tem sido um obstáculo. Porém, as alegações de leveza no Crimson Wine Group nunca resultaram em quebra de vendas, pelo que outro interveniente, Nicolas Quillé, sugeriu que é um “mito urbano” que os compradores ‘evoluídos’ valorizem uma garrafa pesada. Numa mensagem dura para os produtores, argumentou que usar vidro pesado apenas para vender um produto “é como poluir um curso de água ou usar trabalho infantil - é antiético”.

O debate (acessível no canal do YouTube da The Porto Protocol Foundation) é uma achega útil para reconsiderar a embalagem de vinho – seja para fabricantes de embalagens, produtores, comércio e consumidores. Afinal, a maior parte do vinho é consumido num prazo de 12 a 18 meses, não é guardado na garrafeira. O vidro é realmente necessário? E se for necessário, o vinho pode ser transportado a granel e engarrafado no ponto de destino, reduzindo substancialmente a sua pegada de carbono? Por exemplo, com a sua própria unidade de engarrafamento e ‘kegging’ (barris de aço de 25 litros usados entre nós sobretudo para cervejas), em Londres, a Borough Wines envia a granel e oferece um serviço de recarga, para vinhos vendidos em garrafa, em Vinotap, (bag-in-box de 10 litros em aço inoxidável) e em ‘kegs’.

Na minha vizinhança, a Weino BIB, uma ‘wine shop’ e bar de vinhos naturais, é também especializada em ‘wine-on-tap’ (formato semelhante às cervejas e vinhos de pressão). Faz todo o sentido na sua gama, que pretende ser sustentável, mas também porque a maioria dos vinhos naturais são elaborados para beber cedo. Os clientes podem comprar uma garrafa de vidro servida de um BIB de três ou cinco litros ou em grandes barris de aço inoxidável e, sem reciclar, devolver a garrafa vazia para recargas. Ou podem comprar vinhos em BIB (incluindo os excelentes brancos e tintos bio da Quinta do Montalto) ou ‘bagnums’ (sacos de tamanho magnum da Le Grappin, feitas de polietileno e alumínio). Contraem à medida que se esvaziam para evitar o contato com o oxigénio e, uma vez abertas, têm um desempenho muito melhor do que as garrafas, mantendo os vinhos frescos por semanas.

Quanto aos vinhos para o mercado de massas, Navarro prevê que, quando a geração de Greta Thunberg atingir a maioridade, “não beberão a partir de garrafas de vidro”. Não haja dúvidas, o embalamento de vinho está a atravessar uma revolução. Fique atento a este (inovador) segmento.

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