A Wine Detective investiga o Vinho Verde Premium

Conhecida pelos seus “vinhos jovens”, a região do Vinho Verde pode muito bem significar, em alguns aspetos, juventude. Dinâmica e em evolução, provou ser capaz de produzir com sucesso vinhos de marca quotidiana – mas também premium.


Tendo experimentado um curto período de ‘stay-cation’ – férias em casa -, degustar produtos locais mostrou-se infinitamente mais prazenteiro graças à emergência, no Reino Unido, de lojas de quinta. Depois, ao passar uns dias em Devon, entreguei-me ao meu amor por queijos britânicos, com os Cheddars produzidos pela família Quicke a partir de leite de vacas de pasto e queijos de cabra Sharpham Ticklemore que, fieis ao nome, fazem mais cócegas às papilas gustativas do que o comum queijo de cabra mole.

Pode ser surpreendente descobrir que a Grã-Bretanha tem mais de 750 queijos diferentes porque, durante muitos anos, uma tábua de queijos britânica era tudo menos inspiradora. Impedidos pela forte regulamentação da indústria do leite até à década de 1990, os agricultores obtiveram pouco ou nenhum retorno da produção de queijos artesanais premium. Em vez disso, os métodos de produção padronizados impostos durante a Segunda Guerra Mundial até 1954 (quando o racionamento terminou) consolidaram-se.

O espetro do tempo de guerra do chamado “Government Cheddar” paira sobre os supermercados ainda hoje. As prateleiras estão cheias de marcas de queijo cheddar barato e industrial. Mas, cada vez mais, os queijos britânicos artesanais enchem os balcões de mercearia fina dos supermercados e, de maneira emocionante, usurpam o espaço dos seus congéneres franceses em restaurantes de alta gastronomia.

Enquanto saboreava o Quicke’s Cheddar e o Ticklemore, pensei no paralelismo com o Vinho Verde, depois de ter provado, recentemente, mais de 100 exemplares de vinhos premium de quinta e de microprodutores. Neste século, a categoria cresceu rapidamente, expandindo os horizontes vínicos da região muito além do popular, embora simples, modelo clássico de piscina – lotes de vinhos brancos, sem ano de colheita, com baixo teor de álcool, frescos, com ‘agulha’ e um toque de açúcar residual.

E digo ‘clássico’ mas, tal como os cheddar de supermercado, os vinhos de piscina são relativamente novos. Até à década de 1970, o Vinho Verde era predominantemente tinto, duro e rústico. Principalmente para consumo doméstico ou trabalhadores agrícolas, os melhores tintos eram vendidos às grandes empresas negociantes ou cooperativas, que lutavam contra a alta acidez málica. Levaram a Casa Ferreirinha a chamar Émile Peynaud, renomado professor da Universidade de Enologia de Bordéus. No final dos anos 1940, conta João Nicolau de Almeida, o seu pai, Fernando Nicolau de Almeida, aproveitou para mostrar a Peynaud os seus vinhos tintos experimentais do Douro. Não são atribuídos prémios por adivinhar em quais Peynaud aconselhou Nicolau de Almeida a concentrar-se: 1952 viu o lançamento do primeiro Barca Velha.

Um longo caminho

O ‘know-how’ francês contribuiu, no entanto, para a ascensão dos Vinhos Verdes brancos. Em 1939, a família Guedes da Quinta da Aveleda contratou o enólogo francês Eugène Hélisse, cujas melhorias enológicas deram origem ao Casal Garcia, a marca mais vendida do Vinho Verde. Eminentes especialistas em vinhos brancos de Bordéus, Denis Dubourdieu e Valérie Lavigne continuaram as melhorias tecnológicas, contribuindo para o sucesso dos vinhos da Quinta da Aveleda, feitos a partir de vinhas em modernos sistemas de condução, em detrimento das antigas vinhas em ramada ou enforcado.

Este modelo moderno deu origem a brancos mais frutados, com ano de colheita. Menos dependentes do açúcar residual ou do gás carbónico para obter equilíbrio, se bem que um pouco ‘limpos demais’ para paladares mais exigentes, este estilo contemporâneo de Vinho Verde tornou-se popular no Reino Unido. Este ano, um exemplar da marca de uma conhecida cadeia de supermercado fez até uma curta aparição especial no ‘Coronation Street’, a telenovela mais antiga da Grã-Bretanha.

Mais ambicioso ainda, tal como o queijo britânico artesanal, o Vinho Verde de topo mostra a diversidade da maior região de Portugal. No Reino Unido, a Quinta de Soalheiro, Anselmo Mendes, a Quinta do Ameal e, mais recentemente, o pioneiro da biodinâmica, Aphros, trilharam novos caminhos com vinhos monovarietais de diferentes sub-regiões - Alvarinho de Monção e Melgaço e Loureiro do Lima (a casta Avesso de Baião parece fadada ao mesmo). Estes produtores continuam a ultrapassar os limites, desafiando as perceções, com o novo ímpeto dado pela próxima geração de produtores. Para a frente, para cima, às vezes para trás, a(s) direção(ões) da viagem é emocionante.

O pupilo de Anselmo Mendes, Márcio Lopes (Pequenos Rebentos), é um dos mais aventureiros ‘players’ da nova geração do Vinho Verde. Lopes, um micro-produtor, seleciona uvas com rigor, fermentando naturalmente Loureiro e Alvarinho, adicionando o mínimo de enxofre (nenhum para o seu Pet Nat Loureiro). Os invulgares Selvagem e Atlântico de vinhas velhas tradicionais em enforcado e ramada, exploram variedades locais menos conhecidas. Com personalidade e profundidade, o Selvagem é feito de Azal - uma uva “muito rústica”, diz o enólogo. Proveniente de vinhas de Amarante plantadas em 1934, Márcio Lopes poliu com sensibilidade este diamante bruto, podando muitas folhas e cachos para melhorar a maturação e concentração, fermentando-o nas películas e envelhecendo em ânfora e velhas barricas de carvalho francês. No Sem Igual, outro produtor ‘new wave’, o jovem casal João e Leila Camizão está também a fazer vinhos de nicho a partir do Azal de Amarante (agora loteados com Arinto), incluindo dois exemplares de produção limitada de ramada.

Enquanto os vinhos Pequenos Rebentos são estruturados e intensos, prensados após apenas 24 horas de contacto pelicular, o Atlântico é um tinto ‘glou glou’, fresco e leve, feito a partir das castas Caínho Tinto, Alvarelhão e Pedral, de vinhas velhas em ramada. Os tintos gozam de um mini-renascimento. O Aphros elevou o Vinhão, controlando o tanino alto e acidez sem perder vigor, mas fiquei encantada com o novo Ouranus, um tinto emocionante e perfumado da casta Alvarelhão. Em Monção e Melgaço, Anselmo Mendes está a plantar uma vinha de seis hectares principalmente para Alvarelhão e outras uvas tintas que, diz ele, “faziam historicamente parte da sub-região, mas foram esquecidas e substituídas por Vinhão (infelizmente)”. E está convencido do “grande potencial para o estilo tradicional, fresco e de cor clara, de vinhos que já fizeram parte da história da região”.

Traduzindo como “vinho jovem”, o Vinho Verde pode muito bem significar, em alguns aspetos, região jovem. Dinâmica e em evolução, provou ser capaz de produzir com sucesso vinhos de marca quotidiana - agora também premium -, mas os primeiros ainda dominam a imagem do Vinho Verde, tal como o “commodity” Cheddar domina a perceção do queijo britânico. Como Márcio Lopes afirma, com interesse crescente em pequenos projetos existe maior apetite em conhecer as pessoas e a história por trás do projeto e, “para o Vinho Verde, é importante, porque podemos mostrar que é uma região versátil, onde se podem fazer vários estilos diferentes, distantes dos vinhos leves, com adição de gás”. 

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