A Wine Detective investiga os formatos das garrafas

Tenho reparado que as pessoas estão a ganhar prática em encontrar o lado positivo das coisas durante o confinamento do coronavírus. Uma habilidade que, ironicamente, podemos aprimorar num qualquer retiro de ‘wellness’ em tempos normais.


No que toca à indústria do vinho, foi para mim surpreendente, pela positiva, observar as prateleiras dos vinhos, durante uma visita ao supermercado pouco antes de o Reino Unido entrar em ‘lockdown’. A BBC News informou que as vendas totais de vinhos, cervejas e espirituosos atingiram 1,1 mil milhões de libras nas quatro semanas anteriores a 22 de março, impulsionadas pelas vendas de mais 199 milhões de libras face ao período homólogo de 2019. Um pico que, incrivelmente, superou até o das altíssimas vendas de produtos alimentares.

Deixando de lado as preocupações sobre se o álcool está a ser consumido com moderação, foi animador ver que o vinho tem um lugar tão especial no coração do país. De facto, a 25 de março, o governo declarou que entre o “comércio essencial” estavam incluídas “lojas de bebidas alcoólicas”, permitindo que os comerciantes de vinho se atirassem à luta. A frota de importadores e restaurantes juntou-se, reenquadrando os modelos de negócios de venda direta aos consumidores.

Com a enxurrada de vídeos sobre ‘wine education’ online e a verdadeira ‘Zoom-athon’ de provas e degustações ao vivo, existirá momento melhor para ser (ou tornar-se) ‘wine lover’? Estamos a ser assiduamente seduzidos com ideias tentadoras sobre como suportar o bloqueio, sem mencionar o stock destruído de garrafeiras (isto a confiar nos diários de quarentena postados nas redes sociais).

O confinamento levou-me a empreender a há muito devida ‘racionalização de garrafeira’, que me ofereceu a necessária pausa para refletir nas razões que fazem do vinho tão especial. Envelhecimento (evolução da garrafa) e, é claro, pura delícia, fazem parte do seu apelo, reforçado com uma garrafa do meu Châteauneuf-du-Pape preferido, o Château de Beaucastel 2003. Mas o vinho também serve um propósito maior. Para mim, olhar através de uma coleção de vinhos é agradavelmente semelhante às recordações dos álbuns fotográficos. Aquelas garrafas que guardam memórias de lugares, pessoas, festas, jantares e ocasiões especiais. O vinho é o material de que são feitos os rituais - brindes para celebrar o sucesso ou comemorar a tristeza. E sonhos. Aposto que não estou só, fantasiando sobre a melhor forma de comemorar a libertação do confinamento, saudar vidas perdidas e celebrar as pessoas da linha de frente.

O tamanho importa

Os vinhos efervescentes são a escolha óbvia para uma ocasião especial, especialmente quando servidos em grandes formatos, cujos nomes se inspiram em figuras bíblicas e históricas - Jeroboam (três litros), Matusalém (seis litros), Salmanazar (nove litros), Baltazar (12 litros), Nabucodonosor (15 litros) e assim por diante. São perfeitas para partilhar nas futuras e muito ansiadas reuniões com a família e amigos.

E lembrei-me da função mais prosaica destes grandes formatos na competição ASI Best Sommelier of the World 2019, quando o enólogo-chefe da Franciacorta, Mattia Vezzola, apresentou uma prova intitulada “O tamanho importa: Bellavista Gran Cuvée de 0,375 lt. até 9 lt.”. A idade base do vinho e do engarrafamento foram as mesmas para cada formato e, como seria de esperar, quanto menor a garrafa, maior a evolução (razão pela qual, aliás, a minha caixa de Porto Vintage 2011 é de meias garrafas - não quero esperar mais 20 anos para começar a bebê-los!). Como explicou Vezzola, quanto maior o volume de vinho em relação à área de contacto com a cortiça, menor a taxa de entrada de oxigénio. O vidro mais grosso é outra vantagem dos grandes formatos, diz o eminente sommelier português Nelson Guerreiro, porque “significa maior proteção contra a luz, o calor e as mudanças de temperature”, que resulta no envelhecimento mais célere.

Com uma enorme amplitude entre os diversos formatos - a meia garrafa (com as suas notas de nougatine e confeitaria) e a garrafa Salmanazar -, não se observou que o público tenha necessariamente preferido o maior formato, por mais impressionantemente jovem que fosse. Com isto em mente, a maioria (incluindo eu) preferiu o formato Matusalém que, de nome apenas, seria a escolha ideal para a libertação do confinamento – já que, de acordo com o livro do Génesis, Matusalém foi a pessoa mais velha na história da humanidade, morrendo na feliz velhice madura dos seus 969 anos.

Se o caro leitor estiver tentado a ‘exagerar' na libertação, Guerreiro está bem posicionado para fornecer dicas sobre como 'tente fazer isto em casa', depois de tomar parte da equipa de sommeliers encarregada da complicada tarefa de servir o Bellavista Gran Cuvée em garrafa Salmanazar, sem recurso a uma grua. Recomenda que duas pessoas manuseiem a garrafa, despejando-a primeiro num decanter de boca larga e, só depois, nos copos. Quanto ao que beber, em vez das bolhas de Champanhe ou Franciacorta de Itália, sem dúvida os produtores portugueses agradecerão o apoio. Embora nunca tenha investigado, tenho a certeza que os produtores de espumante portugueses trabalham com grandes formatos. Julgo que os Alvarinhos Soalheiro e Niepoort Tiara são tão elegantes em belas garrafas magnum quanto o seu conteúdo. No caso dos vinhos tintos, as Caves São João oferecem uma seleção invejável dos seus Porta dos Cavaleiros e Frei João.

Outra opção garantida e pronta para uso de formatos grandes são o Porto Tawny ou o Vinho Madeira. A Blandy's desenvolveu uma propensão para engarrafar Madeira vintage em magnum o que, como vinho famoso pela sua indestrutibilidade, tem a sua ressonância - e será certamente o vinho perfeito para brindar à resiliência? As luxuriantes garrafas premium de Tawnies Graham’s, numa variedade estonteante de formatos, variam de 20 cl. a 4,5 litros e que, segundo Anthony Symington, já não são feitas por especial pedido – “devido ao seu sucesso, agora são produtos de stock”. Nos restaurantes, atribui a popularidade dos Jeroboams de 4,5 litros à oferta de "teatralidade a copo” e, estando em evidente destaque, predispõem os consumidores a pensarem no Vinho do Porto para o final da refeição. “Verificamos um aumento significativo das vendas de sobremesas e pratos de queijo no fim das refeições”, acrescentou Symington, destacando a versatilidade do Tawny. Pela minha parte, não consigo pensar numa maneira melhor de nos fortificarmos nestes tempos.

Partilhar
Voltar