Arinto, o Chardonnay português?

Calma. Obviamente, o Arinto é uma casta distinta do Chardonnay, mas pelo que poderá representar para os vinhos brancos nacionais deverá, de certa forma, ser encarado como Chardonnay português.

 

O Chardonnay é a segunda casta branca mais plantada no mundo. De acordo com a estatística da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) serão mais de 210.000 hectares, uma popularidade de plantação que continua em crescendo, somente ultrapassada pela Airén – a casta rainha da extensa Castilla-La Mancha, na vizinha Espanha, conhecida pelo ciclo longo, pela resistência assinalável a doenças da vinha e a temperaturas tórridas, muito aromática e ainda mais generosa em termos produtivos, por isso recorrente para alcançar grandes volumes, entrar em lotes com outras variedades tidas como mais nobres, sendo também usada para destilação. No entanto tem perdido alguma expressão nos anos mais recentes – a bem da imagem geral de Espanha, convenhamos – pelo que é possível ser em breve ultrapassada no total global.


Alguns dos mais notáveis vinhos brancos mundiais são elaborados a partir do Chardonnay, desde logo os da Borgonha, berço natural. Do estilo mais nervoso, elétrico e profundamente mineral de Chablis, aplaudido de pé por quem gosta de tensão em vinhos brancos, aos mais untuosos, volumosos e cremosos da Côte de Beaune.  Todavia, podemos sair da França e encontrar bons exemplares da variedade noutras paragens menos óbvias, muitas do chamado Novo Mundo, como Austrália, Argentina, Califórnia, Oregon e tantas outras.

Aliás, a ampla difusão da variedade explica-se em larga medida pela facilidade de adaptação a diferentes geografias e estilos de vinificação. 
Em climas mais frios, ora com influência marítima ora com solos de matriz argilo-calcária, por exemplo, o Chardonnay expressa nuances florais finas, cítricas e de giz. Por contraponto, em zonas mais quentes e chãos arenosos ou xistosos, por exemplo, é habitual expressar notas de polpa de fruta branca e até alguma tropicalidade. Claro que a passagem, mais ou menos prolongada, por barrica determinará igualmente o perfil do Chardonnay que se pretende, mas até aí a casta mostra uma aptidão invulgarmente boa para lidar com diferentes madeiras, de diferentes proveniências e níveis de tosta. 
Como se não bastasse, falamos de uma variedade com uma plasticidade de tal ordem assinalável que consegue evoluir bem em garrafa e permite a obtenção de grandes vinhos espumantes. Não por acaso integra o trio estrelado de Champagne – Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier.

Em Portugal, o Chardonnay está disseminado um pouco pelo país, em pequenas parcelas, surgindo no mercado a solo ou loteado com variedades nacionais. Nos inícios de 2000 era mais frequente encontrá-lo, talvez porque ainda se procurasse uma verdadeira identidade para os brancos portugueses, porque se copiavam modelos de sucesso de outros países ou ainda porque o efetivo conhecimento e domínio das castas brancas nacionais – à exceção de uma mão cheia delas, fosse residual. Sim, se me perguntarem se algum dia provei um grande Chardonnay estreme português, daqueles de ir à lua e voltar, terei dificuldade em identificá-lo.

Arinto, o “pop-star”

Pelo contrário, tenho tido a sorte de provar grandes vinhos brancos portugueses, de colheitas recém-lançadas ou mesmo com larga evolução. A esmagadora maioria tem por base castas portuguesas. De facto, das mais-valias dos nossos vinhos –  brancos e tintos –, a variedade de castas e a arte do “blend”, na vinha e na sala de provas, estarão no topo.  Mas se tivesse que eleger uma só casta branca portuguesa, que permitisse grande diversidade de abordagens com resultados entusiasmantes em todas elas, provavelmente elegeria o Arinto.

Calma. Obviamente, o Arinto é uma casta distinta do Chardonnay, mas pelo que poderá representar para os vinhos brancos nacionais deverá, de certa forma, ser encarado como Chardonnay português.
Vejamos as características genéricas. É uma casta resistente, em climas frios e climas quentes, que raramente desilude o viticultor. Tal como o Chardonnay, dependendo da região e método de vinificação, pode ser neutra aromaticamente como expressar florais e fruta com abundância. Tem excelente acidez natural, notável propensão para o envelhecimento, pode originar vinhos para consumo diário, brilhar a solo ou em lote em brancos de outra dimensão. Não recusa cimento, barro nem inox, casa bem com barricas e balseiros, até na espumantização se sai bem.

Nos Vinhos Verdes há muito que o Arinto (Pedernã) esgrime popularidade com castas como o Alvarinho ou o Loureiro. No Douro é frequentemente parte de blends, igualmente comum em vinhas velhas de Trás-os-Montes e da Beira Interior. Há muito faz as delícias dos brancos litorais da Bairrada e de Lisboa, comprova ser o melhor parceiro do Fernão Pires (Maria Gomes) no Tejo, tal como consegue refrescar muito bem o encepamento branco tradicional alentejano, em que dominam variedades de perfil mais oxidativo.
No ranking de castas brancas em Portugal, divulgado pelo Instituto da Vinha e do Vinho, surge a disputar o segundo lugar com o Loureiro, cabendo ao Fernão Pires a liderança destacada. A tendência que apresenta é de aumento de relevância no plantio nacional, na medida em que se afirma como dos mais fiáveis amigos de viticultores e produtores neste tempo de aquecimento global e de busca permanente de frescura e acidez naturais, sem necessidades de pozinhos extra para refrescar o que não é fresco ou simplesmente ficou madurão.

Os melhores Arintos de Bucelas lembram alguns Chablis. Os Arintos de evolução nobre da Bairrada, dos anos 60 e 70, exprimem a elegância de notas de avelã e amêndoa combinada com uma acidez fervilhante que lhe mantém a pulsação tantas décadas volvidas.
Vamos todos correr às prateleiras só pedir Arintos ou recomendar a quem faz vinho que arranque tudo o quem e só plante Arinto? Não, pela óbvia, simples e inquestionável razão de que a maior força dos vinhos portugueses reside na diversidade – de castas, de solos, de climas e microclimas, de regiões, de visões e interpretações. O que me parece evidente é que o Arinto não só é das grandes castas nacionais como reúne todas as características para se tornar, nas próximas duas décadas, a mais plantada casta branca em Portugal. 

Quando (e se) esse momento chegar, que estejamos todos muito mais cientes do efetivo potencial de dezenas e dezenas de castas brancas portuguesas, espalhadas pelas mais recônditas vinhas do país, que hoje permanecem por estudar a fundo. Os conhecimentos continuam parcos acerca do que são e do que verdadeiramente valem, e qualquer território que desconheça ou não consiga valorizar o que possui dificilmente obterá uma vantagem competitiva sobre os demais. 
Nesta segunda década do século XXI é preocupante percebermos a frequência com que recorremos a conclusões de estudos de castas das décadas de 60 e 70 do século passado. O conhecimento universal e as ferramentas atualmente disponíveis já deveriam ter motivado muitos outros estudos de castas, em profundidade e complexidade, com a consequente partilha de conhecimento pela fileira. Quanto mais se dominar a viticultura e o património genético melhores serão os vinhos que bebemos, mais sustentável e eficaz será a diferenciação do vinho português no mundo.

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