Campeões das vinhas velhas

A Wine Detective investiga as vinhas velhas e os vinhos de parcela única de Portugal.

 

Se algum superpoder terá a indústria portuguesa de vinhos, é seguramente a arte de lotar múltiplos locais, castas e colheitas. Desde os Vinhos do Porto e Madeira de entrada ou gama alta a vinhos “leves” produzidos em todo o país, esta força central sustenta a sua complexidade, equilíbrio e consistência de qualidade.


É preciso que um local seja verdadeiramente único para se apoiar nos próprios pés, especialmente em climas extremos como o Douro; porém, os vinhos de parcela única estão em alta. Recentemente, pude provar doze exemplares de vinhos tranquilos do Douro que (não por acaso) tinham mais em comum do que serem oriundos de um único local. Cada um foi obtido a partir de vinhas velhas em ‘field blend’, com idades desde sessenta a mais de cem anos.
Esta combinação vencedora de locais únicos e vinhas velhas produziu doze vinhos do Douro amplamente distintos. Basta provar o Vinha Maria Teresa da Quinta do Crasto ao lado do Vinha da Ponte ou o Niepoort Museu dos Lagares ao lado do Poeira Vinha da Torre para apreciar a individualidade de expressão. Oriundos de parcelas com apenas uma estrada a dividi-las, são um achado para os 'terroiristas'!
À conversa com Dirk Niepoort em novembro, discutimos o papel da idade e do local da vinha. Destacando outro fator importante, enfatizou que “a atitude dos produtores é fundamental... é preciso respeitar o local, não apenas retirar dele”. Se preferirmos, é um círculo virtuoso - um muito apreciado pelos grandes ‘domaines’ da Borgonha ou ‘châteaux’ de Bordéus e, devo acrescentar, facilmente enquadrável no alto perfil dessas regiões e nos preços dos melhores vinhos. O que me leva a outro ponto que esta dúzia especial do Douro tinha em comum – preços de superliga. E bem…

Sou totalmente a favor da ambição elevada quando os resultados encontram tradução no copo. Quando Beatriz Machado contactou-me o ano passado sobre a nova série de ‘single vineyards’ da Niepoort, referiu o quão tinha ficado “maravilhada”, ao provar às cegas os vinhos Niepoort Lote D 2014 e Museu dos Lagares 2018, a par do Domaine de la Romanée Conti ['DRC'] La Tache 2013. Definindo a visão, a diretora de Marketing e Enoturismo da Niepoort partilhou o objetivo dos novos vinhos de topo da Niepoort, nomeadamente “estar lado a lado com os grandes vinhos de parcela única do mundo”. Miguel Roquette, da Quinta do Crasto, havia já definido a meta em 2019, quando provei os lançamentos de parcela única de 2016: “Queremos que o Vinha Maria Teresa seja o ‘DRC’ de Portugal”, afirmou.

Com investimentos em conformidade, o Crasto identificou cada variedade no sentido de preservar exatamente a mesma fonte genética e substituir as vinhas individualmente à medida que morrem. Na Ramos Pinto e Quinta do Portal, exercícios semelhantes são levados cabo para o Vinha da Urtiga e Parcela M7 da Quinta do Portal. Tanto a Ramos Pinto como a Niepoort estão a granjear solos e vinhas de forma biodinâmica. São vinhas tratadas a pão de ló.
Quanto ao Titan of Douro Fragmentado Branco II, temos sorte que este vinho branco fenomenal exista. A 800 metros de altitude, as vinhas das encostas da Serra do Reboredo não eram adequadas à produção de Vinho do Porto e não se qualificavam para benefício. Sem o prémio associado às uvas para produção de Vinho do Porto, as vinhas velhas não enxertadas de rendimento ultrabaixo tornaram-se insustentáveis e foram abandonadas. Descrevendo-o como o seu maior desafio, Luís Leocádio recuperou e reaproveitou as vinhas do sogro para produção de DOC Douro. E desde então comprou mais lotes. O seu extraordinário trabalho foi reconhecido em 2018 quando nada menos que a Revista de Vinhos premiou Leocádio como Enólogo Revelação do Ano.

Círculo de valor

Portugal tem o seu quinhão de produtores individuais que defendem as vinhas velhas e um grupo de defensores aguerridos nos Baga Friends. Ainda assim, é fácil imaginar que vinhas velhas relativamente improdutivas noutros locais - especialmente em áreas ou territórios menos conhecidos - possam não ter anjos da guarda que apreciem o seu potencial de qualidade. Felizmente, estão em curso esforços internacionais para coordenar o registo, proteção e promoção de vinhas velhas.
O Jancis Robinson Old Vines Register é supervisionado por Tamlyn Currin (assim como o antigo concurso de redação temática sobre a vinha, o mais popular até agora). Desde 2010, Currin e equipa examinam submissões de vinhas antigas para este registo - uma folha Excel descarregável online - que Robinson criou depois de o Barossa Old Vine Charter na Austrália e a Historic Vineyard Society da Califórnia terem chamado a sua atenção. O Douro está bem representado mas, com apenas duas outras entradas de Portugal, do Dão e da Bairrada, há muitas lacunas por preencher! Por isso, encorajo os leitores a entrarem em contacto com Currin pelo endereço de correio electrónico editorial@jancisrobinson.com e partilharem informações sobre as vinhas velhas de Portugal. Aberto a apoios, estão em curso planos para transformar este registo num portal autónomo de código aberto, ampliando assim o impacto e alcance.


Lançada em 2021, a Old Vines Conference ('OVC') - uma empresa sem fins lucrativos - foi cofundada por Leo Austin e pelos Masters of Wine Alun Griffiths e Sarah Abbott. Através de uma série de iniciativas regulares, estabelece conexões e partilha de conhecimento entre produtores, produtores, influenciadores, comércio e público. Alternam entre conferências virtuais (internacionais), workshops comunitários, viagens de estudo e provas até iniciativas promocionais, como a Old Vine Week para o retalho, o International Wine & Spirit Competition Old Vine Wine Trophy e o London Wine Fair Old Vine Heroes Award.

Em última análise, explica Griffiths, “queremos que os consumidores entendam por que razão as vinhas velhas são importantes”. Se isso for conseguido, “talvez os produtores possam cobrar preços mais altos pelos vinhos e resistir à pressão económica que, de outra forma, poderia levá-los a arrancar e replantar”. É um objetivo nobre que, diz Austin, é o motivo pelo qual “não pode ser encarado como um projeto de caridade”. Em vez disso, pretende-se criar “um círculo de valor, do agricultor/produtor ao comerciante de vinhos e ao consumidor, os quais a OVC convida para, respetivamente, tornarem-se apoiantes, campeões comerciais ou membros”.

Todos nós podemos ser campeões das vinhas velhas e não vamos perder de vista o prémio - “a qualidade mágica do bom vinho feito de vinhas velhas” destacada por Robinson no seu mais recente discurso na OVC e manifestada no Fragmentado. Descrevendo-o como “definidor”, uma Tamlyn Currin fascinada ecoou o sentimento de Robinson com esta observação – “Como pode alguém começar por explicar aquele vinho com palavras…”

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