Clássicos com ‘Twist’ – Uma crescente força portuguesa

O estilista britânico Paul Smith celebrou em 2020 o 50º aniversário da sua marca de moda. O nome surgiu-me quando escrevia o texto sobre Tatsuaki Kuroda, que celebrava os Tesouros Nacionais Vivos [publicado na edição de dezembro da Revista de Vinhos]. O carpinteiro japonês aplicou técnicas tradicionais de lacagem a formas esculturais surpreendentemente novas a partir do seu próprio design. O princípio orientador de Smith – “clássico com twist” – adotou liberdades semelhantes com a alfaiataria tradicional e o mundo dos tecidos britânicos. Em busca de inspiração, Smith é conhecido por colaborar com artistas, lendas da música e outras marcas, como Filofax e Land Rover.


Fiquei intrigada ao descobrir que o estilista teve aulas noturnas com um especialista em alfaiataria militar e roupas cerimoniais. Terá este conjunto de capacidades ultra-tradicionais formado a “quase indestrutível” qualidade das roupas que desenha e do design funcional que ostenta? Certamente influenciou a estética - Smith adora cores, listas e acessórios.

Este ‘twist’, ou seja, a capacidade de dar a volta a modelos tradicionais, sem nunca os perverter, pode implicar um corte mais sério ou mais relaxado ou colocar detalhes divertidos - forros coloridos ou estampados com contrastes, bolsos e punhos ou aberturas de botões multicoloridos. O twist pode estar na substância e não a forma - o próprio tecido. Com “A Suit to Travel In”, este designer “globetrotting” aproveitou a tecnologia, produzindo um tecido de lã merino anti-vincos, resistente a água.

No mundo do vinho em Portugal, Dirk Niepoort é o pai do ‘clássico com twist’. Tal como Paul Smith, o produtor de Vinho do Porto de quinta geração tem uma mente aberta e curiosa. Começando pelos vinhos do Douro, reinterpretou os tradicionais terroir, técnicas de vinificação e castas de várias formas, refrescantes e com emoção. Por vezes em colaboração com outros, nomeadamente Álvaro de Castro (Doda, um blend Dão/Douro) ou os aclamados enólogos espanhóis Telmo Rodriguez (OmLet) e Raul Perez (Ultreia). Tal como Smith dispensou um visual padronizado na sua rede de lojas, Niepoort abandonou os rótulos tradicionais, introduzindo nomes evocativos e rótulos de ‘storyboard’.

Literalmente dando um toque fresco às coisas, o projeto Nat Cool da Niepoort canaliza o ‘zeitgeist’ para vinhos leves e fáceis de beber. Trata-se de um movimento e não de um produtor e os seus membros incluem Luís Pedro Cândido Silva, dos vinhos Primata (Douro), Herdade do Rocim (Alentejo), Zorzal (Navarra, Espanha) e Alain Graillot (Rhône, França). Com fruta primária e frescura “muito presentes”, a última adição - o Porto Niepoort Trudy Ruby - é a expressão máxima do ‘clássico com twist’. É o primeiro Porto Nat Cool.

A rica herança portuguesa de castas autóctones e técnicas de vinificação tem sido uma grande fonte de inspiração e orgulho para uma nova geração de produtores do século XXI. Da mesma forma que os principais chefes contemporâneos de Portugal ganharam aclamação pelo refinamento inteligente das tradições ancestrais, a nova vaga de produtores mistura com arte o antigo e o novo. Três géneros “clássicos com twist” merecem destaque.


Três clássicos com twist

Até bem recentemente, a reputação vínica dos Açores baseava-se nos tradicionais vinhos licorosos. As primeiras tentativas de produzir vinhos tranquilos leves e secos de grande qualidade apontaram para as variedades continentais e internacionais. No entanto, aproveitando o potencial das castas tradicionais indígenas e utilizando técnicas modernas, os monovarietais Verdelho, Arinto dos Açores e Terrantez do Pico da Azores Wine Company colocaram no mapa os vinhos únicos, minerais e salgados dos Açores.

A arte de lotar diferentes colheitas de Vinho do Porto e Madeira é uma grande tradição e força portuguesas. E está implantada em vinhos brancos de prestígio (não fortificados), incomumente profundos. Gostei do primeiro encontro com o género em 2014, na visita a Paulo Cerdeira Rodrigues, da Quinta do Regueiro, em Melgaço. Paulo Rodrigues decidiu fazer um vinho sem data de colheita porque os seus Alvarinhos evoluíam muito bem em garrafa. No ano passado, o Regueiro Jurássico I foi eleito o Melhor Vinho Branco no TOP 10 dos prémios anuais da Revista de Vinhos. Com razão. Mostra uma espinha dorsal vigorosa, de camadas complexas animadas com acidez, provocando-as num final épico. Em 2015, atribuí a medalha de ouro à Quinta dos Carvalhais Especial NV no Decanter World Wine Awards. O lançamento inaugural deste poderoso Dão branco - a minha escolha entre as 725 amostras daquele ano - também irradia energia. O mês passado, tive o prazer de descobrir o Wine & Soul Guru NM e o Titan of Douro Fragamentado Blend 1. Estes impressionantes vinhos brancos do Douro parecem amplificar a expressão do terroir à potência de dez! Explicando porquê, Jorge Serôdio Borges, da Wine & Soul, observou que “a maioria bebe [o Guru, datado] antes do seu pico de qualidade”.

Em 2010, o Alentejo introduziu a classificação DOC Vinho de Talha. Preserva a tradição de fermentar e envelhecer vinhos com as borras em talhas (ânforas grandes e não porosas) até ao dia de São Martins (ou mais). As evoluções do método clássico elevaram a categoria a novos patamares de sofisticação. O Herdade do Rocim Clay Made Tinto 2015 envelheceu (mas não fermentou) numa pequena vasilha de barro de 140 litros, desenhada para replicar a micro-oxigenação de uma barrica de carvalho nova. Descrevendo este primeiro lançamento como “um ponto de viragem” para os vinhos de talha portugueses, o enólogo Pedro Ribeiro afirmou que, até à data, “todos diziam que os vinhos da talha eram interessantes, mas ninguém pensava que se poderia fazer um bom vinho”. O Procura na Ânfora Branco 2018 de Susana Esteban parte da tradição da talha porque o mosto foi fermentado sem película e com controle de temperatura. Reforçando a elegância e a pureza, este ‘twist’ articula fielmente o terroir de Portalegre - a sub-região mais alta e fresca do Alentejo.

O que se segue? Na Austrália, a Penfolds tem firmemente celebrado a tradição local da Austrália do Sul em elaborar lotes multirregionais e interestaduais. Numa reviravolta controversa desta técnica clássica, acaba de lançar dois lotes de vinhos tintos da Califórnia e da Austrália do Sul na sua gama Signature Colours, com número ‘Bin’ ao melhor estilo Penfolds. E com um preço confiante de 545 libras por garrafa, é posicionado ao nível do Penfolds' Grange, um ícone australiano. Por mais que a “California Collection” reforce o posicionamento de marca de luxo da Penfolds (e por mais que esteja ansiosa para provar as minhas amostras), deslocar esta marca tradicional para a Califórnia parece levar o ‘twist’ um pouco longe demais.

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