Combatentes e sobreviventes

Mais de doze meses volvidos sobre o início da pandemia global, há sinais de vida nos mercados de vinho asiáticos. A Master of Wine Debra Meiburg analisa o impacto da Covid-19 e lança um olhar sobre o futuro do setor no continente.

 

 

A China e os países vizinhos foram os primeiros a sentir os efeitos da Covid-19. Porém, o continente já passou por isso antes - gripe das aves, gripe suína e SARS são exemplos que permanecem na memória. Enquanto alguns governos estrangeiros estacaram na resposta inicial, presos numa fase de negação, os governos asiáticos agiram rapidamente e entraram em ação, fechando fronteiras e restringindo deslocações e ajuntamentos. Aos primeiros sinais do vírus, os cidadãos pegaram no desinfetante e colocaram as máscaras faciais.
Tal não significa que os países asiáticos tenham escapado ilesos. A forma mais rápida de estancar a propagação era impedir as pessoas de viajar e de reunir. Isso fez com que as maiores vítimas da pandemia (além dos setores de saúde e médicos) fossem os setores das viagens, turismo e hospitalidade. As consequências foram devastadoras para hotéis e restaurantes mas, embora muitos tenham perdido com a Covid-19, também há vencedores, que inovaram e sobreviveram.

‘Fine dining' em queda livre'

Em Hong Kong, o coronavírus afastou os visitantes e dizimou as vendas de vinhos no canal ‘on-trade’. As importações de vinho, em setembro de 2020, totalizaram 5,1 mil milhões de HK$ (25,5 milhões de litros), uma queda dramática em comparação com os sensacionais 12 mil milhões de HK$ registados em 2016 (estatísticas comerciais do governo de Hong Kong). O canal Horeca tem sido historicamente a estrela de destaque em Hong Kong, já que as pequenas cozinhas dos apartamentos são diminutas para satisfazer os convidados. As restrições levantadas quanto às refeições em restaurantes levaram a que o contexto da hospitalidade de Hong Kong - já recuperado dos protestos antigovernamentais de 2019 - entrasse em queda livre. Para muitos restaurantes, a pandemia foi a gota de água que obliterou os negócios.
Para ajudar a mitigar os danos, os media de lifestyle e as empresas MICE (Meetings, Incentivos, Congressos e Eventos) de Hong Kong uniram forças numa campanha chamada United We Dine, que recompensava a lealdade dos clientes e encorajava as pessoas a apoiarem restaurantes através do recurso ao ‘take-away’ e ‘delivery’, dando gorjetas generosas, postando comentários positivos e colocando fotografias de pratos nas redes sociais.
Embora ainda não totalmente recuperados, os comensais começaram a regressar aos restaurantes de Hong Kong, que introduziram adaptações, como sejam medir a temperatura à entrada e exigir que os convivas assinem atestados de saúde e declarações de não-viagem.

O retalho sobrevive

Um dos maiores retalhistas de Hong Kong, Watson’s Wine Cellars, relatou que o comércio de vinho no retalho sofreu ligeiras quedas, mas as vendas foram impulsionadas por um suposto aumento no consumo doméstico por parte da exaurida geração Y, que lidava com as exigências da educação em casa. As empresas de vinho direcionadas para o consumidor que são menos voltadas para o F&B registaram um aumento das vendas em 2020. Hong Kong, antes uma comunidade de bebedores sociais, agora está a consumir em casa.
O mercado de vinho de Taipei é impulsionado pelos locais e, portanto, menos dependente de expatriados e turistas para vendas, tornando-o mais resistente perante alguns dos impactos da Covid-19. As medidas de confinamento de Taipei colocaram dois milhões de taiwaneses em casa. Os taiwaneses abastados são mais fáceis de alcançar devido às restrições de viagens internacionais e têm dinheiro de sobra para comprar vinhos de gamas altas.
O importador e especialista em D2C (Direct to consumer), Tatung Atherton, registou um aumento modesto nas vendas ao dinamizar o seu serviço de entrega ao domicílio, disse o presidente Sue-Min Derbalian. O importador ultra-premium Le Cellier des Poètes também direcionou com sucesso o modelo de negócios para o canal D2C, disse o brand manager Morris Tao.


Em Seul (população de 9,6 milhões), as vendas de vinhos ‘off-premise’ há muito que dominam o mercado. A Coreia do Sul importou 239 milhões de dólares em vinhos entre janeiro e novembro de 2020, desempenho notável se comparado com os 204 milhões em 2019 (janeiro-dezembro), de acordo com dados do Serviço de Alfândega da Coreia. Desde 2011, o valor das importações de vinho duplicou, informa a agência de notícias Yonhap. As mulheres compram vinhos juntamente com as mercearias e bens domésticos em lojas de bairro, hipermercados e estabelecimentos especializados em vinhos. Os hipermercados representaram cerca de 70% das vendas no retalho da Coreia do Sul em 2017. Mesmo antes dos confinamentos, as vendas no retalho superavam o negócio de restaurantes e bares, numa proporção de 80 para 20. O coronavírus fez disparar este segmento, ao proibir encontros em restaurantes e bares, levando ainda mais ao consumo doméstico.
O crescimento das vendas ‘off-premise’ na capital da Tailândia, Bangkok (população de 10,5 milhões), também foi repentino. As vendas de vinho em restaurantes foram proibidas desde o final de dezembro de 2020 ao final de fevereiro de 2021, como uma medida de prevenção da Covid-19, após um surto em Samut Sakhon. Mesmo antes desta proibição, as vendas ‘off-trade’ representavam quase o dobro do canal ‘on-trade’.
A mudança de Bangkok para vinhos do dia-a-dia está a impulsionar as vendas nas galerias comerciais e outlets. Michel Conrad, diretor comercial da importadora Independent Wine and Spirits (IWS), disse que as promoções no retalho são o principal impulsionador da procura do consumidor na Tailândia, comparável ao ‘passa palavra’.

Provas online e redes sociais

Os eventos de degustação e feiras de vinho foram prejudicados pelas regras restritivas, mas alguns operadores inovaram e descobriram formas de chegar a casa das pessoas. Em Hong Kong e no Vietname, os ‘workshops’ online de vinhos tornaram-se aceitáveis - se as pessoas não podem ir às provas, levem as provas às pessoas!
Em Bangkok, as redes sociais ajudam os influencers e wine educators nessa missão. Desde junho de 2020, o fundador do WineSmart 101, Parani Chitrakorn, Certified Wine Specialist e International Bordeaux Educator, tem produzido clipes para redes sociais, em colaboração com a Lucaris, para partilhar conhecimentos básicos sobre vinhos. 
Pairach Intaput, presidente da Associação de Sommeliers Tailandeses, que é Accredited Burgundy Wine Educator (BIVB) e Accredited Bordeaux Wine Educator (CIVB), disse que as redes sociais cresceram e tornaram-se um dos principais impulsionadores da procura dos consumidores na Tailândia, com influencers e retalhistas como as principais portas de entrada para o consumo doméstico de vinho na Tailândia.
Os influencers têm também impacto em Seul. O coreano Jay Lee (@ jay.wineking), residente na Califórnia, tem 11.500 seguidores no Instagram e até um milhão de espectadores no YouTube. A estrela das redes sociais da YangGangTV (@yanggangtv) está também a crescer, com mais de 4.600 seguidores.

A expansão do e-commerce 

Em 2025, a economia digital do Vietnam pode expandir-se para 52 mil milhões de dólares, sendo o comércio eletrónico uma área de alto crescimento (Dezan Shira & Associates). Os canais de venda grossistas, retalhistas e online expandiram-se em 2020, enquanto o Horeca ressentir-se-á, prevendo-se uma contração de 14,6%.
As compras online cresceram acentuadamente na Coreia do Sul durante a Covid-19. O valor de todas as transações online atingiu 15,9 biliões de KRW em dezembro de 2020, um aumento de 26,1% em relação a dezembro de 2019, de acordo com dados do Serviço de Informação Estatística Coreano (KOSIS). Em meados de 2020, no auge do pânico, o governo sul-coreano legalizou as compras online de vinho. Anteriormente, as vendas online de álcool eram limitadas às bebidas tradicionais (ou seja, soju).
Outra tendência online comum na Coreia do Sul e no Vietname é o aumento do uso do Vivino. James Lee, comprador de vinho da importadora Wine 2U Korea, disse que a aplicação é popular na Coreia do Sul há cerca de quatro anos. “Os consumidores optam por comprar vinhos diretamente a partir do país de origem se o preço de venda na Coreia for 1,8 vezes mais alto”.


Os sul-coreanos podem comprar em fornecedores e produtores internacionais, como wine.com e winebid.com, mas usam empresas terceiras para minimizar a tributação e os custos de envio. “Existem muitas empresas terceiras coreanas, especialmente em Oregon, por motivos fiscais, que consolidam e despacham pedidos para reduzir os custos de envio”, disse Lee. Este método de compra é particularmente popular para vinhos de luxo (acima de 60 dólares) e garrafas múltiplas (mais de três unidades).
Apesar das leis que proíbem as vendas online de álcool em Taiwan devido a questões de verificação de idade, algumas empresas usam os seus portais para impulsionar as vendas diretas, permitindo que os clientes encham carrinhos de compras online e, em seguida, confirmem e concluam a transação por telefone, teoricamente verificando a idade no processo. O marketing online é permitido e a ampla adoção das redes sociais fez crescer uma comunidade de grupos de provas e compras de vinhos.
A atividade online está a ajudar na melhoria da consciencialização e da educação para o vinho na Tailândia, mas o governo restringiu as vendas online. As vendas D2C online foram proibidas no início de dezembro de 2020, numa tentativa de reduzir a facilidade de compra dos consumidores e o consumo mais elevado que se seguiria. Isso forçou os operadores de comércio eletrónico a adotarem modelos B2B, disse o diretor comercial da Independent Wine and Spirits, Michel Conrad.

O amanhecer do novo normal

Portanto, enquanto todos aguardamos o admirável mundo novo que está a despertar com as vacinas, também aguardamos ansiosamente os resultados de longo prazo da pandemia no comportamento do consumidor asiático de vinhos. São de esperar, com o regresso dos restaurantes e bares, que, por um lado, surja um mercado de consumo doméstico consistente e, por outro, um setor de comércio eletrónico cada vez mais sofisticado.

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