Coreia do Sul, mercado a atentar no pós-Coronavírus

A Coreia do Sul esteve no olho do furacão na emergência da pandemia. Mas isso vai passar. E o país certamente recuperará o seu lugar como um dos mercados de vinho emergentes mais interessantes da Ásia para os muitos países e regiões produtoras do mundo que disputam cada gota do oceano de potencial deste continente.


Tratando-se de um dos principais mercados do mundo no consumo per capita de bebidas alcoólicas, beber é considerado uma parte importante da vida social e de negócios na Coreia do Sul. Muitos cometem o erro de pensar que a Coreia é uma mini-China. Mas nada poderia estar mais longe da verdade.

Os espumantes estão a despertar a curiosidade dos consumidores de vinho sul-coreanos. Trata-se do segmento que mais cresce no mercado de vinhos do país, subindo para 18,2% do total de importações - em valor – em 2018, comparativamente aos 5,5% de 2008. A abertura de clubes e bares e os jovens consumidores millenial são considerados os principais impulsionadores da procura. Mas, enquanto as “bolhinhas” estão a crescer, os tintos ainda lideram o consumo no mercado de volume, respondendo por 63,1% das importações de vinho em valor (60,3% em volume) em 2018. Ou seja, os consumidores estão a complementar a sua dieta baseada no destilado a que chamam ‘soju’ com alternativas mais saudáveis e de teor alcoólico inferior.

Apesar do ambiente económico desafiante, 2018 marcou um ano recorde para as importações de vinho na Coreia do Sul, totalizando 244 milhões de dólares, um aumento de 16,2% em relação a 2017. As lojas de descontos - conhecidas como hipermercados - são responsáveis por cerca de 70%. O operador da loja de departamentos Shinsegae L&B, que opera 150 supermercados E-mart e 12 lojas Wine & More, vendeu 60 milhões de dólares em vinhos. O restante foi partilhado entre a cadeia HomePlus, com 140 pontos de venda (operado pela MBK Partners) e a Lotte Mart, que possui mais de 115 lojas. As ‘department stores’ e lojas especializadas em vinho (Tour du Vin, Sap dor, Wine 365, Hakdong Wine e Wineoutlet Lavin) garantiram cerca de 10% das vendas. Estes canais off-trade respondem ao crescente número de famílias de classe média alta que consome vinho em casa, apesar do diferencial de preços, que pode atingir os 40%.

As vendas no retalho superam amplamente as vendas em restaurantes e bares, numa proporção de 80/20, com preços no canal on-trade três vezes superiores ao canal grossista. A taxa de 50% de imposto sobre o álcool e os consideráveis custos de distribuição tornam o vinho um produto premium, desfrutado por um grupo limitado de sul-coreanos.

A ascenção dos sommeliers

O panorama do ‘fine dining’ na Coreia é impressionante, assim como o é o número de sommeliers que estão a surgir neste universo, onde conquistam muitas oportunidades para aprimorarem as suas capacidades em restaurantes com estrelas Michelin e ‘hotspots’ emergentes de restauração. O Sommelier do Ano de 2018 da Coreia do Sul, Year Min Seok Kyung, supervisiona a lista de vinhos no inovador e duplamente estrelado restaurante Jungsik. O vencedor de 2017, Wook Tae Han, é responsável pela carta de vinhos do Kwon Sook Soo, também com duas estrelas Michelin. A vencedora do ano passado, Kim Min-joo, do bar de vinhos de Seul Les Clefs de Crystal, é a primeira mulher a vencer a competição - era uma das três mulheres no top 10 -, um sinal positivo para as mulheres nesta vertente da indústria, apesar do facto de existirem várias líderes femininas no comércio, formação e media. Paul Eun, gerente do Top Cloud 52 e gestor das listas de vinhos dos três restaurantes Top Cloud de Seul, é um premiado sommelier e juiz de vinhos que devotou a sua experiência à educação e treino de novos sommeliers.

O abundante número de hotéis cinco estrelas em Seul abriga alguns talentos igualmente impressionantes. O sommelier do Four Seasons Hotel Ian Seo aponta a diferença da oferta de vinhos no seu hotel daquela patente nas prateleiras dos supermercados, referindo a sua carta, em constante mudança, de vinhos artesanais de escassa produção, bem como a oferta substancial de vinho a copo. Faz parte de uma geração de sommeliers que cresceram na cultura do vinho na Coreia, que procura diversificar as cartas carregadas de Bordéus e Champanhe, para ofertas mais extensas. Os canais on-trade representam cerca de 10 a 15% das vendas de vinho, uma taxa que estagnou devido aos altos custos e à falta de opções acessíveis.

Quando o clima é ameno durante a primavera e o outono, os mercados de vinho ao ar livre florescem, nos quais os importadores montam os seus stands para realizarem provas regulares e onde o público é incentivado a provar e a comprar os seus vinhos. Chamados 'Jang Teu' (와인 장터'), estes eventos são semelhantes aos mercados de rua europeus. Os grandes hotéis também estão em ação. O certame'Walking on the Cloud' é apresentado pelo Sheraton Grande Walkerhill Hotel, o Mayfield Hotel abriga o 'Dionysos Wine & Beer Festival' e o 'Wine and Busker' é realizado no JW Marriott Dongdaemun. Estes mercados complementam grandes feiras, como a Seoul Wine Expo, a Daejeon International Wine & Spirits Fair (sede do Asia Wine Trophy) e o Wine Meets World (WMW). Muitos importadores organizam também as suas próprias provas em Seul, com pequenos importadores por vezes unindo forças para levarem a cabo em conjunto as suas provas e degustações.

Os Jogos Olímpicos de Seul em 1987 impulsionaram a importação de vinho estrangeiro na Coreia do Sul há mais de três décadas. Onze importadores lideraram o caminho; agora existem 500 importadores licenciados de bebidas alcoólicas (embora se estime que apenas 50 estejam ativamente a operar), com os 12 primeiros a responderem por mais de 70% do total de importações. Os principais são as empresas Keumyang International, Lotte Liquor, Shindong Wine, Daeyoo Wine, A-Young Liquor Trading, Nara Cellar, Vinideus, Wine 2U Korea, Boa Trading, Handok Wine, Indulge, HiteJinro e Winenara.

Em 2018, as importações de vinho totalizaram 244 milhões de dólares (40,3 milhões de litros), lideradas pelos vinhos franceses (79,5 milhões de dólares, + 15,8% face a 2017), Chile (46,3 milhões, + 13,9%) e Itália (34,6 milhões, + 15,4 %) O mercado para os vinhos dos EUA, Espanha e Austrália é também saudável.

No geral, os importadores sul-coreanos são tradicionalistas, preferindo marcas famosas com prémios e pontuações Parker. Ironicamente, no entanto, o impacto ose troféus, medalhas e até certificados perde-se nas prateleiras dos supermercados, porque o governo sul-coreano não os reconhece.

Impulsionado pelas previsões de crescimento constante (ainda que modesto), o interesse internacional no mercado de vinhos da Coreia do Sul tem sido positivo. Apesar do ambiente económico desafiador (e da situação atual do COVID-19), as importações de vinho da Coreia do Sul nos últimos três anos marcaram um crescimento médio anual de 8,8%. É provável que as importações de vinho continuem em constante crescimento, à medida que mais sul-coreanos optem pelo vinho em busca de um consumo mais saudável de álcool (no caso dos sul-coreanos mais velhos) e por estilos de vida modernos (sul-coreanos mais jovens). Crê-se que as oportunidades sejam mais fortes no mercado intermédio, para vinhos de baixo a médio preço.

Potencial ou não, 500 importadores representam um aperto considerável - e insustentável - neste pequeno mercado. Especialistas do setor advertem contra o erro de fazer negócios com o parceiro errado. As empresas que desejam entrar na Coreia do Sul devem fazer a sua pesquisa de base ao selecionarem um importador. A paciência é essencial. Como é o caso da maioria dos mercados asiáticos, a presença é fundamental. Visite Seul regularmente para encontrar-se com clientes, ouvir as suas necessidades e garantir que a marca e a sua história tenham um rosto visível. Aqueles que conhecerem o maior sucesso investiram tempo, dinheiro e pessoas.

O crescente número de profissionais do vinho na cena gastronómica da Coreia, juntamente com o crescimento da cultura do vinho, estão a impulsionar a procura por cursos especializados. A WSA Wine Academy dominou o panorama da educação. A Wine Vision School, fundada por Moonsong Bang em 2008, é outro famoso projeto de educação. Há também vários ‘educators’ independentes, como Jin Ho Son, que trouxeram o seu conhecimento de vinhos franceses para a Coreia. Jun Cheol Kim aprendeu enologia na Califórnia e regressou para produzir vinho na Coreia antes de iniciar a sua própria escola de vinhos. O ex-professor da Academy du Vin de Seul, Man Hong Kim, abriu a Manon Wine Academy. E a ex-diretora da WSA Wine Academy, In Soon Lee, começou por si a oferecer formação especializada em vinho.

E, se todos sabemos que o clima internacional está difícil no momento, estamos todos ansiosos para crescer no amanhã. E podemos esperar para ver o comboio de Seul a avançar a toda velocidade quando surgir o novo amanhecer.

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