Cozinheiros e hotéis

Parece que contratar estrelas Michelin e nomes famosos já não importa assim tanto quando falamos de restaurantes nos hotéis de luxo. Estamos perante uma mudança de tendência?

 

Há um século, os melhores restaurantes eram os dos hotéis de luxo. Principalmente porque foi através dos hotéis que a ‘haute cuisine’ irrompeu pelas mãos do grande Auguste Escoffier, em unidades lendárias como o Ritz de Paris ou o Savoy em Londres. Seguiu-se um período em que o público em geral, por vários motivos, não gostava de comer num hotel. Começou o declínio destas salas, limitadas aos próprios hóspedes. Para remediar esta situação, os hoteleiros começaram a abrir portas diretas para a rua que facilitassem o acesso mas, sobretudo, começaram a perceber que um alojamento de categoria deve ter pelo menos um bom restaurante como complemento essencial na oferta para os hóspedes. 
Foi então, já nos anos 80, que as cadeias hoteleiras, grandes e pequenas, decidiram apostar na gastronomia, a tal ponto que alguns dos melhores restaurantes europeus, em que Espanha ou Portugal não são exceção, se encontram nos estabelecimentos hoteleiros. O primeiro hotel de luxo a conquistar três estrelas pelo seu restaurante foi o Hotel de Paris, em Monte Carlo, pelas mãos de Alain Ducasse, com o Luís XV, através do empenho pessoal do então Príncipe Rainier do Mónaco. Ducasse voltou a ter sucesso dez anos depois no Plaza-Athenée em Paris, tornando-se assim o primeiro chefe responsável por dois restaurantes de hotéis com três estrelas.


A partir desse momento, ser chefe de hotel passou a ser uma atração para chefes profissionais, que acolheram com agrado a possibilidade de neles trabalharem. Não há dúvida de que, nos últimos anos, trabalhar num bom estabelecimento hoteleiro tem significado a tranquilidade de receber mensalmente um salário seguro, por vezes muito elevado, face às incertezas do próprio negócio. E também significou ter melhores instalações e amplos recursos financeiros para fazer o melhor trabalho. Obviamente, as grandes cadeias procuram, além de oferecer o melhor atendimento aos seus clientes, o prestígio das estrelas Michelin. E consideram-nas um investimento.


Contratações de nomes sonantes, muitas vezes a golpe de cheques. Ao abordar este tema, recordo-me da espetacular inauguração do maior hotel de Singapura, um dos maiores do mundo, o Marina Bay Sands. As três torres albergam nada menos que 2.561 quartos luxuosos. No passadiço que os liga, conhecido como Sands Sky Park, encontram-se restaurantes, jardins e uma piscina de 150 metros com magníficas vistas panorâmicas para o resto da cidade. E, entre a ampla oferta gastronómica, seis restaurantes com a assinatura de outros tantos chefes internacionais de destaque que contribuem com o seu nome e os pratos mais representativos. Em fevereiro de 2011, um pequeno grupo de jornalistas de diferentes partes do mundo assistiu à inauguração daqueles restaurantes que tiveram por trás nada menos que seis pesos-pesados da gastronomia mundial: Tetsuya Wakuda, Guy Savoy, Mario Batali, Daniel Boulud, Wolfgang Puck e Santi Santamaría . Todos com pelo menos três estrelas por detrás e todos contratados ao preço de milhões de dólares. Lembro-me muito bem dessas datas porque assisti, in loco, à morte de Santamaría, o grande chefe espanhol. Os gerentes do hotel só se preocupavam em exibir as estrelas; após o desaparecimento do chefe, fecharam o restaurante Santi. Já não interessava.

Os tempos estão a mudar?

Mas parece que as coisas começam a mudar. Li por estes dias, precisamente na imprensa francesa, que Alain Ducasse, o pioneiro, deixou a gestão gastronómica do hotel Plaza-Athenée em Paris, depois de duas décadas. Uma mudança deste tipo é sempre uma novidade, mas neste caso é muito mais o facto de Ducasse não ter sido substituído por outro grande chefe carregado de estrelas Michelin, mas por Jean Imbert, um chefe mediático, bem relacionado com os famosos e hábil gestor das redes sociais, que venceu o concurso de televisão Top Chef de 2012 e administra alguns dos estabelecimentos favoritos do ‘jet set’ em Saint Tropez, Miami ou na ilha caribenha de Saint Barthes. Em Paris, é dono do Mamie, restaurante onde se reúne a elite da capital francesa. Ali, Imbert homenageia a avó e foca-se nas receitas caseiras e nos ensopados que a família comia aos domingos. É evidente que o Plaza-Athénée opta agora por um perfil mais “social”, menos gastronómico, e por uma cozinha mais tradicional, longe do luxo e da experimentação. Há pouco mais de um ano, outro luxuoso hotel parisiense, o Prince de Galles, substituiu Stéphanie Le Quellec, que acabara de conquistar a segunda estrela, por um desconhecido chefe coreano, Akira Back. Parece que estrelas e nomes famosos já não importam assim tanto, com as cozinhas mais simples, as salas mais informais e maior rentabilidade, algo impossível de se conseguir com os salários astronómicos de alguns cozinheiros e das numerosas equipas que os secundam. Estamos perante uma mudança de tendência?


Se olharmos para Espanha, a resposta surge bem clara: não. Vejo Madrid, por exemplo, onde há uma explosão de novos hotéis de luxo, enquanto outros hotéis muito tradicionais foram completamente renovados. Hotéis que, mais uma vez, voltam-se para os grandes nomes da gastronomia. E sempre com as estrelas à frente. Assim, o centenário hotel Ritz, agora nas mãos do Mandarin Oriental, reabriu após uma profunda reforma que lhe permitiu recuperar o seu antigo esplendor e colocou a gestão gastronómica nas mãos de Quique Dacosta, o segundo chefe espanhol com mais Estrelas Michelin (o primeiro é Martín Berasategui), com uma oferta ampla e ambiciosa que inclui um restaurante com o qual apostam descaradamente em conseguir os três “macarons” do Guia Vermelho em pouco tempo. Dani García, que também alcançou as três estrelas, mas depois fechou o seu restaurante em Marbella para procurar negócios mais lucrativos, está com uma brasserie, Dani, no hotel Four Seasons, e com uma luxuosa churrascaria, Leña, no Hyatt Regency Hesperia. E para o outono está programado o desembarque de outro ‘triestrelado’, Jesús García (El Cenador de Amós, na Cantábria), ao também luxuoso e também remodelado Rosewood Villamagna. Para o próximo ano, ainda mais inaugurações foram anunciadas nesta linha de alto padrão. Como publicou o jornal económico britânico Financial Times, “Madrid prepara-se para se tornar uma das capitais europeias do turismo de luxo”. E é evidente, a partir destes dados que, apesar das novas tendências em Paris, por ora, o turismo de luxo e as grandes cadeias hoteleiras, continuam a apostar na alta cozinha e nos chefes mais conceituados. Assim como o Marina Bay Sands, em Singapura, o importante é o nome.

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