Debate em torno de uma casta: África do Sul encontra o Loire

Durante três dias, em novembro de 2022, a pitoresca cidade de Stellenbosch, a uma hora de carro da Cidade do Cabo, na África do Sul, foi palco de uma notável reunião de vinhos. Tratou-se da segunda edição do Congresso da Chenin Blanc, realizado pela primeira vez três anos antes em Anjou, França. 

 

Não há nada de muito original em um congresso de vinhos focado numa única casta – já estive em conferências de Sauvignon Blanc na Áustria e na Nova Zelândia, e eventos de Pinot Noir em Oregon e Nova Zelândia, mas a razão pela qual descreveria o Congresso de Chenin Blanc como notável é porque conseguiu realmente unir duas regiões vitivinícolas bastante diferentes num espírito de união e amizade que seria difícil de prever. 

Dos 350 delegados do congresso, realizado no STIAS, nos arredores da cidade, havia 70 viticultores de Anjou, Saumur e Vouvray, no Loire. É um longo caminho para vir do Loire até o Cabo Ocidental, e também há uma barreira linguística. Além disso, havia alguns participantes da Austrália Ocidental, onde a Chenin está a ter um bom percurso, mas em pequena escala, e um britânico solitário – eu. De manhã houve apresentações formais e painéis de discussão, seguidos de almoço e, à tarde, houve uma escolha entre viagens para visitar alguns vinhedos notáveis de Chenin Blanc, e também talvez uma das mais amplas degustações de Chenin Blancs internacionais já realizadas. 

O facto de esta conferência ter ocorrido deve-se em grande parte às amizades mútuas que foram estabelecidas pelos viticultores do Loire e da África do Sul, e talvez mais significativamente entre a responsável da Associação Chenin Blanc na África do Sul, Ina Smith, e Evelyne de Pontbriand, presidente da Academie du Chenin, que criou com Patrick Baudouin para promover a Chenin Blanc. Estas amizades ajudaram todos a superar os obstáculos políticos que tantas vezes inviabilizam as tentativas de colaboração entre regiões.

Se compararmos os melhores locais da Chenin no Vale do Loire de Anjou/Saumur e Vouvray com as do Cabo Ocidental, parecem totalmente diferentes. O Loire é verde e o clima moderado; Western Cape apresenta um clima de estilo mediterrâneo com verões muito quentes e secos. No entanto, a Chenin se destaca em ambos. Isso torna-a uma casta particularmente fascinante. É capaz de produzir vinhos atraentes numa variedade de climas diferentes, e também tem uma capacidade camaleónica de fazer vinhos em estilos muito diferentes, desde secos e leves, minerais e intensos, ensolarados e generosos, doces e complexos. Essa adaptabilidade é um ponto forte, mas pode ser uma barreira para a aceitação do consumidor. O nome Chenin Blanc no rótulo não diz muito a um comprador em potencial sobre o vinho. 

A Chenin tem uma longa história tanto no Loire (registos indicam que foi plantada no século IX em Anjou) como na África do Sul (estava entre as primeiras videiras que chegaram em 1655, quando três variedades foram introduzidas). Conhecido como Steen, não foi até 1963 que o professor C.J Orffer confirmou por ampelografia que Steen era na verdade Chenin Blanc. A África do Sul tem consideravelmente mais Chenin Blanc plantado do que o Loire, a sua terra natal. O congresso viu um espectro realmente amplo de conteúdo, variando de ciência dura a apresentações históricas mais poéticas. Foi realizado em francês e inglês, com tradução simultânea. E houve até uma certa polémica.

Alguns dos participantes não ficaram impressionados com a genética envolvida no trabalho de criação de novas variedades resistentes, que é uma grande ênfase na pesquisa de vinhos no momento. Os cientistas dizem que sem criar novas variedades resistentes ao oídio e ao míldio, será muito difícil tornar as vinhas mais sustentáveis. 

Mas os viticultores mais tradicionais não gostam dessa ideia e certamente não querem perder a Chenin Blanc. Também houve discussão sobre tentativas de sequenciar o genoma de Chenin Blancs para identificar de forma confiável diferentes clones, o que é muito difícil de fazer com as técnicas genéticas existentes que podem diferenciar as variedades. A Chenin tem alguma diversidade clonal, e o trabalho está em andamento para ver qual desses clones pode ser melhor implantado diante das mudanças climáticas, onde o futuro é quase certamente de estações de crescimento mais secas e quentes tanto no Loire como no Cabo. O uso da água e a irrigação também foram temas considerados. Houve também uma discussão sobre como plantar vinhas para as tornar mais sustentáveis e resilientes, e ainda uma sessão sobre viticultura regenerativa. 

Complementando essas palestras mais científicas, houve alguns olhares sobre a neurociência da degustação de vinhos e como isso se relaciona com a Chenin, e também sessões sobre o marketing do Chenin para um público mais amplo. Mas além do conteúdo, que foi excelente, talvez o mais importante tenha sido o fortalecimento das relações existentes e a formação de novas. É algo especial quando o mundo do vinho se junta assim, e talvez seja um incentivo para os viticultores com algo em comum colaborarem mais.

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