Extração

Parte fundamental da produção de vinhos tintos é a extração: ou seja, o processo de retirar componentes de qualidade da película das uvas. Existem muitas maneiras de fazê-lo e esse é um dos aspetos mais interessantes da vinificação. 


Os bagos de uva são constituídos por sementes, rodeadas por polpa, envolvida pela pele. Simplificando, há muitas coisas boas nas películas que queremos extrair nas fermentações de vinho tinto, enquanto há outras coisas nas sementes que é preferível não ter no vinho.

Queremos evitar os 60% de compostos fenólicos presentes nas sementes, porque são de composição diferente dos taninos da película, considerados mais amargos. Alguns serão extraídos, é claro, mas é bom minimizar essa extração. Portanto, qualquer protocolo de vinificação enfrenta um dilema: a extração curta vai minimizar a extração do tipo errado de tanino, evitando o amargor, mas ao mesmo tempo pode não permitir retirar quer compostos aromáticos suficientes, quer a cor estável das películas. Este dilema levou a todos os tipos de abordagens engenhosas na adega. Mas uma destas, muito tradicional, tem sido amplamente utilizada em Portugal: a pisa a pé nos lagares. Para além de ser uma peça-chave na produção de Vinho do Porto, disseminou-se e está a ser cada vez mais usada para vinhos tintos de topo.

Os lagares são a chave do processo de pisa a pé. São recipientes de fermentação lisos e pouco profundos, geralmente feitos em granito, mas também já os vi feitos em mármore e aço inoxidável. São cheios de uvas, que podem ser desengaçadas, ou em cachos inteiros. O pé humano é particularmente bom para pisar uvas, porque exerce pressão suficiente para esmagar as cascas e a polpa, extraindo os componentes de qualidade, enquanto deixa os caules e as sementes intactos – os quais têm potencial para adicionar amargor e sabores vegetais.

O desafio na elaboração do Vinho do Porto é extrair tudo das películas num período muito curto, de dois a três dias. A fermentação é interrompida enquanto ainda resta muito açúcar no vinho, através da adição de aguardente incolor de elevada concentração. As películas e o mosto ficam permanecem em contacto apenas por alguns dias e, por isso, é necessário extrair o máximo, o mais rápido possível. Todas as noites há duas horas de pisa regimentada chamada corte, seguida de pisa livre (geralmente com dança) chamada liberdade. O Vinho do Porto é um dos extremos da extração: muito, em pouco tempo, mas o mais suavemente possível. 

A outra vantagem conferida pelos lagares é que são rasos e, portanto, as películas ficam em maior contacto com o mosto. Naturalmente, quando a fermentação começa, sobem ao topo e formam uma cobertura. Portanto, quanto maior a área de superfície em relação ao volume no lagar, maior será o contacto entre o vinho em desenvolvimento e as películas.


Da tradição à modernidade

Mais do que um artefato histórico, estes antigos lagares são muito procurados por quem faz vinhos de mesa no Douro e noutros locais de Portugal. E há até novas adegas que são equipadas com lagares de aço inoxidável. Uma concessão à modernidade é que muitas vezes são equipados com alguma forma de controlo de temperatura.

Outra forma de extração rápida é um grupo de técnicas que se enquadram na categoria de extração a quente. A ideia de aquecer as uvas para facilitar a extração das películas é antiga mas, apesar de algumas engenhocas impressionantes do início do século 20 idealizadas com esse processo em mente, nunca se popularizou até aos anos 60. Em França, quando uma série de más colheitas aumentou o interesse no tratamento térmico das uvas, a principal motivação não era necessariamente a extração, mas a inativação das enzimas na casca das uvas que foram infetadas por Botrytis cinarea, que podem causar oxidação.

O princípio por trás da extração a quente é que as uvas são aquecidas antes da fermentação para facilitar a extração. As uvas são tipicamente aquecidas a 50-90ºC e mantidas por um certo período. Em seguida, as uvas sofrem pressão - imediatamente ou após uma curta fermentação com películas - e fermentam em fase líquida, fora das películas, como se faria com um vinho branco. A ideia é que esta extração rápida permite retirar o que deseja: antocianinas e compostos e precursores aromáticos, e apenas um pouco de tanino. E é fácil controlar a temperatura de fermentação.

Em França, o termo termovinificação é reservado para macerações curtas (uma hora ou pouco mais) a altas temperaturas, enquanto a MPC (macération préfermentaire à chaud) descreve a pré-fermentação a 70ºC por um período mais longo (normalmente 12h), seguida por fermentação em sólido ou em fase líquida. Na Alemanha, existe uma técnica chamada KZHE, que é um tratamento curto a alta temperatura (2 minutos a 85ºC) seguida por 6-10h a 45ºC e fermentação em fase líquida. Flash détente é uma técnica de extração de calor que envolve aquecer as uvas a 85ºC por um curto período de tempo por injeção direta de vapor e, em seguida, usar um vácuo para que a água no interior das células ferva, tornando tudo muito mais extraível. Isso pode reduzir o carácter vegetal e é bom para uvas que não estão totalmente maduras. Também ajuda a manter o perfil varietal do vinho, que se pode perder com algumas das outras técnicas de termovinificação: um problema comum citado nessas técnicas são os aromas padronizados e descritores associados a iogurte de banana.

Até agora debruçamo-nos sobre técnicas de extração curtas e rápidas. Na outra extremidade do espetro está uma técnica pós-fermentativa de maceração da película. Se a extração que ocorre durante a vinificação do Vinho do Porto – rápida, por dois ou três dias, principalmente na fase aquosa - está num extremo, então a maceração pós-fermentativa com as películas em contato com o mosto e o vinho está no outro. Em alguns casos, pode durar até um ano, mas normalmente dura entre 30 a 90 dias.

A experiência dos enólogos mostra que, ao contrário do que se poderia esperar, ao fazer uma maceração muito longa, a sensação do vinho na boca muda: em vez de ser áspero e tânico, verifica-se algum tipo de química complicada onde os taninos e as antocianinas se recombinam e produzem polímeros pigmentados com sabor menos áspero. A química é um pouco incerta, mas parece que toda a polpa da uva no recipiente fermentador pode estar a filtrar também os taninos. Os taninos das sementes, que todas as técnicas de extração curta parecem minimizar, são extraídos. Mas algo acontece com estes porque os vinhos resultantes não têm gosto amargo. É algo um pouco misterioso.

Entre estes dois extremos, há muitas formas de extrair a cor e os taninos das películas. Parece agora claro que não há receitas formatadas: a abordagem adotada depende dos objetivos quanto ao perfil dos vinhos, da região, da variedade da uva e também da colheita. É realmente um tópico muito interessante.

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