Fizzy Britain!

A Wine Detective investiga a crescente fortuna dos vinhos da Grã-Bretanha, entre os quais os famosos espumantes do sul.

 

No ano do Jubileu de Platina da Rainha, pareceu-me apropriado dedicar um artigo à crescente fortuna dos vinhos do meu país. Por essa razão, inscrevi-me na prova anual Wines of Great Britain  - pela primeira vez em mais de uma década. Mal poderia saber que, no momento em que assinava a inscrição, esta ilha iria reverter para um 'trono real de reis' (como disse Shakespeare) após a morte repentina de Sua Majestade.


O reinado de 70 anos e 214 dias da rainha Isabel II foi o mais longo de qualquer monarca britânico. Durante a maior parte da segunda era elisabetana, os vinhos da Grã-Bretanha eram alvo de piadas. Produzidos por amadores, não havia muito sobre o que escrever - mas este século revelou-se como um momento decisivo. Impulsionada pelo investimento de empresários e casas de Champagne, a plantação de vinhas aumentou de cerca de 700 ha. em 2000 para mais de 4.000 ha. na atualidade, as quais fornecem 197 produtores. Quanto à qualidade, superando a concorrência de Champagne, a Rainha servia regularmente em banquetes de Estado os vinhos espumantes produzidos segundo o método tradicional inglês (agora oficialmente designado 'Great British Classic Method') e permitiu mesmo que uma vinha fosse plantada nos terrenos do Castelo de Windsor em 2011.


As primeiras vinhas foram plantadas no reinado de Henrique II (1154-1189) durante o chamado Período Quente Medieval – uma época de clima quente na região do Atlântico Norte que durou até cerca de 1250.
Quando participei na prova anual da Wines of Great Britain, no dia 6 de setembro, encontrei uma indústria transformada. Os produtores e, mais importante, os vinhos, exalavam profissionalismo. Em contraste com a última prova desanimadora em que participei, na qual muitos vinhos revelaram-se sujos ou azedos e verdes, este ano todos os vinhos estavam bem feitos, limpos, maduros e varietalmente corretos. Todos estavam frescos (uma marca registada do nosso clima) e muitos estavam deliciosos. A ambição e o burburinho em torno dos melhores vinhos – espumantes e tranquilos – eram palpáveis.


E, quem apostar nas castas da Grã-Bretanha do século XX, dificilmente chegará ao nível dos melhores vinhos de hoje. O aquecimento global do Antropoceno provocou uma revolução varietal. Como o nosso clima é menos marginal, os produtores não dependem de híbridos e cruzamentos de castas de maturação precoce ou resistentes a doenças, como Bacchus, Seyval Blanc, Ortega, Solaris e Reichensteiner. São tão século passado! Em vez disso, as variedades de Champagne dominam. Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier representam 71% do total de novas plantações da Grã-Bretanha, explicando por que razão os vinhos espumantes da Grã-Bretanha (98% elaborados pelo método tradicional) representam agora cerca de dois terços da produção.

O jardim de Inglaterra

Com mais de 250 vinhos para amostra, foi o interesse pessoal que motivou o meu foco de análise em Kent, para onde irei residir. Há muito conhecido como “O Jardim da Inglaterra”, o condado mais a sudeste do país beneficia de boas condições de plantação graças ao clima ameno e baixa precipitação. Com investimento e experiência inigualáveis, os produtores da nova vaga do século XXI já estão a obter resultados impressionantes em vinhas com vários anos. Dado o impulso imprevisto durante a pandemia (as vendas aumentaram quase 70% nos últimos dois anos), Simon Thorpe MW (CEO da Wines of Great Britain) destacou “o aumento estratosférico da importância do enoturismo e das vendas diretas ao consumidor”, que representaram 57% de todas as vendas em 2021. Pós-pandemia, o canal direto ao consumidor e o enoturismo continuarão a prosperar? Suspeito que sim. O movimento locavore está vivo e saudável, capaz de suportar os mercados de agricultores em todo o país. Quanto aos turistas que chegam, uma pesquisa recente do VisitBritain sugeriu que 42% gostariam de visitar uma adega. Assim como os vinhos, as portas das adegas transformaram-se em algo mais que a loja rústica da quinta que visitei pela primeira vez há 20 anos.


Tomemos como exemplo a Gusbourne Estate, em Appledore, Kent. Com a primeira vinha plantada em 2004, abriu em 2017 o ‘The Nest’, um ambicioso centro de visitantes projetado por arquitetos de nomeada com uma variedade de provas, passeios e almoços, um dos quais apresentado pela Master Sommelier Laura Rhys, embaixadora global da Gusbourne. Os espumantes da Gusbourne são dos meus preferidos. A minha admiração só aumentou após a prova recente do impressionante cuvée 2013 Brut Reserve Late Disgorged da Gusbourne, cuja qualidade justifica o preço de £99.


Quanto a outras dicas da prova de Kent, a Balfour Winery em Staplehurst (que arrancou em 2002) continua a produzir um excelente espumante rosé pelo método tradicional. Os vinhos tranquilos rosé das castas Chardonnay e Pinot Noir e outros tintos juntaram-se à gama e, como os da Simpsons em Barham (criada em 2014), sem dúvida revelarão todo o seu potencial com o envelhecimento das vinhas. 
Fundada em 2001, a pioneira Chapel Down, em Tenterden, tem uma ampla oferta de espumantes e vinhos tranquilos. Aromático, com um perfil floral semelhante ao Sauvignon Blanc, o vinho de mesa da casta Bacchus é ainda é uma referência introdutória a esta variedade tradicional. Com profundidade e camadas, o meu Chardonnay tranquilo do dia - a estreante colheita, de 2019, do lançamento de edição limitada 'Kit's Coty' da Chapel Down - vem de um único lote de clones da Borgonha plantado em 2008. Localizado em East Sussex, na fronteira de Kent, os espumantes orgânicos da Oxney têm acidez e dosagem suculentas, lindamente integradas, bem como um delicioso equilíbrio natural. Plantada em 1969 na vinha original de Kent, a Biddenden - um negócio familiar de terceira geração - é o lugar para provar uma extensa gama de vinhos feitos a partir de híbridos e cruzamentos franceses e alemães do século XX. Variedades que um Master of Wine procura colocar de novo em evidência. O projeto 'Lost in a Field' de Tim Wildman levou-o a percorrer colinas e vales de Inglaterra e País de Gales em busca de vinhas antigas e abandonadas.


No seu conjunto, a Wines of Great Britain está a prosperar. O nosso novo rei deve tomar nota do facto. Reconhecido por defender a sustentabilidade, o rei Carlos III revelou no ano passado que o seu Aston Martin DB6 vintage é movido a um bioetanol ecológico proveniente de “excedentes de vinho branco inglês e soro de queijo”. Dados os enormes saltos da indústria em qualidade e vendas, suspeito que Sua Majestade possa ter dificuldades em encontrar no futuro vinho inglês excedente
 

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