Grenache, casta em contínua evolução

Existem mais de 1.500 variedades diferentes de banana mas, “notoriamente”, diz Dan Saladino, apenas uma - a Cavendish - domina o comércio global. Devo confessar que este tema passou-me ao lado; no entanto, estou bem ciente da causa justa pela qual o escritor de gastronomia brande a banana Cavendish.


O novo livro de Saladino, ‘Eating to Extinction’, desafia as suposições de que a nossa dieta é mais ampla do que a dos nossos ancestrais. Fiquei chocada ao ler que o arroz, o trigo e o milho fornecem 50% da ingestão calórica mundial e, das 6.000 espécies de plantas que os humanos comeram ao longo do tempo, o mundo agora alimenta-se principalmente de apenas nove.
As grandes empresas, relata Saladino, estão a despertar para a insanidade da monocultura. “Ao criar campos de trigo idênticos, abandonamos milhares de variedades altamente adaptadas e resilientes”, escreve. Em contraste sóbrio, observa o autor, o conteúdo estomacal preservado d’”O Homem Tollund” revelou que o residente da Jutlândia do século IV a.C. gostava de cevada, linho e das sementes de 40 plantas diferentes nas suas papas.
Ler sobre o “Tollund Man” recordou-me do episódio "Ipswich Man" da History Cold Case. Neste programa da BBC, os cientistas forenses usaram dados de isótopos ósseos do esqueleto (século XIII) para ajudar a identificar a sua nacionalidade. Os rácios de isótopos de carbono e nitrogénio em dentes e ossos humanos podem ajudar a identificar a história de vida ambiental e dietética de um indivíduo. O “Homem de Ipswich” não era de Essex, mas sim um clima quente, costeiro e equatorial. Todas as evidências apontavam para a Tunísia, a quase 3.000 quilómetros de distância.


No passado, escreve Saladino, a comida era “o produto de um lugar e as colheitas eram adaptadas a um determinado ambiente, moldadas pelo conhecimento e pelas preferências das pessoas que ali viviam, bem como pelo clima, solo, água e até altitude”. Dadas as dietas homogéneas de hoje, os cientistas forenses de amanhã podem ter dificuldade em identificar a nacionalidade com base no conteúdo estomacal ou nos dados de isótopos ósseos. É, concedo, a menor das nossas preocupações. Mas Saladino argumenta que devemos estudar os alimentos e culturas ameaçadas de extinção e entender as razões do seu declínio, “porque a nossa sobrevivência depende disso”.

Variedades adaptadas

Os comentários de Saladino ressoaram durante um webinar que co-apresentei, mostrando seis Grenache da nova onda australiana do McLaren Vale e Barossa, em antecipação do Dia Internacional de Grenache. As duas regiões estão localizadas em ambos os lados de Adelaide, que é confortavelmente a cidade mais seca da Austrália. O seu stock de videiras Grenache veio de mudas obtidas na década de 1830 numa das cidades mais secas da França, Perpignan. Em 1862, o The Adelaide Advertiser relatou que a Grenache “prosperava melhor do que qualquer outra variedade” na Austrália do sul.
Tendo sido a variedade mais plantada do país até meados da década de 1960 e a variedade mais produtiva até meados da década de 1970, hoje a Grenache representa cerca de um por cento da área cultivada de vinhas da Austrália e da vinificação anual de uvas do país. O que explica o rápido declínio de uma variedade tão adaptada e resiliente?


O plantio e a produção caíram quando a Austrália deixou de fazer vinhos fortificados para passar a produzir vinhos tranquilos. Durante o boom da plantação de castas para vinho de mesa na década de 1980, as variedades Chardonnay, Riesling e Cabernet Sauvignon prosperaram à custa da Grenache, embora não fossem tão adequadas para regiões australianas quentes e secas como McLaren Vale e Barossa.
No século XIX, a produção australiana concentrou-se em vinhos de mesa, não em vinhos fortificados; portanto, o retorno da indústria à produção de vinhos tranquilos na década de 1980 não explica necessariamente o fim da Grenache. Em vez disso, os produtores australianos concentravam-se em variedades mais conhecidas e, portanto, mais ‘exportáveis’, do que a Grenache. Com o advento da irrigação, já não parecia ser relevante que uvas mais sedentas como Chardonnay, Riesling e Cabernet Sauvignon não pudessem ser cultivadas em sequeiro. No entanto, não se pode confiar na muleta da irrigação numa emergência climática, quando ter o suficiente para beber e irrigar culturas alimentícias é a prioridade. Consequentemente, a maré está a mudar lentamente a favor da Grenache em McLaren Vale e Barossa.


Na medida em que os produtores daquelas regiões procuram novas variedades, algumas ilações foram retiradas. E é provável que surjam na forma de “variedades adaptadas” de climas mediterrânicos (ou ibéricos) igualmente quentes e secos, por oposição ao norte de França. Por exemplo, Touriga Nacional ou Nero d’Avola. Quanto à Grenache, embora a familiaridade com essa veterana australiana gerasse desprezo, hoje em dia os estudos sobre a variedade estão a render grandes dividendos. Tratada com respeito (baixo rendimento e vinificação sensível), os produtores de Barossa e McLaren Vale estão a descobrir que a Grenache é versátil e está bem posicionada para beneficiar da popularidade crescente de vinhos tintos mais leves e de corpo médio.
Elaborada em estilos que vão do brilhante e crocante ao estrutural e complexo, os produtores levam a Grenache a um público mais amplo. A casta teve um crescimento excecional no retalho australiano e as exportações aumentaram para a maioria dos dez principais destinos da Austrália. A única restrição é a oferta, por causa da pequena área de vinha e da quantidade significativa de material de vinhas velhas com baixo rendimento - especialmente em McLaren Vale e Barossa, que lideraram a revolução Grenache.
A partir de uma base pequena, o plantio está em crescendo. Espero que a Grenache das novas vinhas da Austrália capitalize no amor contínuo do mundo com o rosé mas, quantitativamente, a Grenache australiana não será um grande ator no cenário mundial. Felizmente, a sobrevivência da variedade não depende disso. Em 2017, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho informou que 163.000ha de Grenache são plantados globalmente; França e Espanha respondem por 87%.


Por outro lado, para além de um punhado de castas (nomeadamente Tinta Roriz e Alvarinho), a continuidade da existência das castas portuguesas repousa sobre os ombros dos produtores portugueses. Já escrevi sobre as vantagens da arca do tesouro de uvas autóctones de Portugal, mas o seu valor não pode ser exagerado. O mês passado, provei dois novos vinhos excelentes do Douro - Quinta de Monte Xisto Oriente 2018 (60% Tinto Cão e 40% Tinta Francisca) e 'Castas Escondidas' Tinto 2018 da Casa Ferreirinha (um blend de vinhas com múltiplas variedades menos conhecidas, incluindo Touriga Fêmea, Tinta Francisca e Marufo). É maravilhoso ver grandes nomes e produtores boutique estenderem-se além dos suspeitos do costume.
 

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