Há vinho além do vidro

As garrafas são uma dor de cabeça. Faltam modelos e, as que há, estão caras. Quem tenha tesouraria, que as compre e se resguarde. A queixa unânime dos produtores portugueses seria fácil de resolver se o problema fosse local. Mas não é.

 

Após um artigo que retratava as dificuldades dos engarrafadores em Portugal, baseado num estudo da associação ANCEVE, a Drinks Business fez uma peça sobre a situação em França, que difere pouco da nossa.

Tal como em Portugal, a produção de vidro para embalagem em França está concentrada em muito poucos fornecedores, o ritmo de produção desceu no período covid, período no qual o consumo não desceu e, portanto, os stocks desapareceram. No pós-covid, está penalizada pelo preço dos combustíveis. Note que os fornos de vidro operam com base em gás, a tecnologia não permite convertê-los para eletricidade.

A ser verdade que as causas são as anunciadas e só estas, será ou seria de esperar que a situação se vá corrigindo ao longo do tempo. Por um lado, os fornos estão de novo a produzir a 100% e, por outro, a cotação dos combustíveis já parece ter passado o seu pico e o próximo inverno ainda vem longe.

Julgo, porém, que esta crise foi o ponto de viragem que nos vai confrontar com novos desafios para os quais as empresas se devem posicionar para dar as respostas mais competitivas.

O primeiro é o fim do pressuposto de que, salvo excepção, o vinho segue engarrafado em vidro. É certo que já se vendia muito vinho em bag in box, não só vinho de entrada mas até vinhos de maior valor, com mercados interessantes, por exemplo no norte da Europa. Mais recentemente, a lata passou a ser um vasilhame habitual mas os números ainda não brilham.

 

 

Os monopólios nórdicos serão um impulsionador desta conversão e o mote é o da sustentabilidade na vertente ambiental. Cada vez mais abrirão tenders para outro tipo de embalagens. A imagem que ilustra este artigo, da Alko Finlandesa, expressa bem essa preocupação, que é aliás impressionante nos números. Os compradores, os “gatekeepers”, pedirão vidro mais ligeiro ou embalagens mais amigas do ambiente. As normas de certificação ambiental reforçarão esta necessidade.

O problema com que nos defrontamos é que o mercado ainda não oferece a solução ideal, um vasilhame económico, mecanizável, que caiba nos escaparates e no frio e que traduza uma noção de valor equivalente à do vidro. Estamos num processo de conversão que, certamente, vai clarificar-se aos poucos. 

O segundo é a do engarrafamento no destino. Não se surpreenda se mercados distantes e de volume, como os EUA e o Brasil, comecem a exigir ou, pelo menos, a beneficiar o engarrafamento no destino. Já se deu conta de que 30% do peso (kg) das suas exportações é vidro? Com base nos dados de exportações de vinho português relativos a 2022 emitidos pelo IVV/INE e, num cálculo fortemente conservador, os produtores portugueses exportam mais de 137.000 toneladas de vidro. Surpreendido com o número, fiz e refiz os cálculos. É mesmo assim. As videiras deviam pagar-nos dado o sucesso que temos para colocar o produto deles nos cinco continentes!

Para um brasileiro ou um norte americano, este dado tem outra perspetiva. Em primeiro lugar ambiental. Lá também há vidro: não faz sentido nenhum andar a transportar vidro por meio mundo, com os custos ambientais decorrentes. Ser amigo do ambiente não é comprar 400 gramas de vidro que atravessaram o planeta sem necessidade. Subjacente há, claro, um argumento económico. Sendo feito no destino, o engarrafamento acresce valor lá e não cá. Dado que são eles que compram…

Uma consequência negativa redução do uso de vidro será sentida pela cortiça. Habituamo-nos a achar que o desafio da cortiça eram os vedantes sintéticos ou o screw cap. E assim era. Porém, como pode haver cortiça sem vidro? Não são boas notícias para o nosso país. A combinação vidro+cortiça é valorizadora do produto na perspetiva do cliente.

Os processos de mudança de paradigma são sempre repletos de incertezas. Há que encará-los com serenidade. As garrafas de vidro não vão acabar, nem sequer reduzir-se a quase nada de um dia para o outro. Mas perceber que a mudança está a acontecer e dispor de soluções para dar ao cliente é fundamental.

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