O assunto despertou-me atenção através das redes sociais do Vintners Project, que citava a The Drinks Business.
A carta de vinhos da cadeia norte-americana de restaurantes Morton´s está a segmentar as referências de acordo com as supostas calorias atribuídas ao estilo de vinho de cada país. Os tintos portugueses e espanhóis apresentarão 600 calorias, os sul-africanos idem, os tintos argentinos ascenderão às 605 calorias, valor idêntico aos chilenos e uruguaios, cabendo aos tintos australianos e neo-zelandeses a proeza de 610 calorias por garrafa.
O assunto despertou-me atenção através das redes sociais do Vintners Project, que citava a The Drinks Business. De fonte em fonte, dei com a notícia. A carta de vinhos da cadeia norte-americana de restaurantes Morton´s está a segmentar as referências de acordo com as supostas calorias atribuídas ao estilo de vinho de cada país, o que não deixa de ser curioso atendendo ao menu particularmente substancial e carnívoro da Morton´s, uma conhecida rede de steakhouses.
De acordo com a imagem partilhada no Twitter por Mike Ratcliffe, produtor da sul-africana Vilafonté, é possível ver a escala supostamente pensada para garrafas de 75cl. Os tintos portugueses e espanhóis apresentarão 600 calorias, os sul-africanos idem, os tintos argentinos ascenderão às 605 calorias, valor idêntico aos chilenos e uruguaios, cabendo aos tintos australianos e neo-zelandeses a proeza de 610 calorias por garrafa.
Os cálculos parecem-me redutores e questionáveis. Redutores porque assumem que os vinhos tintos de um determinado país são todos iguais, independentemente das regiões, das castas ou do perfil do produtor; questionáveis porque terão uma base científica mais assente em projeções do que em análises rigorosas.
Porém, independentemente do chorrilho de comentários que o tweet e consequente notícia geraram, parece-me mais pertinente perceber se este será um possível caminho de futuro nas cartas de vinhos dos restaurantes. É provável que sim, pelo menos em parte da restauração.
O consumidor atual é atento e informado, dispondo de ferramentas de conhecimento, de informação e também contra-informação, em quantidade, diversidade e formatos como não há paralelo na história. A exposição diária a um excesso de informação – a verdadeira, a duvidosa e a falsa – alerta-nos para um sem número de questões sobre as quais estávamos menos habituados a pensar ou refletir, quem sabe até sequer nos lembraríamos.
Se nos anos 60 e 70 do séc. XX os pivots dos telejornais orgulhavam-se de apresentar-nos informação de cigarro aceso na mesa dos estúdios, hoje acender um cigarro nas proximidades de alguém parece um ato de terrorismo. A sociedade ocidental alterou-se, privilegia hábitos saudáveis de alimentação e de estilo de vida que se interiorizaram como dogmas de bem, transversais às diferentes gerações, ainda que muitos os advoguem e poucos realmente os pratiquem.
Inevitavelmente, tudo o que está relacionado com o consumo de álcool sofrerá e o vinho não é exceção. Mesquinhice, perseguição? Talvez inevitabilidade face aos dias que vivemos.
O caso irlandês
Recentemente, a Irlanda anunciou a imposição de um preço mínimo de venda de bebidas alcoólicas. Nenhuma medida de bebida contendo 10gr. de álcool pode ser vendida abaixo de 1,00€. Já o preço mínimo de venda de uma garrafa de vinho de 75cl., com teor alcoólico de 12,5%, passou a ser de 7,40€.
As estatísticas de consumo de álcool em 2019 na Irlanda indicavam que cada irlandês, a partir dos 15 anos, consumia em média 10,8 litros de álcool puro por ano – o equivalente a 113 garrafas de vinho, 40 garrafas de vodka ou 436 cervejas. As autoridades irlandesas acreditam que a decisão vai permitir, a curto prazo, encurtar em -15% o consumo de álcool junto dos principais consumidores e em -3% nos consumidores moderados.
O caso irlandês é o que mais se debate na Europa mas não é o pioneiro. Em 2018, a Escócia tornou-se no primeiro país do mundo a fixar um valor mínimo de venda de uma medida de álcool, na altura equivalente a 0,68€.
Ainda no contexto europeu continua na ordem do dia a possibilidade de inserção, nos rótulos das garrafas de bebidas alcoólicas, de imagens choque semelhantes às que os maços de tabaco passaram a ostentar. A possibilidade tem sido aventada já para 2026, mas nada parece totalmente decidido. O lóbi das bebidas alcoólicas, vinho incluído, tem tentado dissuadir os dirigentes europeus, sublinhando a injustiça da medida. O vinho, em particular, alega a falta de rigor, o radicalismo e a inexistência de estudos suficientemente válidos que permitam sustentar uma decisão dessas que, queiramos ou não, resfriará sempre algo mais o consumo. A par disso, o setor tenta posicionar-se à parte das restantes bebidas alcoólicas, revindicando factos histórico-culturais na cultura europeia que nenhuma outra das bebidas pode reclamar. Se me é permitida a brincadeira, ainda muita água irá correr sobre este dossiê…
No início da minha adolescência lembro-me de fumar os primeiros cigarros no recreio da escola, às escondidas, e de comprar cigarros avulso, nas tabacarias das redondezas, sem que ninguém me perguntasse a idade ou exigisse identificação. Deixei entretanto de fumar há uns bons anos e apercebo-me que o ato passou, entre os mais novos, a estar longe do estatuto “cool” entre pares. Mas, se pessoalmente saúdo essa evolução, confesso que fiquei embasbacado quando, há dias, proibiram a minha filha de registar o Euromilhões. Estava ao meu lado e tive eu que fazer a operação porque, explicou-nos a funcionária, a princesa ainda é menor e o jogo só é permitido a maiores de idade. Mesquinhice, excesso de zelo? Talvez inevitabilidade face aos dias que vivemos.
A forma como as marcas de bebidas alcoólicas, vinho incluído, comunicam e promovem produtos também sofrerá alterações significativas nos próximos anos. As principais redes sociais já deixaram alertas a esse respeito e, a confirmar-se um cenário mais restritivo, os Media tradicionais também acabarão afetados.
Chegaremos ao ponto de ser totalmente proibido um spot de rádio ou de tv sobre bebidas alcoólicas, eles que apenas podem ser difundidos em horário noturno? Poderá um jornal ou revista continuar a publicar um anúncio publicitário com a imagem destacada de uma garrafa ou de um rótulo?
Não tendo uma bola de cristal, antevejo limitações. Implicará isso um esforço acrescido dos produtores, das marcas, das agências de publicidade e de comunicação, dos copywriters. Todos deverão desde já começar a magicar fórmulas alternativas de comunicação, em que a mensagem que desperte a vontade de adquirir o produto seja criativa sem se focar apenas na garrafa, talvez até sem a mostrar.