Microbiota: o lado oculto do terroir

A noção de terroir, na versão mais genérica, deixa de fora um dos componentes essenciais: os microrganismos, ou microbiota, que habitam os solos.

 

Atualmente, a palavra terroir é um aríete brandido pelo novo ‘connaisseur’ para se diferenciar do leigo, amplamente entendida como o principal elemento de identificação de um vinho. O terroir expressa-se pelo local de cultivo, os solos, clima e microclima, nas mãos do trabalho humano, dotado de amplo conhecimento da viticultura. Destes elementos, todos reconhecem que o solo desempenha um papel transcendental em relação aos minerais do subsolo e que estes imprimem a “personalidade mineral” do vinho. No entanto, os verdadeiros protagonistas dos sabores são os microrganismos, ou microbiota, que habitam os solos. Também não devemos esquecer que a vegetação selvagem do exterior, a temperatura do solo e o pH serão decisivos. Se alguns microrganismos vivem melhor em certas temperaturas do que outros, o mesmo acontece com o pH.


Diz-se que o elemento mais concludente que intervém na personalidade dos vinhos é a idade da vinha, para além da utilização das castas mais adequadas ao geoclima, uma cultura pouco intervencionista e o controlo do ciclo vegetativo. Quando se assegura que uma vinha antiga é melhor, pensava-se até recentemente que o era porque as raízes mais abundantes e profundas, ao cruzar as diferentes camadas minerais, eram responsáveis por grande parte do sabor; o que é erroneamente chamado de “mineralidade”. Porém, os verdadeiros atores do solo não são os minerais, mas os microrganismos que povoam o ambiente da raiz e diferenciam-se conforme o tipo de solo. Quando, por exemplo, se diz que o vinho tem um toque mineral característico de giz, não significa que esse sabor se deva ao facto de a raiz se nutrir da camada calcária, mas sim aos microrganismos que o habitam e que são diferentes, consoante os solos sejam de argila, xisto ou granito. Algo como se microrganismos específicos gostassem de viver num determinado tipo de solo, transmitindo ao vinho o “sabor mineral” que é inerente à relação dos microrganismos com o mineral, não do mineral com as raízes das plantas. Essas bactérias do subsolo são chamadas de microbiota.


O microbioma, como genoma da microbiota, é o estudo aplicado à identificação de microrganismos encontrados em todos os seres vivos e plantas e que dois investigadores de León, Alberto Acedo e Adrián Ferrero (www.biomemakers.com e www.wineseq.com), têm aplicado à viticultura do subsolo, onde a “vida microbiana” marca grande parte do terroir. Os cientistas desenvolveram toda a tecnologia para diagnosticar a deteção de microrganismos em solos, na fermentação, nas uvas... Ambos são os fundadores dessas duas startups com filiais na Califórnia e Valladolid, empresas especializadas na identificação e compreensão do microbioma através do ADN, usando um sistema informático. Este sistema fornece informação detalhada e recomendações que permitem ao cliente melhorar a produção agrícola, a identidade do vinho em relação ao solo ou a qualidade dos seus produtos. No caso da Wine Seq, esta empresa de serviços permite a construção do perfil microbiano personalizado da vinha do cliente, fazendo um diagnóstico precoce dos microrganismos e das propriedades de cada terroir.

Paisagens virgens transfronteiriças

Nas zonas mais despovoadas da fronteira com Portugal (Trás-os-Montes, Cáceres, Salamanca, Zamora, Leão e Ourense) o subsolo apresenta uma rica e abundante biodiversidade em microrganismos devido às escassas mobilizações do solo e ao grande número de vinhas velhas, muitas das quais selvagens e ao abandono. O matagal espontâneo é entremeado por estas vinhas e os microrganismos e leveduras, potenciados pelo vento, desenvolvem uma especial “homeopatia natural”. De acordo com estes dois investigadores, as plantas atraem certos microrganismos que as ajudam a sobreviver. A planta segrega hormonas e seleciona os microrganismos com os quais pode fazer uma simbiose. A planta mantém e estimula aqueles que estão mais relacionados consigo. Assim, se a vinha se instala entre o mato e a vegetação rasteira, cede outros microrganismos, além dos do solo onde estão ancoradas as cepas. E mantém aquele traço selvagem que tinha enquanto estava abandonada. É verdade que, no domínio da agricultura, parece que está a implementar-se a prática da “homeoterapia”, pulverizando a vinha com uma infusão composta por especiarias e diferentes ervas para as transferir subtilmente para o vinho e, supostamente, enriquecer os sabores.


Esta intervenção humana nasceu na realidade da influência de fatores externos na vinha. Em dada ocasião, ao visitar um produtor na área de Utiel-Requena, em Valência, os proprietários exibiram com orgulho a mineralidade dos seus vinhos. Quando os provei, percebi um notável aroma de argila terrosa que eles confundiram com mineralidade. Achei que a causa fosse o cimento não revestido dentro dos tanques de cimento dos vinhos armazenados. Algumas horas se passaram e um funcionário da adega disse-me inocentemente, sem ter estado presente na minha prova, que poucos dias antes haviam pavimentado a estrada de terra que, com a passagem dos camiões, cobrira as vinhas de poeira. Deduzi que esse pó era a causa do gosto. Mais tarde, quando pavimentaram a estrada, esse sabor desapareceu. Já houve casos de uma vinha próxima de uma autoestrada que conferiu ao vinho um tom salgado devido ao sal usado para eliminar a neve do asfalto. Nos incêndios recentes na Califórnia comprovou-se que o fumo afetou o sabor dos vinhos.


Quando questionado sobre qual o melhor solo para a vinha, Alberto Acedo respondeu: “Para mim, será qualquer solo que guarde melhor a temperatura ou seja mais estável ao longo do tempo. Se tivermos muitas mudanças de temperatura, isso pode afetar as comunidades microbianas e podemos ter pouca coerência entre as vindimas. O melhor solo será aquele com maior biodiversidade, pois está preparado para receber melhor os impactos que vêm do meio ambiente ou do homem. As alterações climáticas podem ser um problema, mas em solos muito diversos esse impacto pode ser mitigado”.

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