Moldar o mercado

As crianças são ensinadas a não avaliar um livro pela capa. Por outras palavras, uma história - ou pessoa, cidade ou mercado de vinhos - é mais do que se lê na primeira página. Vamos um pouco mais a fundo e as personagens revelam-se, o guião dá voltas e reviravoltas.


O mesmo pode ser dito sobre escrever um best-seller – é preciso compreender o público, para que se possam atrair leitores com uma história que ressoe junto deles. O CEO e enólogo da DFJ Vinhos, José Neiva Correia, afirmou: “Vender vinho é como vender sonhos; temos que contar a história certa ao cliente certo”. Em 2013, a sua empresa preparava-se para se reposicionar no mercado de vinhos chinês. Aquele comentário reconhece que nenhuma marca de vinho pode ser tudo para todas as pessoas, especialmente quando se trata de mercados internacionais. A chave para personalizar a mensagem é conhecer o mercado-alvo.

Fatores demográficos, como a idade e o género, são ferramentas de segmentação úteis, mas indicadores como rendimento, profissão e comportamento do comprador são indiscutivelmente mais importantes. Em Hong Kong, o mercado de vinhos tem quatro segmentos principais e não há remédios milagrosos quanto ao planeamento da abordagem e posicionamento a seguir.


Jovens e divertidos

O segmento de entrada em Hong Kong é formado principalmente pela geração millennial. Os millennials de Hong Kong, tal como as suas contrapartes geracionais em outros países, estão interessados em todas as coisas novas e da moda – nem sequer avaliam, a menos que seja ‘Insta-digno’. Este grupo tem uma exposição considerável aos vinhos australianos e franceses, mas quase nenhuma iniciação aos vinhos portugueses. O diretor comercial da DFJ Vinhos, Luís Gouveia, acredita que Portugal carece de uma imagem de marca na área da Grande China.

As viagens e o turismo são os iscos que irão engodar este segmento. Os residentes de Hong Kong são viajantes ávidos e Portugal, sendo relativamente desconhecido pelos habitantes de Hong Kong, pode oferecer uma experiência de destino emocionante através dos seus vinhos de férias frescos e vibrantes. Portugal ainda não emergiu como destino de férias de luxo em Hong Kong. A maioria dos seus habitantes ficaria surpreendida ao constatar que Portugal está consistentemente classificado entre os 15 principais destinos turísticos mundiais, conforme o Fórum Económico Mundial. O ângulo do estilo de vida, a afinidade com os produtos do mar e a longa presença de Portugal em Macau oferecem excelentes oportunidades a explorar.

Vinhos fáceis, preços moderados e rótulos elegantes terão um bom desempenho neste setor, especialmente se puderem ser encontrados em restaurantes e bares de Hong Kong vocacionados para o Instagram. Não é segredo que os millennials são mais influenciados pela garrafa e design do rótulo do que outras gerações, de acordo com pesquisas recentes de Silva e Santos.


A elevação do segmento médio

Este cluster inclui profissionais e expatriados à procura de vinhos acessíveis para o quotidiano, que possam consumir em casa ou pedi-los em cartas de vinhos à hora de almoço. Este grupo de consumidores, viajado e educado, conhece Portugal e os seus vinhos através do trabalho e de períodos de estudo na Europa.

A chave para alcançar este segmento é tornar os vinhos acessíveis e pronunciáveis, com pistas reconhecíveis ou recomendações de fornecedores de vinho. Procuram vinhos premium de grande valor - e uma forma de comunicar valor e premiumização é através dos prémios. “Relacionado com o preço, descobrimos que os prémios que conferem credibilidade ao vinho são um elemento adicional de vantagem competitiva para o produtor, pois aumentam a qualidade do vinho aos olhos do consumidor”, notam Silva e Santos. Concursos regionais, como o Cathay Pacific Hong Kong International Wine & Spirit Competition, são particularmente úteis na consideração dos paladares locais. Em 2019, o Alfaiate Branco de José Mota Capitão conquistou o troféu de prata na sua categoria, além de dois bronzes na categoria gastronomia e vinhos pelos seus acompanhamentos com sashimi de atum chutoro e tempura de camarão.


O poder do estudo

Os residentes de Hong Kong valorizam muito a educação e os cursos sobre vinho são altamente procurados. A cidade alberga um dos maiores grupos mundiais de detentores de certificados e diplomas WSET. Não é suficiente para esses consumidores simplesmente beber os vinhos, pois procuram uma compreensão mais ampla, para que possam fazer as suas escolhas de compra com confiança e discutir o vinho em jantares.

Alguns dos cursos mais populares da MWM Wine School destacam países com terroirs altamente diversos, castas históricas e ampla variedade de estilos. Os alunos pedem vagas em programas com tutoriais aprofundados sobre vinhos italianos regionais, bem como de países menos conhecidos, como Geórgia e Áustria. Um programa educacional de nível mundial sobre a beleza, a história e os sabores luxuriantes de Portugal é apenas o bilhete para apelar a este grupo. Vinhos portugueses interessantes, como os Maritávora e Howard’s Folly, são valorizados por este segmento de consumidores.


Colecionadores

O Douro tem um lugar especial entre os colecionadores de Hong Kong, conhecedores de vinhos que admiram a elevada estrutura e longevidade dos vinhos tintos. A região do Douro é reconhecida neste segmento e é, na maioria das vezes, citada como berço dos melhores vinhos não fortificados de Portugal, sendo que a sua reputação é reforçada pelo vasto conhecimento deste grupo sobre Vinho do Porto.

Os colecionadores de Hong Kong gastam e partilham generosamente, mas esperam construir amizades diretamente com os produtores e proprietários das melhores quintas e querem divertir-se ao fazê-lo. Os Douro Boys têm tido o sucesso mais evidente em Hong Kong junto dos colecionadores de vinho, em parte devido a uma engenhosa campanha promocional, mas também à camaradagem e entusiasmo propalados por estes cinco produtores durante as suas visitas regulares a Hong Kong.


Histórias de origem

Acima de tudo, a chave para o sucesso de Portugal em Hong Kong passa por melhorar a perceção geral do país e a sua imagem de marca. O país de origem é, segundo Silva e Santos, muito valorizado pelos clientes, informados e exigentes na tomada de decisões de compra, mas tem também potencial para valorizar a imagem de Portugal em todos os segmentos. O marketing genérico por institutos de vinhos tem o poder de ajudar os países a expandir e fazer crescer no exterior as marcas de vinho.

Embora os mercados internacionais pareçam distantes neste momento, o mundo acabará por reiniciar e, quando isso acontecer, será um lugar diferente. Recomeçar num mercado de vinhos maduro como é o de Hong Kong cria oportunidades; a paisagem será remodelada. Os protestos e a pandemia podem ter rebentando por agora a ‘bolha’ social, mas Hong Kong sabe como recuperar e teremos muitas garrafas para abrir quando sairmos do nosso casulo corona. Agora é a hora de antecipar qual o caminho a seguir e com quem se deseja conectar quando as fronteiras reabrirem. Embora os mercados e os clientes variem, o nosso amor pela cultura do vinho é universal.

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