O despertar de um novo país de vinhos

Graças às alterações climáticas, o Reino Unido ameaça tornar-se um sério produtor de vinhos, e já não apenas espumantes. Jamie Goode faz o ponto de situação.

 

Recordo-me, no início dos anos 1990, quando comecei a interessar-me por vinhos, que Inglaterra, apesar de ter vinha, era tida uma ‘curiosidade’. A indústria vitinícola inglesa era uma indústria caseira, liderada principalmente por amadores. O problema era o clima, um pouco frio demais para granjear uvas com sucesso em escala comercial. Mas tal é o apelo do vinho que as pessoas experimentavam. Eu próprio plantei algumas vinhas no meu quintal e num terreno que arrendei por algum tempo. Não sabia muito sobre viticultura e os resultados foram decididamente irregulares, mesmo num jardim abrigado do sul de Inglaterra.


A maior parte das vinhas concentrava-se em variedades de maturação precoce, como Huxelrebe, Bacchus, Madeliene Angevine, Reichensteiner e Seyval Blanc (um híbrido com boa resistência a doenças). O tempo irregular na primavera significava que, embora a floração fosse boa, o peso dos cachos era baixo e, por isso, o rendimento era, por vezes, miserável. Os caprichos do tempo significavam também que havia inconsistência - um factor que continua hoje, quando embora os rendimentos médios sejam de 8 toneladas /hectare, podem variar de 3 a 12, digamos, dependendo do ano. Visitei algumas vinhas conforme o meu interesse foi crescendo. A maior era a Denbies, na sombra de Box Hill, em Surrey. O Surrey Gold era um vinho branco seco quase bebível, onde o açúcar era necessário para combater a acidez abrasadora. Aventurei-me até Three Choirs, em Newent, Gloucestershire, onde obtiveram alguns vinhos razoáveis e as vinhas foram plantadas com um sistema de condução desenvolvido para híbridos no leste dos EUA, chamado Geneva Double Curtain. E então, em Devon, fui a uma vinha encharcada pela chuva chamada Sharpham, que originou alguns bons vinhos secos e um tinto robusto de uvas granjeadas em túneis de cultivo. Mas estávamos muito longe da indústria do vinho profissional que está a despontar. Estamos a assistir ao nascimento de uma nova região vitinícola - e a transformação tem sido espectacular.


Nos últimos cinco anos, o Reino Unido registou 8,7 milhões de vinhas plantadas e existem agora 3.800 hectares de vinhas. Em 2012, eram apenas 1.438 hectares. A grande maioria desses vinhedos está em Inglaterra, com 1,5% no País de Gales e apenas alguns na Escócia e nas ilhas do Canal. Esta é uma transformação notável, mas o que a causou?


A resposta mais simples é que as alterações climáticas (ou caos climático, como provavelmente o fenómeno deveria ser chamado) resultaram numa tendência de aquecimento que aponta uma oportunidade para criar uvas maduras. Ainda assim, continua a ser um clima propriamente marginal, como nos mostrou 2021. Mas, finalmente, os empreendimentos comerciais de maior dimensão podem realisticamente aspirar ao ‘break even’. O panorama do vinho no Reino Unido já não é reservado aos amadores, embora seja inteiramente possível que alguns operadores percam dinheiro em vez de ganhar.

O principal desenvolvimento foi a mudança para o método tradicional de vinho espumante e as três principais variedades de Champaghe: Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier. Estas três variedades representam 32%, 33% e 13% do encepamento, seguindo-se as mais populares Bacchus (5%) e Seyval Blanc (2%).


É provavelmente a Nyetimber, um dos produtores mais famosos do Reino Unido, a quem devemos agradecer por ter impulsionado essa mudança. Foram os primeiros a plantar Chardonnay comercialmente e a sua dedicação ao método tradicional de espumante - com bons resultados - levou muitos outros a experimentarem o método. E, como sucesso segue sucesso, há agora muitos produtores de alta qualidade que fazem a coisa certa. Um dos segredos desse sucesso foi o foco. Quando os produtores de vinhos tranquilos existentes adicionam um ou dois vinhos espumantes ao seu portefólio, os resultados raramente impressionam. O método tradicional é, ao que parece, mais bem feito por produtores onde este é o único, ou principal, foco. Em provas comparativas de vinho espumante inglês com concorrentes de outros lugares, incluindo Champagne, os vinhos ingleses parecem sair-se muito bem. Em 2019, os vinhos espumantes representavam 72% da produção do Reino Unido, embora em 2020 tenham decaído para 64%.


Mais alguns números. Existem atualmente 800 vinhas no Reino Unido e 178 produtores. Em 2020, foram elaboradas 8,7 milhões de garrafas, em 2019 foram 10,5 milhões e, em 2018 - ano recorde - 13,1 milhões. Nos três anos anteriores, cada um assinalou a produção de cerca de 5 milhões de garrafas. Cerca de 50% desses vinhos estão a ser vendidos diretamente, seja à porta da adega, seja no canal online dos produtores. As exportações ficaram um pouco abaixo de 10% (4% em 2020, 10% em 2019 e 8% em 2018).
É claro que esse crescimento explosivo levanta questões sobre o quão sustentável pode ser. Até agora, tem havido uma forte procura por uvas no mercado ‘spot’ (normalmente, uma tonelada seria vendida por 2.000£), o que sugere que o mercado ainda não está saturado. O grande acontecimento agora é o ressurgimento dos vinhos tranquilos. O espumante requer muito investimento e fluxo de caixa, enquanto os vinhos tranquilos podem ser vendidos um ano após a colheita. E bem no centro desse renascimento do vinho tranquilo estão as vinhas de Essex, a parte mais quente e seca do país. Anteriormente, levantavam-se grande expetativas acerca dos vinhedos em solos de giz que atravessam Kent, Sussex e Hampshire - e estes são excelentes para a produção de vinho espumante. Mas, embora Essex tenha solos à base de argila que não são tão considerados, áreas como Crouch Valley têm um clima tão quente que amadurecer uvas o suficiente para fazer vinhos tranquilos é possível, mesmo em anos como 2021.


Quem são os nomes a seguir? Para espumantes, Hambledon, Gusbourne, Nyetimber, Black Chalk, Ridgeview, Balfour, Rathfinney, Exton Park, Camel Valley e Langham estão entre os melhores. Para vinhos tranquilos, destacam-se Tillingham, Westwell, Black Book, Simpsons e Chapel Down. É um momento emocionante para este novo país do vinho.
 

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