O tabuleiro chinês

O mercado chinês não é todo igual e as regras do jogo estão sempre a mudar. Eis as opiniões de Master of Wine e outros especialistas chineses sobre a evolução do país pós-Covid.

 

O mercado de vinhos da China não é algo a preto e branco; há muitos tons de cinza. As díspares províncias do Império do Meio divergem tão amplamente nos comportamentos de consumo e cultura como na geografia e no clima. Pelo que não faz sentido pretender agrupá-las num grande grupo.


“Não existe um 'mercado da China'”, declara Gus Zhu MW, ‘wine educator’ e consultor da Dragon Phoenix, que opera naquele país. Em vez disso, economistas e profissionais de marketing segmentaram oficiosamente a China. As importações de vinho estrangeiro chegam em grande parte aos principais portos de Xangai, Pequim e Guangzhou, que albergam a maioria dos consumidores de vinho da China. Níveis de rendimento, infraestruturas, disponibilidade de produtos e educação são geralmente mais desenvolvidos nesses mercados.


“Os mercados de primeiro nível (‘first tier’) são muito diferentes dos de outras cidades”, afirma Zhu. “A tendência em Pequim e Guangzhou é consumir vinhos de marcas premium e ultra-premium. A tendência atual em Xangai é para vinhos naturais. Em contraste, as pessoas em cidades de segundo nível (‘second tier’) não vão a restaurantes para beber vinho; vão para beber cerveja e baijiu”. Os consumidores dos mercados de segundo nível que bebem vinho em casa são a exceção, não a regra.

Picos e depressões

A economia da China está a recuperar gradualmente. Após um crescimento positivo de 18,3% no primeiro trimestre de 2021, o segundo trimestre desacelerou para apenas 7,9% no comparativo anual, impactado por novos surtos de covid-19, bem como pela desaceleração na atividade fabril e custos mais elevados das matérias-primas (tradingeconomics.com). “A China está a controlar o coronavírus, mas as pessoas estão cautelosas”, observa o CEO da East Meets West, Olivier Six.
As importações de vinho diminuíram -1,1% em volume em termos homólogos no período de janeiro a maio, e pouco acima de zero em valor, para 0,15%. Em contraste, a categoria de destilados cresceu quase 45% em volume e 117% em valor, disse Six.
Mais positivamente, a tendência de deixar de oferecer presentes como estímulo das vendas privadas continua a ganhar força. Cada vez mais, quem compra o vinho é também quem o bebe. As ofertas ainda representam 25% das vendas na China, mas o restante é em grande parte venda direta ao consumidor.


O preço médio por garrafa está também a aumentar e os consumidores gastam fatias mais altas do seu rendimento em vinho, por não viajarem. O consumo doméstico continua a ser uma pequena parte da cultura do vinho, embora isso também esteja a mudar. “O vinho costumava ser consumido no ‘trade’, agora mais pessoas bebem em casa”, disse Six.

Compras eletrónicas

O comércio eletrónico está a impulsionar as vendas diretas, com o canal a crescer em proporção às vendas de vinhos, tanto em volume como em valor. Atualmente com cerca de 30% das vendas, os especialistas acreditam que a maioria dos consumidores chineses (75%) comprará vinho online até 2030 (IWSR).


A pandemia mudou o padrão tradicional de retalho da China. “Desde que a pandemia começou, as pessoas já não vão fisicamente ao supermercado. Agora, preferem comprar online, com lojas a oferecerem serviço de entrega em apenas 30 minutos”, disse Six. As principais plataformas de e-commerce da China - Alibaba, JD.com e Pinduoduo – representam em conjunto cerca de 90% do mercado de comércio eletrónico, disse Natalie Wang, editora fundadora da Vino-joy.
A aplicação social mais popular da China é o WeChat. De acordo com Wang, o WeChat está enraizado no dia a dia de todos, não apenas dos jovens. “O WeChat (pertencente e desenvolvido pela gigante da tecnologia Tencent) tem 1,15 mil milhões de utilizadores ativos mensais, o que é imenso num país de 1,4 mil milhões de pessoas. Até a minha avó de 80 anos usa o WeChat todos os dias, para tudo, desde comprar bilhetes até chamar táxis ”, disse Wang.


A Bite Dance, que desenvolveu e opera o TikTok e a sua versão em chinês Douyin, possui 800 milhões de utilizadores ativos mensais que usam a plataforma para transmitir ao vivo e partilhar conteúdos de vídeo. E, com 400 milhões de utilizadores cada, a Sina Weibo (uma ‘hyper app’ cuja funcionalidade é uma combinação de Facebook e Twitter) e a Kuaishou (uma plataforma de streaming de vídeo) também são aplicações sociais populares.


As apps de e-commerce e média sociais geraram novos canais de venda inovadores e eficazes, como vendas transmitidas ao vivo. Mas, enquanto as vendas no e-commerce e redes sociais estão a crescer, Zhu disse que é importante diferenciar entre os principais decisores (os compradores profissionais de vinho que representam as marcas de vinho online) e os principais líderes de opinião (os influenciadores e celebridades que se promovem a si mesmos e não a marcas). “As melhores plataformas de comércio eletrónico fazem escolhas sofisticadas de vinhos para vender online; pois querem representar uma marca online”, disse Zhu. Um influenciador pode transmitir ao vivo uma venda única de milhares de caixas de vinho em minutos, mas os benefícios de mover uma montanha de produtos duram pouco. Há exceções, é claro, e os quatro Master of Wine chineses - Fongyee Walker MW, Edward Ragg MW, Gus Zhu MW e Julien Boulard MW - são educadores-influenciadores credíveis que estão a ajudar a aprimorar a cultura do vinho e a promover a diversidade.

Mudanças nas quotas de mercado

Os consumidores chineses preferem vinhos tintos fortes. Além de Bordéus e Borgonha, foram atraídos pelos vinhos da Austrália. A recente guerra comercial da China com aquele país deixou uma lacuna no mercado e criou oportunidades para vinhos de outros países. Quando a Austrália caiu para a quinta posição em vinhos importados, atrás de França, Chile, Itália e Espanha, todos estes países aumentaram a sua quota de mercado.
Mas, de acordo com Zhu, o país de origem não é tão importante na China quanto a imagem da marca. “O povo chinês não comprará necessariamente o vinho de um determinado país; eles escolherão uma marca premium estabelecida. O desafio dos produtores é estabelecer uma imagem de marca forte na China”, disse Zhu.


O crescimento do mercado na China não é fácil, contudo. As atividades promocionais e a representação local compensam. O premiado chief sommelier Christian Zhang, que serve a elite de Xangai no Noah’s Yacht Club on the Bund, disse que promover competições de sommeliers e participar em grandes eventos como o China Restaurant Week da DiningCity mostraram ser um sucesso para os vinhos alemães e para Rioja. “Os países precisam de ter representação na China para promover e educar os jovens sommeliers sobre os seus vinhos”, considera.


“A construção de marcas na China recai principalmente sobre os produtores e os seus agentes e representantes como soldados rasos para espalhar a palavra”, concordou Wang. As feiras comerciais são uma via importante para a construção de uma marca. Eventos como a Prowein, Vinexpo e HK IWSC são as feiras comerciais mais importantes da região. “É importante participar nas feiras, conduzir masterclasses e encontrar distribuidores e retalhistas para estabelecer um mercado nas cidades chinesas”, disse Zhu.
E, assim que se pensa ficar a conhecer o jogo, as regras mudam. Por isso, vale a pena manter um olhar sobre o tabuleiro. Os jogadores são os mesmos, mas as peças estão constantemente a mudar, dando a alguns produtores uma vantagem sobre outros. Para vencer na China, os produtores e representantes têm que aparecer, jogar de forma inteligente e adaptar-se às mudanças.

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