Os bolinhos da Rainha

Os açorianos não sabiam o que fazer para acolher com mais carinho o rei Dom Carlos I (1863-1908) e a rainha consorte Dona Amélia (1865-1951), de Portugal e Algarves, quando visitaram o arquipélago em 1901. O casal e comitiva foram recebidos com aplausos, cerimónias magníficas e banquetes generosos desde que desembarcaram dos cruzadores Dona Amélia e Dom Carlos e São Gabriel, nos quais viajaram. 


Mas quem roubou a cena foi um bolinho à base de açúcar, gemas e claras de ovos, canela em pó, uvas passas, cidra, manteiga, farinha de milho, mel de cana (melado), noz-moscada ralada, raspas de limão e sal. Vai ao forno em forminha redonda, podendo ser retangular, semelhante à usada para fazer queijadinha. Aliás, são assados vários ao mesmo tempo. Tanto que os açorianos chamam-no de queijadinha. Mas, paradoxalmente, não leva queijo. A designação queijadinha, talvez conferida pela aparência, é regionalismo. Há outros bolinhos na mesma situação. 

Fez sucesso até hoje e os açorianos recordam a circunstância na qual ficou famoso. A rainha conheceu-o na passagem por Angra do Heroísmo, na costa sul da ilha Terceira, uma das nove que compõem aquele arquipélago de paisagens extraordinárias, campos verdes e hortênsias azuis. Deliciou-se ostensivamente com a novidade. Adorou a textura decorrente da farinha de milho, o sabor de especiarias e levemente cítrico. 

A história foi registada há pouco tempo por José Alberto Ribeiro, no livro “Rainha D. Amélia - Uma Biografia” (A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013): “Durante a estada em Angra, uma senhora quis oferecer à rainha umas queijadas (sic) para as quais não tinha nome, pelo que decidiu batizá-las de donas amélias”. Certos autores, porém, referem-se a um grupo de mulheres e acreditam que os bolinhos eram chamados anteriormente de “pudins terceirenses”, no plural. A partir da visita da rainha, o nome teria mudado.

Dona Amélia revelava bom gosto à mesa. Apreciava tanto os doces quanto as comidas requintadas. Filha mais velha de Luís Felipe, conde de Paris, pretendente ao trono na França, e de Maria Isabel Infanta de Espanha, nasceu em Inglaterra, onde o pai se encontrava exilado, e passou parte da infância naquele país. Recebeu educação esmerada, escrevia bem, aprendeu a pintar, a gostar de teatro e ópera. Quando chegou a época de casar, falharam as tentativas de união com a casa imperial da Áustria e a família real da Espanha. 

Além do dote relativamente baixo, Dona Amélia era alta demais, tinha 1 metro e 82 centímetros de altura. Nas negociações do casamento com o então príncipe Dom Carlos, herdeiro do trono de Portugal, os dois supostos obstáculos foram relevados. A noiva media alguns centímetros a mais do que o futuro marido, porém o detalhe não chegou a ser problema, até porque, apesar da união ser arranjada, o casal apaixonou-se à primeira vista. 

O casamento foi realizado em 1886, na Igreja de São Domingos, em Lisboa, e o povo encantou-se com a noiva elegante e de personalidade forte. Com apenas 24 anos de idade, Dona Amélia fez-se rainha de Portugal. Influenciou a corte portuguesa da cozinha à moda. Empenhada em erradicar a pobreza, combater as doenças de então, especialmente a tuberculose, e proteger a infância, fundou cozinhas populares, sanatórios, lactários e creches. A propaganda republicana criticava a sua obra, chamava-a de “gastadora e leviana”. 
 

Uma rainha para descobrir

O escritor gastronómico transmontano Virgílio Nogueiro Gomes, autor do livro “Doces da Nossa Vida” (Marcador Editora, Barcarena, Portugal, 2014), onde comenta exemplarmente o bolinho açoriano, classifica Dona Amélia como “uma rainha que os portugueses ainda não se decidiram conhecer melhor”. Bem que merecia ser mais lembrada. Afinal, ela estava ao lado de Dom Carlos na tragédia que assinalou a vida do casal: quando o marido foi assassinado por fanáticos republicanos, em 1908. 

Um desenho daquele ano, publicado pelo diário “Petit Journal Illustré”, de Paris, que tinha uma circulação de aproximadamente um milhão de exemplares, documentou a cena brutal. Mostrou Dona Amélia em pé na carruagem real, completamente desatinada, tentando rechaçar com um ramo de flores o fanático republicano que assassinara o seu filho Luís Filipe. O agressor abriu fogo sobre o príncipe com uma pistola Browning, empoleirado na traseira. 

D. Carlos I já estava caído no banco ao lado, atingido mortalmente por dois tiros de uma carabina Winchester. Tinham sido disparados da calçada pelo segundo fanático republicano. O crime chocante, do qual sobreviveram Dona Amélia, ilesa, e o segundo filho, o infante D. Manuel, ferido no braço, aconteceu quando a carruagem real atravessava o Terreiro do Paço, junto ao rio Tejo, em Lisboa. 

Dona Amélia havia recebido o ramo de flores das mãos de uma criança de bochechas rosadas. A última rainha de Portugal morreu exilada em França, aos 86 anos de idade, após externar o seu afeto ao povo lusitano: “Quero bem a todos os portugueses, mesmo aqueles que me fizeram mal”. Os bolinhos açorianos transformaram-se numa doce lembrança de Dona Amélia. 

 
DONAS AMÉLIAS
Rendimento: cerca de 30 unidades
 
INGREDIENTES
.1/2 kg de açúcar 
.9 gemas
.1 colher (sopa) de canela em pó
.100gr. de uvas passas sem sementes
.50gr. de cidra picada finamente
.200gr. de manteiga derretida e fria
.4 claras de ovos batidas em neve
.200gr. de farinha de milho passada em peneira fina
.6 colheres (sopa) de mel de cana (melado)
.1 colher (café) de noz-moscada ralada 
.Raspas de 1 limão pequeno
.1 pitada de sal
.Manteiga para untar as formas
.Açúcar refinado para polvilhar os bolinhos
 
PREPARAÇÃO
1.Bata o açúcar com as gemas até obter uma gemada bem encorpada. Junte a canela, as uvas passas, a cidra, a noz-moscada, as raspas de limão, o sal e bata até a massa ficar bem ligada.
2.Adicione a manteiga e bata mais um pouco, em seguida coloque as claras em neve e torne a bater, depois junte a farinha de milho e o mel de cana, batendo sempre entre cada adição.
3.Quando a massa estiver bem homogénea, coloque-a em pequenas formas (tipo para queijadinhas) e asse em forno médio, preaquecido a 180°C, até a massa desprender um pouco das bordas da forma.
4.Desenforme e polvilhe com açúcar refinado.

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