Passado, presente e futuro dos vinhos fortificados

Que rumo devem tomar que os vinhos fortificados, numa conjuntura de consumo em mudança? Bons e caros, claro…

 

O vinho mais velho que provei datava de 1795. Era - talvez sem surpresa – um Vinho Madeira, e era absolutamente lindo. Os vinhos fortificados desta ilha atlântica têm a reputação de serem totalmente à prova de bomba: a combinação da exposição ao oxigénio no início da vida do vinho, bem como o aquecimento e a concentração de álcool em torno de 20%, conferem uma robustez aos bons Madeira que significa que podemos guardá-los pelo tempo que se queira.
Antes dessa experiência do século XVIII, o meu vinho mais antigo foi um 1863: mais uma vez, era um vinho fortificado. Desta vez era um Porto e, nessa fase, não existia a atual distinção entre Porto Vintage (rubi) e Tawnies / Colheitas, pelo que é provável que o vinho tivesse ganhado robustez ao longo do tempo em casco, bem como num longo sono em garrafa. Aliás, 1863 é considerado um grande ano para o Vinho do Porto.


Portugal deu algumas contribuições significativas para o mundo do vinho das categorias de topo e quase todas foram os vinhos fortificados. Estes tiveram um papel importante no passado, mas no mundo moderno as suas qualidades são um pouco subestimadas, podendo mesmo correr o risco de serem esquecidas. Para além dos vinhos Madeira e do Porto, há também o Moscatel de Setúbal, o menos conhecido Moscatel de Favaios e os raros Carcavelos.
Fora de Portugal, os vinhos fortificados mais famosos vêm do triângulo Sherry [N.D.E. No original em inglês], onde a fortificação surgiu mais ou menos na mesma época que no Douro. Mas os fortificados também surgem em outros lugares, como os Marsala na Sicília ou os Vin Doux Naturels do sul de França. Na Austrália, os vinhos fortificados têm uma história importante e, até a década de 1960, dominaram a produção de vinho, enquanto a África do Sul tem uma pequena mas importante tradição de vinhos do tipo Porto e Muscadels.


O Vinho do Porto tem uma longa relação comercial com a Inglaterra, mas no primeiro século dessa parceria esses vinhos não eram fortificados, ou eram vinhos secos com apenas um toque de álcool adicionado antes do embarque, bem distintos da prática de fortificação com álcool adicionado durante o processo de vinificação. Foi apenas no início do século XVIII que a fortificação, como a conhecemos hoje, passou a ser praticada, estando longe de ser universal na região até meados do século XIX. O famoso Barão de Forrester, que mapeou o Douro, foi um forte adversário desta prática até à sua morte num acidente de barco pós-almoço no Cachão da Valeira, em 1862.

O que o futuro reserva

Mas as vantagens da fortificação tornaram-se universais para o Vinho do Porto. A primeira é que torna o vinho seguro no início de vida. As condições de vinificação no Douro daquela época teriam sido rústicas, para dizer o mínimo, e um vinho de mesa normal poderia desenvolver todo o tipo de defeitos antes de ser embarcado rio abaixo e lotado em Gaia. Adicione-se uma boa dose de aguardente após alguns dias de fermentação e, mesmo nas condições mais básicas, obter-se-á um vinho sólido e robusto que permanecerá em boas condições até chegar às tabernas de Londres e - o que é importante – manter-se-á bom enquanto o barril é gradualmente esvaziado à medida que o vinho é vendido. É a isso que se refere o termo ‘fortificado’. A segunda é que ele mantém muito açúcar do mosto, resultando num vinho doce e forte que era muito do agrado dos consumidores.


O apogeu do vinho fortificado deu-se no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. As pessoas normais bebiam-no regularmente, principalmente nos mercados de exportação. Na Austrália, os vinhos de mesa secos eram uma minoria até recentemente, na década de 1960, quando ainda havia uma forte procura por “sherry” e “port” doces. No triângulo do Jerez, na década de 1970, as novas vinhas foram plantadas e foi introduzido um clone de alto rendimento de Palomino, à medida que o Jerez tornava-se totalmente industrial para atender à procura. A produção de Vinho do Porto barato disparou.


Mas tudo isso mudou. O declínio do interesse dos consumidores em geral por Jerez foi acentuado. As vinhas que nem sequer deveriam ter sido plantadas foram arrancadas e um dos fatores económicos que ajudam as grandes ‘bodegas’ a manterem-se à tona é a procura da indústria do whisky por barricas de Jerez (essas pipas não são geralmente as utilizadas na produção de Jerez, que são reaproveitadas por muitas décadas, mas são feitas especialmente para os homens do whisky). Para o Vinho do Porto, a França manteve a procura por vinhos mais baratos (constituem o maior mercado de exportação), enquanto para a maioria dos outros destinos de exportação a procura é sazonal, com a maioria das vendas a verificarem-se no Natal. Como resultado, há muita preocupação e angústia nas salas de reuniões dos produtores de vinho do Porto e Jerez: o que reserva o futuro?


O problema é que esses vinhos fortificados não funcionam no mundo moderno como bebidas para o mercado de massas. Não há necessidade de fortificação para preservar os vinhos para sobreviver às longas viagens por mar: por isso, o momento atual prende-se com o facto de esses vinhos fortificados tradicionais serem, na verdade, vinhos de qualidade alucinante quando elaborados com cuidado. O custo de produção é elevado e, por isso, os vinhos não devem ser baratos. Se olharmos para as vinhas do Douro, por exemplo, constatamos que a região nunca deverá ser um local para fazer vinhos baratos de supermercado, fortificados ou não. E, considerando o trabalho de adega necessário para fazer um Jerez Fino, por exemplo, é uma loucura que estes vinhos sejam vendidos por apenas alguns euros.


Em vez disso, as regiões com produções significativas de vinhos fortificados deveriam reposicionar a oferta como super-premium: vinhos especiais que requerem bons preços. Alguns estão a ter sucesso nesse movimento. Um negócio que depende de uma grande plataforma de vinho fortificado barato não terá sucesso, porque esses vinhos não são sustentáveis - tanto física quanto financeiramente. E o segmento barato do mercado tira um pouco do glamour e exclusividade dos produtos sofisticados. O reposicionamento da oferta tanto no Porto como no Sherry, onde há grandes quantidades de vinho envolvidas, terá que ser feito com cuidado e levará algum tempo - mas é fulcral que essa transição ocorra. Os vinhos fortificados têm um grande futuro, mas como vinhos superiores - não baratos.
 

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