“Os Irlandeses estão malucos” dizia-me há dias um colega a propósito da legislação “alcohol act “recentemente adotada naquele país e que prevê, entre outras, a inclusão de avisos de saúde nos rótulos dos vinhos ( à semelhança do tabaco ), um preço mínimo de venda ao público ( aproximadamente 7.00 €/garrafa ) fortes limitações à publicidade e que, nas lojas generalistas e supermercados, as bebidas alcoólicas devem estar numa secção separada com portas de acesso. No fundo, a ideia de que é um produto nocivo, tal como o tabaco e, portanto, a sua comunicação deve ser impedida e a sua venda dificultada.
Só quem andar distraído pensará que as medidas anunciadas pela irlanda são um caso excepcional e, menos ainda, passageiro. A União Europeia tem índices de consumo de álcool muito elevados e consequências de saúde pública bem caracterizadas. As autoridades europeias e as portuguesas há muito que vem afirmando o proibicionismo como principal ferramenta deste combate. Isto, claro, sem distinção da origem do álcool, seja ele consumido copo a copo de vinho ao longo de uma semana de refeições ou de uma só vez na noite de sexta-feira em bebidas destiladas.
Por cá, em 2000, o Governo de António Guterres adoptou a resolução nº 166 de 29 de Novembro sobre o alcoolismo, da qual citamos “O alcoolismo é a maior toxicodependência dos Portugueses.”. No rol de medidas preconizadas, encontramos “Incluir na rotulagem de todas as bebidas alcoólicas mensagens alertando para os danos causados pelo seu consumo”. Há vinte e três anos, estava tudo lá, preto no branco. É curioso que, nessa altura, o sector dos vinhos focou-se no combate à taxa de alcoolemia, que travou com sucesso, e não se deu devido relevo às restantes medidas previstas.
Em 2001, o Conselho de Ministros da CE aprovou uma recomendação para que a Comissão Europeia e os Estados membros tomassem medidas para combater o consumo excessivo por parte dos jovens. Esta orientação foi revista em 2004 e, em 2006, a Comissão Europeia apresentou um plano sobre a estratégia de combate ao álcool para o período 2006-12 com medidas que abarcam toda a população e não apenas os jovens. Porque era preciso envolver os produtores, foi criado em 2007 o Fórum Álcool e Saúde, organização da qual fazem parte a indústria, a Universidade e organizações não governamentais.
O sector dos vinhos lançou, entretanto, a iniciativa “Wine in Moderation”, agrupando produtores de vinho de toda a União Europeia em campanhas a promover o consumo moderado. O Wine in Moderation afirma o vinho como bebida e sector responsáveis, que atuam de forma construtiva, mas é debatível, à luz do que hoje vemos, se teve um efeito significativo nas medidas radicais da União Europeia, ao menos para as atrasar.
Para perceber o ímpeto desta orientação proibicionista da União Europeia, importa ter em conta a evolução do contexto político. Nos anos 80, a adesão da Grécia à Comunidade Europeia, seguida de Portugal e Espanha, fez com que o sul da europa, associado naturalmente aos fundadores Itália e França, influenciasse fortemente a política europeia. O nosso hábito de consumo moderado à refeição era relevante. A partir da década de 90, com a adesão do leste e dos Bálticos, o eixo de poder alterou-se para norte e reforçou as tradicionais orientações dessa região, baseadas por um lado em, considerar o álcool como um todo, independentemebte de qual a bebida de origem e por outro de limitar o consumo e tudo o que o rodeia e não formar para o consumo moderado. É precisamente nisto que estamos.
Como estamos em Portugal ? Manuel Cardoso tem sido a face do Sicad, Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências no dossier anti álcool e deu recentemente uma entrevista à DECO, na qual defende para Portugal exactamente as mesmas medidas que a Irlanda agora implementa. Vais aliás mais longe: defende que a venda de bebidas alcoólicas passe a ser feita só em estabelecimentos licenciados para o efeito. São estas as propostas do nosso Ministério da Saúde.
Uma questão em aberto é o efeito que estas políticas terão nos fundos comunitários dedicados ao vinho. Uma evolução recente, e que aumentará, são os constrangimentos ambientais que terão de estar presentes em cada candidatura. Alguém perguntará em breve que sentido faz a UE estar a combater o consumo mas a financiar a promoção e a comunicação. Dificilmente desaparecerão apoios ao desenvolvimento rural e, no “pacote vinho” áreas como os seguros de colheita e a reconversão de vinho são pacíficas. Porém a promoção não é. Não me surpreenderia se essa frente começasse a ser questionada em breve.
Face a este negro cenário, o que pode fazer o sector dos vinhos?
Em primeiro lugar, afirmar o vinho com um produto de cultura, de diferenciação territorial, fortemente contribuidor para a economia das regiões, fortemente exportador, relevante empregador. Tudo isto é verdade e são características das quais nos devemos orgulhar. Em todas estas, o vinho contribui para um Portugal melhor e as decisões políticas devem tê-lo em conta.
Depois, devemos combater o alcoolismo sem cansar e sem quartel. Os eventos vínicos devem incorporar mecanismos que impeçam o consumo excessivo, a comunicação das marcas e eventos tem de reforçar a importância do consumo moderado. A formação contra o alcoolismo deve começar dentro das empresas, locais onde a tolerância para o abuso deve ser nula. Também entidades como confrarias e clubes de vinhos devem assumir esta preocupação como sua. Por todos os motivos e até para dar fundamento ao argumento de que “o vinho é diferente”, devemos assumir como nosso o combate ao alcoolismo.
Em terceiro, claro, devemos combater as orientações proibicionistas da política usando como ferramentas os pontos anteriores. Isto significa que o sector se terá de unir, deixando egos de lado, um pouco à imagem do que se fez em 2001 quando, com sucesso, se levantou a uma só voz contra a redução da taxa de alcoolemia ao volante. Significa também que o sector tem de ter associações fortes.
O combate ao proibicionismo não se fará numa só batalha ou local. Teremos de ser persistentes. Mas, como qualquer peregrino nos diria, o importante não é a velocidade mas sim saber qual o rumo e dar passo a passo nesse sentido.
Manuel Pinheiro, chairman da Global Wines e ex-presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes