Numa época em que muitas publicações sobre vinhos permitem que a política editorial se concentre em regiões dispostas a fornecer suporte de marketing, é fundamental a independência dessa mentalidade de "pagar para jogar".
Quando comecei a escrever sobre vinhos, enquanto amador entusiasta, em meados da década de 1990, o mundo do vinho era bem diferente. Certamente o era no Reino Unido, um grande ‘hub’ para vinhos caros, onde os vinhos de topo eram uma noção restrita a França, Itália, partes de Espanha (principalmente Rioja), Vinho do Porto e os exemplares mais chiques de Napa, Califórnia. Era um clube, e subsistia toda uma indústria construída em torno desses vinhos, da sua guarda e comércio. Era inteiramente possível trabalhar como vendedor para clientes privados num comerciante londrino de vinhos e não saber nada sobre os vinhos exteriores àqueles limites.
Atualmente, o mundo do vinho é muito mais amplo. Vinhos que — por qualquer definição sensata — seriam classificados como de ‘topo’ são feitos em muitos países. Quem viajar muito, mesmo para regiões que erradamente eram consideradas menores ou inferiores, encontrará produtores ambiciosos à procura de fazer vinhos interessantes. E o mercado agora está mais aberto: quem pretender produzir vinhos interessantes e levar a cabo boas práticas vitícolas, tem obrigatoriamente que ganhar certa quantia por garrafa, o que é hoje possível graças a uma rede de importadores e retalhistas que apoiam estes vinhos, bem como um grupo de jornalistas e comunicadores que se aprazem em divulgar vinhos e regiões menos conhecidas.
Estou precisamente de regresso após cinco dias na Eslovénia, onde visitei um grupo de 10 produtores que pertencem à organização Slovenska Velika Lega. A ideia é que esses produtores ambiciosos possam ter mais impacto ao trabalharem juntos quando promovem os vinhos para o mundo exterior. A Eslovénia, é claro, faz vinho há muito tempo, mas nunca foi considerado no passado um país que produza vinhos de topo. Porém, estes produtores estão a mostrar que as suas diversas regiões vitivinícolas têm terroirs interessantes e os resultados podem ser apelativos.
Antes desta viagem estive em Macau, a avaliar vinhos chineses, com um ilustre grupo de pessoas do mundo do vinho. A China é muito ambiciosa e obteve consideráveis progressos ultimamente, especialmente com a casta Marselan. Novamente, o mundo exterior ainda tem que reconhecer a qualidade dos melhores vinhos chineses. Será interessante ver quão rápido será o progresso futuro, porque os velhos tempos de tentar copiar Bordéus estão a acabar e há algumas pessoas inteligentes a tentar encontrar os melhores lugares para fazer vinhos de topo e retirar o melhor proveito das regiões já estabelecidas.
Também passei bastante tempo no Japão, onde há muitas vinhas, não apenas em Yamanashi (a região mais conhecida), mas também em Nagano, Hokkaido (um ponto de referência para vinhos naturais) e Osaka. Muitas operações são de pequena escala e a viticultura tem que ser precisa porque a maior parte das chuvas ocorre na fase de crescimento.
Em setembro passado, fiz um tour pelas vinhas da Suécia. Aqui, as coisas estão realmente apenas a começar. E também passei algum tempo a provar vinhos da Dinamarca e da Polónia. A indústria vitivinícola do Reino Unido está a crescer rapidamente e há hoje 4.500 hectares de vinhas. E também passei muito tempo no Canadá, onde participo todos os anos nos National Wine Awards of Canada: cerca de 2.000 vinhos canadenses são inscritos na competição e a qualidade tem aumentado consideravelmente desde que participei pela primeira vez, em 2013.
Mais vinho num mercado saturado?
Mas, perguntam alguns, por que razão defendo todas essas novas regiões quando, no geral, o consumo mundial de vinho está a diminuir? Existem 7,3 milhões de hectares de vinhas plantadas no mundo todo (algumas são para uvas de mesa, mas a maioria é para vinho) e encontramo-nos numa situação em que há excedente geral de vinho. Muitos produtores em países clássicos do Velho Mundo estão a lutar para vender os seus vinhos – então qual a necessidade de novas regiões, geralmente em climas marginais, onde se verificam obstáculos significativos para obter uma boa produção de uvas maduras, para adicionar ainda mais vinho a um mercado saturado?
Consigo entender a lógica, mas esta visão macro ignora muitos detalhes importantes. O que precisamos é da redução dos tipos ‘errados’ de vinhos: viticultura de baixo custo e insustentável, resultando em altos rendimentos de uvas muito medianas, que são então transformadas em vinhos esquecíveis frequentemente adulterados na adega para elaborar vinhos ultraprocessados. Estes vinhos frequentemente entopem os canais de retalho, vendem-se porque as grandes empresas por trás têm distribuição e resultam em vendas canibais de vinhos melhores e mais interessantes (que geralmente não são muito mais caros). Muitos clientes desistem de explorar o vinho porque os primeiros vinhos que encontram são frequentemente os vinhos tecno-processados sem alma, feitos de uvas más. O que é lamentável.
Existe sempre espaço para vinhos feitos em vinhas adequadamente granjeadas, por produtores de vinho ambiciosos e atenciosos. Precisamos de mais desses. E, pessoalmente, acho emocionante que haja quem considere o vinho interessante o suficiente para estar preparado a investir capital e energia profissional para se tornar produtor de vinho em regiões menos conhecidas ou novas. E gosto de ver quando, em países ou regiões não conhecidas, alguns dos produtores de vinho bem viajados apartam-se da manada e começam a fazer algo mais sério, em vez de apenas replicar o que as gerações anteriores fizeram.
Na verdade, é bom para o vinho que, algo que os ricos gostam de fazer depois de venderem as suas empresas ou ações por altas maquias e aposentarem-se mais cedo, compram uma vinha. Na minha perspetiva enquanto jornalista de vinhos, considero muito interessante explorar coisas novas e estar entre os primeiros comunicadores de vinho a mergulhar profundamente numa região em evolução, ou entre os primeiros a provar os vinhos de um novo produtor.
Numa época em que muitas publicações sobre vinhos permitem que a política editorial se concentre em regiões propensas ou dispostas a fornecer suporte de marketing para publicação, considero importante que muitos de nós sejamos independentes dessa mentalidade de "pagar para jogar". O mundo do vinho precisa do dinamismo que vem de algo novo ou inovador e, embora adore as regiões clássicas, temos de reconhecer que estas não são as únicas com terroirs interessantes e produtores de vinho talentosos. Muitas vezes, a sua primazia tem a ver com história recente, logística e estar no lugar certo na hora certa, assim como acontece com a qualidade dos seus vinhos.
Que venham os novatos!