Portugal precisa de castas de assinatura?

Vender vinhos à maioria dos consumidores ‘normais’ requer uma mensagem relativamente simples: uma promessa de marca compreensível numa garrafa. As castas autóctones portuguesas podem ser essa promessa? E quais?

 

Muito mudou no panorama do vinho português nos últimos 25 anos. Lembro-me de ter visitado o país em trabalho, pela primeira vez, em meados da década de 1990 (antes de me tornar jornalista de vinhos) e os vinhos disponíveis eram indistinguíveis da oferta de vinhos sofisticada de hoje. O principal mercado de exportação de Portugal para vinhos de mesa eram as antigas colónias. Os vinhos de mesa que apareciam no Reino Unido ganharam espaço nas prateleiras, em grande parte, por serem baratos.
Atualmente, Portugal ganhou reputação por produzir vinhos realmente característicos e de alta qualidade, abrangendo desde o segmento de entrada de gama até aos vinhos de topo, sendo que parte dessa progressão foi bastante recente. Ainda há algum trabalho a ser feito, no entanto.


O nome do país - neste caso Portugal - é um aspeto fundamental da marca para os mercados de exportação. Quando qualquer país começa a vender os vinhos ao exterior, precisa de uma mensagem de marketing forte. O que representa o vinho português? O que se faz de melhor em Portugal? O que é único na oferta que significa que devo comprar estes vinhos e não qualquer outra das opções que temos por aí?


Claro que, para diferentes segmentos do mercado, as regras são também diferentes. Quando se está a vender para ‘geeks’, a complexidade costuma ser um trunfo. Alguns amantes do vinho deliciam-se com as minúcias de castas obscuras, novas regiões e técnicas experimentais de vinificação. Mas, vender vinho à maioria dos consumidores ‘normais’, requer uma mensagem relativamente simples: uma promessa de marca compreensível que possa ser oferecida numa garrafa.
Muitos países do Novo Mundo têm-no feito através de castas exclusivas. A Nova Zelândia é um ótimo exemplo com a Sauvignon Blanc - uma variedade única que colocou a sua indústria no mapa global na década de 1980. Sim, a Nova Zelândia produz bem muitas outras variedades (nomeadamente Pinot Noir e Chardonnay), mas foi a Sauvignom de Marlborough que mudou tudo na indústria vitivinícola. Também ajuda que tenham guardado essa variedade para si por um bom período de tempo - embora o Vale do Loire seja o berço dessa variedade, só recentemente os produtores da região começaram a colocar a casta no rótulo.


Na África do Sul, um debate semelhante está em curso. Chenin Blanc é a variedade de uva mais plantada e faz sentido tê-la como variedade de assinatura. O problema é que o mercado não pediu por Chenin da mesma forma que o fez para a Sauvignon Blanc; e os Chenins podem ter um sabor muito diferente dependendo da abordagem de vinificação e também da viticultura - é um verdadeiro camaleão, o que não ajudou com a promessa de marca. Aliás, a marca registada poderia muito bem ser a Pinotage, uma casta originária da África do Sul. Mas, apesar do seu sucesso doméstico, a Pinotage pode ser um gosto bastante adquirido. É difícil trabalhá-la bem, o que tem dificultado a sua aceitação.

Um tesouro por explorar

Deverá Portugal adotar uma abordagem focada nas castas para vender os seus vinhos? Um dos grandes trunfos do setor e da mensagem portugueses é que, devido ao relativo isolamento durante os anos 1950, 60 e 70, muitas das modernizações vitícolas em que outros países se envolveram - principalmente a troca de castas autóctones por outras mais populares internacionais - não ocorreram. Assim, o país escapou incólume com um precioso tesouro de variedades indígenas intactas.
Podemos argumentar que as castas portuguesas são ao mesmo tempo uma mais-valia e um obstáculo para a comercialização do vinho português. Há um segmento de consumidores atraído pela história de variedades autóctones únicas, mas para um segmento maior de consumidores não tão envolvidos, todos esses nomes desconhecidos são confusos. E outra questão é que a maior parte das regiões portuguesas trabalha com lotes e não com monocastas.


Ainda assim, tem-se verificado algum sucesso com o uso dos nomes das castas nos rótulos. Nos anos 90, a Falua, sediada no Tejo, alcançou algum sucesso nos supermercados do Reino Unido com vinhos bem apresentados e atraentes, onde uma variedade portuguesa era combinada com uma variedade internacional bem conhecida. Esta é uma abordagem usada em outros locais e que parece funcionar. E, ultimamente, várias adegas minhotas têm-se dado bem com vinhos verdes de uma única casta como Avesso, Loureiro, Alvarinho e Arinto, todos apresentados em garrafas e rótulos atraentes, com o nome da casta em destaque.


Então, quais as variedades portuguesas que merecem destaque? Algumas estão a tornar-se razoavelmente conhecidas. Vai ser difícil capitalizar os talentos óbvios da Alvarinho por causa da fama da espanhola Albariño e da dificuldade criada pela grafia divergente, mas a Loureiro está a emergir como uma variedade com muitas promessas e parece um bom cavalo para se apostar. A Touriga Nacional era rara no Douro, mas agora surge como a casta estrela, não só do Douro, mas também do Dão, e tem crescido bastante no Alentejo. O facto de a Touriga Nacional já estar aprovada para plantação em Bordéus é um grande complemento. A Baga é uma uva com uma identidade distinta, cultivada principalmente na Bairrada, mas também um pouco no Dão, e muito mais. Depois, há toda uma série de variedades tintas interessantes como Trincadeira (também conhecida como Tinta Amarela), Bastardo (o mesmo que Trousseau!), Jaen (também conhecida como Mencía em Espanha), Alfrocheiro e Sousão, cada uma com personalidade suficiente para justificar o uso dos seus nomes na garrafa. Nas brancas, Fernão Pires, Arinto e Encruzado têm fãs. A lista poderia continuar, o que por si só evidencia a dificuldade de se ter uma casta de referência pan-portuguesa.


Não restam dúvidas de que, para vinhos de qualidade, a maioria dos exemplares de topo são lotes de mais do que uma variedade, e é provável que continue assim. Mas, para o nível de entrada, acredito que uma mudança para a rotulagem varietal possa ser útil, em algumas circunstâncias, para ajudar a cimentar a marca Portugal no mundo.
 

Partilhar
Voltar