Quão baixo se pode descer?

A Wine Detective investiga a ascensão das bebidas com reduzido, baixo ou nenhum teor alcoólico.

 

Quando, ainda o ano passado, a Decanter publicou um artigo sobre vinhos de verão com baixo teor alcoólico, a fasquia foi fixada em menos de 12% de álcool por volume ('abv'). Naturalmente, este alinhamento incluía um Vinho Verde 'clássico', cujo teor alcoólico deve variar entre 9% e 11,5%. Mas, à medida que as cada vez mais complexas e inovadoras bebidas alcoólicas com teor alcoólico reduzido ou nulo ('nolo', corruptela de ‘no and low’) - não excedendo 1,2% ou 0,5% - atingem o mercado e alimentam tendências de consumo, a indústria do vinho enfrenta uma nova ameaça. Deve oferecer produtos de volume alcoólico ainda mais baixos, dada a mudança acentuada da chamada era de “Parkerização”, quando os níveis de álcool aumentaram exponencialmente.


A atenção crescente dada às bebidas ‘nolo’ por parte das publicações sobre vinhos e bebidas reflete as tendências de consumo. Reportando-se a 10 mercados de foco (Austrália, Brasil, Canadá, França, Alemanha, Japão, África do Sul, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos), o IWSR Drinks Market Analysis – fonte líder nos dados globais de bebidas – prevê que, entre 2021 e 2025, o mercado ‘nolo’ cresceria +8% na taxa de crescimento anual composta (‘compound annual growth rate’ - CAGR) versus o crescimento das bebidas com volume ‘normal’ de álcool, de apenas +0,7%. Com uma quota de volume de 75%, a cerveja e a sidra lideram. Estará a indústria do vinho a perder o comboio?


Questionei Christine Parkinson, que toma o pulso ao setor. Há anos atrás, enquanto chefe do grupo de vinhos dos restaurantes chineses contemporâneos Hakkasan, Parkinson notou que as pessoas estavam a beber menos, mas não a gastar menos. Jogando em antecipação, percebeu que as bebidas premium sem álcool eram parte da solução. Como “não havia nada seco, forte, saboroso e amigo da gastronomia”, Parkinson convenceu os chefes a financiar um grande projeto de pesquisa para desenvolver bebidas adequadas. Incluindo desde chás preparados a frio a vinagres bebíveis, ‘água de árvore’ (‘tree water’, constituída pela seiva que, em certas plantas, é límpida como água), infusões de sumos salgados e amargos, refrigerantes artesanais e Mai Shin, uma infusão de ingredientes japoneses, a Orchard List da Hakkasan foi lançada em 2018, data em que Parkinson saiu para co-fundar a Brimful Drinks, uma consultora pioneira de bebidas ‘nolo’.


Para Parkinson, “há ainda uma enorme lacuna de estilo entre o vinho alcoólico e as versões sem álcool”, que tendem a ser ofertas de entrada de grandes marcas. A responsável acredita que isso serviu para a entrada de alternativas sem álcool, como a kombucha premium, chá espumante e vários blends, bebidas fermentadas e infusões que, acrescenta Parkinson, “são cada vez mais envasilhadas de maneira semelhante ao vinho e projetadas para atrair consumidores de vinho”. Estes incluem alternativas sem álcool à base de vinagre, que achei desanimadoras, dado que a acidez volátil ou acético são considerados defeitos do vinho! Parkinson reconheceu que os consumidores de vinho (e, inicialmente, ela mesma) acham o vinagre difícil, mas recomendou perseverar na prova, “porque o vinagre é uma das poucas maneiras de desenvolver estrutura e levantar os aromas”. Além disso, “há muitos vinagres diferentes e muito depende do que o produtor faz com eles”. Olhando para o futuro, Parkinson acredita que os desenvolvimentos técnicos oferecem espaço para melhorar os vinhos sem álcool. Além disso, o vinho sem álcool de alta qualidade pode ser utilizado como base, visando incorporar um senso de local e de casta, ou até adicionando componentes aromatizantes ou botânicos para conferir complexidade e volume de boca.

Era de transição de consciências

Embora acredite que a indústria do vinho está a perder uma oportunidade ao não explorar o potencial do ‘nolo’, Parkinson considera que “nem todos os produtores serão capazes de diversificar para alternativas ao vinho. As técnicas e capacidades sobrepõem-se, mas não são de todo os mesmos”. Ao apelar a maior abertura para colaborações, acredita que as competências de viticultura e enologia podem ser muito úteis para os especialistas em ‘nolo’ que estão a impulsionar a inovação. “Isso faz-me querer fechar os dois lados numa sala e dizer-lhes para começarem a falar!” 

O que explica por que razão a coloquei em contato com Vasco Croft, dos vinhos Aphros, que investiga “novos vinhos ou bebidas à base de uva, mais leves e saudáveis”. Lançado este ano, o EVOÉ deste produtor de Vinho Verde reflete “uma era de transição de consciências” quando, observou Croft, “cada vez mais pessoas seguem práticas como o ‘mindfulness’ e yoga, adotam dietas vegetarianas ou veganas e escolhem produtos orgânicos”.

A primeira aventura de Croft neste desafio “quão baixo se pode descer” não é, de todo, ‘nolo’. Com um teor alcoólico de 6,5%, o Aphros EVOÉ 2021 enquadra-se numa categoria mal definida, descrita como vinho leve, de álcool reduzido, com exemplares que não constituem legalmente vinho, muito menos Vinho Verde (na Europa, o mosto fermentado deve atingir pelo menos 8,5% para ser classificado como vinho). Devo confessar que fiquei desapontada com a primeira prova de uma amostra de pré-lançamento. Detalhando apenas o nome e o ano, o rótulo temporário não continha informação sobre o volume alcoólico ou o método de produção. Achei-o diluído. Quando o provei, alguns meses depois, com Vasco Croft, pude pelo menos parabenizar-me pela minha análise. Sendo uma 'agua pé' ou 'piquette', depois das uvas serem prensadas para obter mosto, é adicionada água às películas ou aos bagaços. Armada de um conjunto diferente de expectativas, gostei do sabor seco, fresco e com toque fenólico do EVOÉ, com a subtil doçura de fruta e leve ‘agulha’. Foi o refresco perfeito para um dia quente de junho.

O EVOÉ tem ainda uma ótima história. Originalmente feitos para matar a sede dos trabalhadores antes do advento da água potável (e, portanto, com baixo teor alcoólico deliberadamente), os vinhos ‘piquette’ eram tradicionalmente chamados de “vinho de gasto” na propriedade da família Croft. Porque era importante para o EVOÉ não “perder o sentido hedonista” inerente ao vinho feito para 'lubrificar as rodas' do prazer (por oposição ao trabalho), Vasco Croft passou mais de três anos a afinar o processo rústico tradicional para determinar as uvas ideais a utilizar, a duração da maceração, a proporção de água e o tempo de engarrafamento. O EVOÉ é engarrafado antes do final da fermentação “porque o gás é essencial para aumentar a leveza e a frescura”, explicou. Mais leve no corpo e menos concentrado, não replica os Vinhos Verdes Aphros. No entanto, feito com as mesmas uvas granjeadas organicamente, o EVOÉ certamente ressoará junto do público-alvo, além de preencher a lacuna ‘nolo’ para os amantes do vinho que desejam moderar a ingestão de álcool.
 

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