Rosés. O fim do preconceito?

França é destacadamente o maior produtor de vinho rosé do mundo, Espanha o maior exportador desta tipologia de vinho. EUA e Itália têm igualmente aumentado as produções, dando um sinal evidente de confiança num futuro com muitas mais tonalidades. A popularidade crescente de variedades como a Grenache, Cinsault e, claro, a Pinot Noir, não pode ficar dissociada do aumento de interesse e procura generalizada por vinhos rosés.


Não deixa de ser irónico que o país que produz o mais popular rosé do mundo tenha sido, ao longo de gerações, dos mais renitentes quanto ao consumo de vinhos rosados. Digo-o sendo um consumidor descomplexado do Mateus, que pode não ser o melhor vinho do mundo (esse conceito tão discutível quanto inexistente) mas que é, seguramente, prazenteiro e bem elaborado e, acima de tudo, um grande embaixador português além fronteiras. Aliás, o desdém de alguns para com marcas de notoriedade global como o Mateus ou mesmo o Lancers expõe uma soberba que não só é injusta como reveladora de visão curta e falta de entendimento sobre o que é o universo do vinho.

Sendo certo que todos os produtores portugueses gostariam de ter um destes vinhos no portefólio, muitos deles finalmente aperceberam-se que o vinho rosé pode ser bastante proveitoso. Quando devidamente definido o estilo, quando corretamente posicionado no mercado (com a devida correspondência de preço face à qualidade apresentada), sendo quase sempre comercializado meia dúzia de meses após a vindima é dos vinhos que mais rapidamente esgota.

O crescimento do consumo de rosé tem sido exponencial nos últimos anos. Recorro-me de um dos mais recentes estudos da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) para quantificar duas curiosidades: correspondeu a 30% de todo o consumo francês de vinhos tranquilos em 2014 e, ao contrário de outro estigma que por vezes lhe associamos, não há grande discrepância de géneros – 25% de mulheres e 23% de homens franceses consomem rosé com regularidade.

Os franceses parecem estar, uma vez mais, na dianteira. Mas, o sucesso dos vinhos da Provence, que se transformou na bitola internacional de qualidade, é relativamente recente e deve muito aos EUA. O posicionamento dos rosés provençais tem sido fortemente impulsionado pela demanda norte-americana, que nas duas últimas décadas ajudou a posicionar os rosés num outro patamar, conferindo-lhe um estatuto que até então não alcançara. O rosé tornou-se numa espécie de vinho indispensável de eventos sociais na Califórnia, incluindo nos da elite das estrelas de Hollywood (vale a pena rever o documentário “50 Tons de Rosé”, recentemente emitido pela RTP, atualmente disponível na plataforma online RTP Play).

Cavalgando a onda, vários atores e músicos de carisma global têm olhado para o rosé como um extra palco interessante, não apenas pelo status como pelo lucro. O caso mais admirável remete-nos novamente para a Provence e continua a reunir duas caras bem conhecidas dos ecrãs, que iniciaram o projeto como casal, que entretanto se divorciaram mas que permanecem juntos no Château Miraval.

Angelina Jolie e Brad Pitt compraram a propriedade em 2011 a Tom Above, um homem de negócios também norte-americano, por valores na ordem dos 34 milhões de euros. De então para cá empreenderam uma jornada de valorização única, que hoje confere ao Miraval o epíteto de rosé mais caro do mundo (em 2019, num leilão de caridade, uma magnum do Muse de Miraval foi leiloada por 2.600,00€). De forma inteligente convidaram a família Perrin, do Château de Beaucastel, no Vale do Ródano, a juntar-se ao projeto e assumir a responsabilidade pela produção, ficando com 50% da sociedade. Brad Pitt e o enólogo Marc Perrin surgiram recentemente em foto que correu mundo, a caminhar pelas vinhas.

O desfilar de celebridades a produzir rosés é cada vez extenso: Kylie Minogue (Kylie Minogue Wines, Pays D´OC, França), John Bon Jovi (Hampton Water Rose, Languedoc, FRança), John Legend (LVE, Provence, França), Drew Barrymore (Carmel Road,Monterey, Califórnia), só para citar uns quantos.

As duas ligas

O consumidor português começa, a pouco e pouco, a (re)descobrir estes vinhos. Se os mais teimosos que proclamavam “vinho, só tinto!” até já vão provando vinhos brancos, a esperança cor de rosa tem sido sobretudo alimentada pelas novas gerações.

Os produtores que começaram a elaborar rosé para complemento de gama perceberam a interessante componente do negócio. Por isso, paulatinamente muitos têm deixado de encarar os rosés como meras sangrias de uvas tintas para os começar a desenhar desde o início, em parcelas definidas de vinhas e a partir de castas devidamente ensaiadas.

Fazendo uma analogia com o futebol, encontramos hoje duas ligas distintas: a dos rosés de “piscina”, com maior ou menor perceção de açúcares, e a dos rosés muito sérios, mais austeros e de perfil gastronómico.

Nesta separação de ligas não basta mexer na cor ou acrescentar-lhe pozinhos de acidez. Em prova, é por demais evidente a diferença entre um rosé de aproveitamento de massas e um rosé pensado para o ser desde a vinha. 

Encontramos hoje em Portugal vinhos muito interessantes, que merecem ser reconhecidos e valorizados em conformidade, que devemos levar à mesa e, nos melhores casos, não ter receio em guardar algumas garrafas por mais tempo. Saúda-se ainda o ressurgir de alguns vinhos palhete/clarete, resgatando práticas regionais que atravessaram diferentes gerações e que pareciam perigosamente em vias de extinção. Um parêntesis para aplaudir o paulatino interesse pelo reforço de produção do histórico Medieval de Ourém.

Nesta questão dos vinhos palhete, insisto num ponto. Por que razão a teimosia em alcançar grandes Pinot Noir portugueses, sabendo-se das inegáveis diferenças climáticas e de solos da generalidade das regiões do nosso país face à Borgonha? Não seria de apostar ainda mais decisivamente em vinhos palhete/clarete das nossas castas autóctones, esse sim, podem ser verdadeiramente diferenciadores?

França é destacadamente o maior produtor de vinho rosé do mundo, Espanha o maior exportador desta tipologia de vinho. EUA e Itália têm igualmente aumentado as produções, dando um sinal evidente de confiança num futuro com muitas mais tonalidades. A popularidade crescente de variedades como a Grenache, Cinsault e, claro, a Pinot Noir, não pode ficar dissociada do aumento de interesse e procura generalizada por vinhos rosés. 

Nestas férias, certamente mais passadas do que nunca em família, identifique o familiar mais renitente em provar vinhos menos óbvios. Escolha um bom rosé – nesta e noutras edições da Revista de Vinhos partilhamos várias propostas – , sirva-o num copo opaco e fique atento à reação. Como em tantas outras coisas na vida, o preconceito da cor também não faz sentido no vinho.

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