Tempo

Soube recentemente que um dos enólogos portugueses que sempre me inspirou vai reformar-se. Soube-o pelo próprio, deixando-me ainda mais emocionado, por me ter considerado uma das pessoas a quem confiou tão determinante decisão.

 

Admiro José Maria Soares Franco, desde o primeiro minuto em que provei os seus vinhos, muito antes de o conhecer, estando ele nessa altura a dirigir a Enologia da Casa Ferreirinha. Depois, conheci o Homem e o Profissional por trás dos vinhos que admirava e que muito ajudaram a criar a reputação e a notoriedade de Portugal como um dos melhores produtores de vinho do mundo. À admiração inicial juntou-se o respeito e outros tantos sentimentos que cresceram com o tempo, com um convívio, ora mais frequente, ora mais espaçado, sem nunca o perder de vista. Foi o tempo e a proximidade que me permitiram conhecer o seu pensamento, a sua filosofia de vida e de trabalho, a sua forma de estar e de olhar para o mundo, a sua consistência e, acima de tudo, a capacidade, que nos dias de hoje se torna tão rara, de permanecer nos projetos e de encontrar nesta permanência a capacidade de evoluir, de motivar, de criar, de ajudar a construir o legado de conhecimento, que altruisticamente deixa a todos que têm no vinho a sua paixão ou a sua profissão, cumprindo uma das responsabilidades que assumiu e que diz que a todos compete desde o nascimento. Só assim se pode garantir o futuro e a evolução.


Com ele aprendi que é no estudo das “coisas grandes” e dos ínfimos pormenores, que é no detalhe e na atenção diária, que é no respeito que se dá à natureza e à terra, que é no ouvir e no pensar que crescemos e que nos afirmamos. Com ele aprendi que na permanência e na continuidade que se dá ao que se iniciou ou nos foi confiado e, sobretudo no tempo, que reside uma das portas para a afirmação sustentável dos projetos, para a criação de valor numa marca, para a evolução. Com ele aprendi que o tempo é um elemento maior na construção da complexidade de um vinho, aquilo que um vinho pode ter de melhor.


O vinho precisa de tempo para se revelar e José Maria Soares Franco faz, e sempre fez, vinhos que ousam desafiar o tempo, desde o mítico Barca Velha, aos excecionais Vintage da Ferreira ou aos Duorum. Sempre no Douro, região que muito lhe deve, pois foi uma das pessoas que mais participou na sua reestruturação vitícola e enológica, nos idos anos de 80. 


José Maria Soares Franco nasceu em Lisboa, numa família com origens no Alentejo, mas elegeu o Douro, escolheu e ficou numa das maiores empresas familiares de vinho do mundo e depois iniciou num projeto que partilha com João Portugal Ramos, outra personalidade do vinho do nosso país.  José Maria Soares Franco precisou, apenas, de dois projetos para se tornar um dos maiores enólogos de Portugal e do mundo. Esta consistência e esta capacidade de evoluir dentro da permanência dão que pensar e mostram que a dedicação e o trabalho aturado fazem caminho.  Lição que se torna maior nos dias de hoje.


Aqui, brindo ao legado de conhecimento que José Maria Soares Franco nos deixou e que sei que continuará a construir independentemente de ter iniciado a sua reforma. Acredito que esta nova etapa de vida será tão pródiga como todas as que lhe antecederam e que a partir dela ainda conseguirá contribuir mais para a notoriedade de Portugal e afirmação de qualidade dos seus vinhos.


Escrevi este texto a 28 de agosto, após a conversa que tive com quem muito me ensinou e com quem muito aprendi. Obrigado, José Maria Soares Franco.


 

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