Vinhos de luxo – o debate continua

Júpiter, vinhos imperfeitos, Vinha dos Ultras...que posicionamentos são estes? A Wine Detective investiga uma admirável nova ordem.

 

Em 2019, Carlos Raposo lançou os Vinhos Imperfeitos. Vindos do Dão, Vinho Verde e Vinho Verde/Dão (um lote inovador), os emocionantes vinhos brancos de 2018 do antigo enólogo da Niepoort ostentavam preços ‘emocionantes’ (80€-300€) a acompanhar. Recentemente, provei dois novos vinhos de altos voos: Vinha dos Ultras Criação Velha 1os Jeirões 2019, da Azores Wine Company (202€) e Herdade do Rocim Júpiter Single Amphora 2015, envelhecido em talha durante assinaláveis 48 meses. Com um valor estratosférico de 1.000€ a garrafa, este belo tinto de vinhas velhas em ‘field blend’ da Vidigueira eleva firmemente a escala para o território do luxo.


Não são apenas os preços que são provocadores, mas os próprios vinhos. Deixando de lado o status regional (que dificilmente consideraríamos ‘blue-chip’ [N.D.E.: Lato senso, as apostas mais seguras]), o produtor ou o rótulo são millennial ou totalmente novos. E/ou os vinhos ou técnicas de vinificação são inconformistas. Que admirável mundo novo é este? Devemos saudá-lo com regozijo ou ceticismo? Este posicionamento de preço é baseado em ilusão ou realidade? Se as vendas de lançamento servirem de guia, metade da produção de 800 garrafas de Júpiter foi vendida em 72 horas… Enquanto hesitava no valor redondo (“porque não 1.320€ ou 765€”), para Raymond Reynolds (importador da Vinhos Imperfeitos no Reino Unido), “a confiança crescente na indústria e nos enólogos estava fadada a chegar a um ponto em que um vinho como este apareceu”. “É bom que assim seja”, diz ele, acrescentando, “para o benefício de Portugal, este vinhos devem partilhados, para estimular e inspirar uma comunidade mais ampla e uma base de notoriedade”.


Na edição de julho, José João Santos e Nuno Guedes Vaz Pires exploraram o que separa um vinho de dez e de 1.000€, entrevistando o trio responsável pelo Júpiter: Pedro Ribeiro (enólogo), Cláudio Martins (consultor de vinhos) e Pedro Antunes (designer). A Areni, instituto global de investigação e ação para o futuro dos vinhos de alto patamar, dá conta igualmente das suas preocupações. O ‘Fine Minds 4 Fine Wines’, grupo de reflexão internacional, considera o conceito de ‘fine wines’, um tanto elástico. Na terceira edição do ‘Define Fine Wine White Paper,’ da Areni, Andrew Caillard MW capta-o, com brilhantismo, desta forma: “[F]ine Wine é o imobiliário da nossa consciência. O valor estético, significado e reconhecimento são proporcionais à experiência, aspirações e perspectivas culturais do indivíduo”. Portanto, o vinho de alta gama está, até certo ponto, nos olhos de quem o vê.
Como Caillard bem sabe, o olhar do observador pode ser captado e orientado. Com Stewart Langton, fundador da Langton's Fine Wine Auctions (‘Langtons’), Caillard desenvolveu a Langton’s Classification of Australian Wine. A primeira edição, de 1991, contou com 34 vinhos. Revista a cada quatro a cinco anos, a última classificação, de 2020, classifica 136 vinhos como 'Excecionais', 'Fora de Série' e 'Excelentes'. Naturalmente, os produtores orgulham-se de serem incluídos e Caillard enfatizou o quão importante esse facto tem sido para o vinho australiano na China, porque “mostra autoridade e credibilidade”.


A classificação de Langton é baseada na procura, reputação, qualidade e histórico no leilão (geralmente, por um mínimo de dez anos). O histórico de preços, volume da procura (licitação) e oferta (lotes) da casa de leilões mostra “um ‘universo’ de vinhos elegíveis” e ajuda a determinar o nível de classificação, afirma. Uma vez que um vinho “tenha invadido este universo exclusivo, há uma tendência para o momentum ser sustentável...”, admitiu Caillard.

Bilionários versus milionários

A classificação do Médoc de 1855 (raramente revista) também foi baseada nos preços médios do mercado, mas, como o Júpiter ilustra, o histórico não é tudo. A autoridade e a credibilidade podem ser conquistadas em outros espaços. Veja-se a ‘Parkerização’, que conferiu estatuto de culto a estilos inovadores e ousados de Shiraz de Barossa a então novos produtores, como Torbreck, durante os anos 1990. Pode não constar na classificação de Langton mas, premiado com 100 pontos por Robert Parker e custando 700 dólares (australianos, cerca de 430€), a colheita inaugural de 2005 do The Laird Shiraz de Torbreck tornou-se o novo lançamento mais caro da Austrália, eclipsando o icónico Grange da Penfolds.


No caso do Júpiter, a autoridade e credibilidade por trás do posicionamento de sucesso devem muito às relações cultivadas por Cláudio Martins com clientes mundiais de elevadíssimos rendimentos durante a sua carreira internacional na corretagem de vinhos e consultoria. A experiência em Moscovo deu-lhe “uma perspetiva diferente sobre bilionários versus milionários” que, observa Martins, “precisam de algo incrível, único e diferente”. “A minha reputação depende da qualidade do que está na garrafa”, diz, mas enfatiza “tudo ao seu redor - a narrativa, a embalagem, as redes sociais e o marketing - tudo ajuda na construção da marca”. Lançado a um custo de 50.000€, o Júpiter faz parte de uma coleção de nove ‘Vinhos do outro mundo’ adaptados especificamente para as altas expectativas e estilo de vida da sua clientela. Longe de acumular poeira em caves subterrâneas, 70% dos clientes de Cláudio Martins querem vinhos para exibir e beber agora em festas exclusivas.


No que se refere a António Maçanita, da Azores Wine Company, a exclusividade e a capacidade de beber o vinho são importantes porque uma nova geração de consumidores não está apenas a comprar um produto, “mas a pagar pela experiência de provar algo diferente”; o preço do Vinha dos Ultras não está apenas relacionado com a sua pequena produção ou com as exigentes condições de cultivo do Pico. Da mesma forma, Tamara Grischy, chefe de leilões de ‘fine Wines’ da Langton, relata que os leilões online mobilizaram uma base de clientes mais jovem, predominantemente masculina e internacionalmente diversa, que “está a aceder a ótimos vinhos, prontos para beber agora, para gratificação instantânea” (em vez de se destinarem à adega ou como investimento). Além disso, observa, “os compradores amam a tecnologia do jogo e a diversão do leilão”, reforçando ainda mais os comentários de Caillard sobre os motivadores contextualmente complexos em torno da compra de vinhos de alto gabarito.
O surgimento de vinhos de altíssimo nível ‘out-of-the-box’ reflete um mercado cada vez mais dinâmico e diversificado, servido por caminhos igualmente dinâmicos e diversificados – uma admirável nova ordem mundial. Para poucos, não muitos; mas há algum consolo para aqueles com bolsos menos fundos. Seguindo os passos dos grandes craques de Portugal, a Herdade do Rocim, a Azores Wine Company e Carlos Raposo também fazem vinhos acessíveis, que mostram grande capacidade técnica e devoção à qualidade. Possam eles almejar as estrelas por muito tempo, porque todos nós beneficiamos com a arte e a beleza das suas criações.
 

Partilhar
Voltar