As tendências da cozinha

Cada dia gosto mais dos restaurantes de produto. Nestes tempos difíceis, em tantos sentidos, esse produto converte-se no caminho principal para a gastronomia.

Por onde vão os caminhos da gastronomia? Quais são as tendências que se impoem e/ou que começam a marcar? Não é fácil responder a estas perguntas. O mundo global em que vivemos acompanha muito de perto o trabalho dos chefes e também dos que tentam seguir a realidade gastronómica. Poucos setores registam mudanças tão rápidas e profundas como o que acontece com a cozinha. Ainda assim, vamos tentar resumir em algumas palavras os aspetos mais destacados que marcam a atualidade, o trabalho dos cozinheiros e dos restaurantes.

Uma vez arrefecida a vanguarda, finalizadas as experimentações, o primeiro que observamos  é que salvo muito poucas exceções de cozinheiros que continuam a avançar com a cozinha experimental, o que se impõe é um olhar para trás, para a tradição, até ao produto. Com novos componentes, sem dúvida, aproveitando muito do avanço destes anos vertiginosos de revolução culinária, mas retomando o caminho de uma cozinha clássica, que muitos chefes haviam abandonado nos últimos tempos. Trata-se agora de mergulhar nas origens, recuperar as velhas receitas populares para as atualizar. E, sobretudo, voltar a colocar o valor no produto e numa cozinha tradicional que nunca se deveria depreciar. Com poucas exceções, o caminho da experimentação é muito limitado para dar um passo a uma cozinha mais intelegível, mais próxima das pessoas.

Outra tendência muito vincada é a recuperação do sabor, uma palavra que está na moda na cozinha. Os cozinheiros não perdem oportunidade, especialmente nos grandes congressos, para sublinhar o quão importante é recuperar o sabor. Grandes chefes, como Joan Roca, do El Celler de Can Roca, um dos mais importantes restaurantes do mundo, perguntava no “Madrid Fusión” por que alguma vez o sabor deixou de ser o mais importante. É bom que agora se insista neste aspeto. A técnica é necessária, mas se não há sabor não há cozinha. Por isso, o trabalho de muitos cozinheiros está focado em acentuar esse sabor. 

Um dos que mais destaca esta alínea é o valenciano Ricard Camarena, criador de novas técnicas e procedimentos que aplica na criação de caldos e fundos. O livro, que se intitula precisamente assim, “Caldos”, recorrendo a essas técnicas e procedimentos foi o mais interesante de todos os que se publicaram no ano passado, em Espanha. Camarena esteve precisamente na última edição do “Peixe em Lisboa” para mostrar o que faz e a apresentação foi cheia de conteúdo. O importante é que as coisas estejam ricas. Parece algo óbvio, mas as coisas não têm sido muito bem feitas nos últimos tempos, pelo que importa insistir tanto neste aspeto.

Muito vinculado ao tema do sabor, outro é fundamental: o produto. A recuperação da matéria-prima. Cada dia gosto mais dos restaurantes de produto. Nestes tempos difíceis, em tantos sentidos, esse produto converte-se no caminho principal para a gastronomia. Tratado com simplicidade, com o toque justo da cozinha, que o realce e o potencie, mas que nunca o dissimule. Atualmente, a maior dificuldade não está nas elaborações, ainda que estas sejam importantes; está em encontrar esse produto onde quer que esteja. Encontrar quem o tenha e regatear o preço o menos possível. Porque o bom sempre é mais caro, mas paga-se com gosto nestes tempos de mediocridade, de sabores planos, de produtos indefinidos. E, na medida do possível, produto local, de proximidade, marcado pela sazonalidade, que ajude a uma cozinha mais sustentável, mais sã e mais humana.

À procura deste produto de qualidade, muitos cozinheiros apostam em criar hortas próprias para abastecerem-se das verduras que pensam empregar na cozinha. E se não tiverem as próprias hortas, compram essas verduras a pequenos produtores. Já passou o tempo em que os legumes eramm considerados simples acompanhamentom ou o alimento de quem não disponha de outra coisa melhor. Agora, os chefes incluem-nos nos menus como protagonistas, investigam-nos e demonstram por que não têm que ser aborrecidos. Tudo o contrário. Não há melhor expoente das novas tendências da cozinha.

 

O mar e a simplicidade

 

Da mesma forma em que se trabalha na recuperação das verduras, muitos cozinheiros voltam-se para o mar. O mar como fonte inesgotável de recursos. Obviamente, em países como Portugal ou Espanha, o peixe e o marisco sempre mereceram destaque na cozinha. Tantos quilómetros de costa proporcionam uma grande variedade de produtos marinhos de qualidade. Não faz muito tempo chegaram as algas, que estão a dar um enorme salto nos pratos. Tendo como porta-estandarte o chefe Ángel León, de Aponiente (El Puerto de Santa María), são numerosos os chefes de cozinha que trabalham com um melhor aproveitamento dos recursos que se encontram no mar e que apenas haviam sido utilizados, por exemplo, nos chamados peixes “de descarte”, que agora se convertem nos protagonistas dos pratos, à altura de outros tão cotados, como o linguado, o badejo ou o rodovalho. Trabalhos que incidem na importância da sustentabilidade e que abrem a porta à cozinha do futuro.

Há mais tendências destacadas. Por exemplo, a simplicidade. Frente à cozinha barroca, de pratos bem recarregados, impõe-se a simplicidade. Elaborações com dois ou três elementos, aparentemente simples. Trata-se de obter o maior prazer à mesa com o menor número de ingredientes. Isso sim, como dizíamos antes, produtos de máxima qualidade, se possível procedentes das imediações do restaurante, em respeito pela estação do ano. E seguindo com essa simplicidade, também no mundo da cozinha há a tendência de reduzir os enormes menus de degustação que têm sido santo e senha da cozinha de vanguarda. Em muitos casos, uma autêntica “ditadura”, já que não se dá ao comensal outra opção. 

Agora, alguns cozinheiros que não ofereciam outra possibilidade que não a do menu de degustação voltam a incorporar uma carta alternativa. E a par, começam a aborrecer os menus intermináveis que, de passo a passo, nalguns casos obrigam o cliente a ficar sentado à mesa por quatro horas. Cada vez são mais os cozinheiros partidários de reduzir esses menus a quatro ou cinco pratos. Uma mudança radical de conceito.

 

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