Tendências na cozinha europeia

O modelo de restaurante de alta cozinha mudou muito, pelo menos na maioria dos casos. Perante a rigidez das formas impostas pela cozinha clássica aparecem propostas mais relaxadas, que não são incompatíveis com a qualidade do que é servido aos comensais.


Há um ano fazíamos nestas páginas uma revisão das tendências da cozinha. No decurso destes meses consolidaram-se aquelas que então apontávamos, mas entretanto foram surgindo outras que pudemos recolher nos diferentes congressos gastronómicos, em numerosas visitas a restaurantes de todo o mundo e trocas de impressões com chefes. Assim vão os caminhos da gastronomia na Europa, em 2018.

Entre as tendências consolidadas destaca-se a valorização do produto local. Sempre foi, ou pelo menos deveria ter sido, o grande protagonista da cozinha. Mas, durante alguns anos, a vertiginosa carreira criativa empreendida por alguns chefes veio, em muitos casos, descurar esta tendência ou outorgar-lhe um papel secundário. Felizmente, o regresso à sensatez gastronómica devolveu-a ao lugar que nunca deveria ter perdido. Agora, até os chefes mais criativos repetem uma e outra vez que a técnica deve estar ao serviço do produto. Só com a melhor matéria-prima obtém-se a excelência na cozinha. E se esse produto é oriundo das redondezas do restaurante e procede de agricultores, pescadores ou produtores de gado da zona, melhor ainda. Cresce o número de cozinheiros que cultiva as próprias hortas para garantir a sazonalidade e a máxima qualidade dos pratos confecionados. Outros criaram as próprias explorações para se abastecerem de produtos de origem animal. E outros atrevem-se até a criar peixes de água doce e fazer menus específicos com estes produtos, para garantir a sustentabilidade.

Este último ponto conduz-nos a outra tendência imparável: evitar o desperdício. Num mundo cada vez mais consciente do desnecessário esbanjamento de alimentos e da necessidade de reciclagem, os restaurantes não podem olhar para o outro lado. É o que em inglês se designa “trashcooking”, embora entendamos melhor se falarmos em aproveitamento. Tudo é utilizável na cozinha. Assim, haverá menos desperdício. Algo que as nossas mães e avós já conheciam, mas agora chegou às grandes cozinhas. 

Nesta linha surge também a reciclagem e reutilização de vidro, aproveitando-se para lhe dar novas utilizações no restaurante, numa campanha lançada pelo El Celler de Can Roca, que conta com cada vez mais seguidores. E indo mais longe ainda, são já vários os cozinheiros que instalaram recipientes de compostagem que permitem a reciclagem das sobras. A colocação na carta de meias doses também ajuda a este esforço, evitando que sobre demasiada comida nos pratos, bem como a redução dos intermináveis menus degustação.

Outra tendência conduz-nos ao fim dos pratos de design. Os clientes dos restaurantes, pelo menos a maioria, começam a ficar cansados dos copos tão pesados e grossos que resultam impraticáveis para beber vinhos. Ou das facas cuja manipulação torna impossível cortar qualquer coisa. Ou daqueles pratos em que é impossível introduzir uma colher para comer um caldo. Ou daquelas lousas planas terríveis, autênticas pragas, que constituem uma tortura para os funcionários na altura de as recolher, até porque qualquer ingrediente moderadamente líquido cai sobre a toalha de mesa. Trata-se de uma ditadura do design que marcou os últimos anos e que continua ainda a torturar-nos em muitas mesas. Felizmente, começou um movimento baseado no bom senso, que recupera os pratos brancos tradicionais para que os utensílios de mesa não prejudiquem a importância da comida, que aposta em copos de vidro fino e transparente, com talheres bonitos mas cómodos... Sem renunciar à estética, mas situando-a no lugar ou, o que vem dar ao mesmo, ao serviço da comida e não o inverso.

A hora de relaxar

O modelo de restaurante de alta cozinha mudou muito, pelo menos na maioria dos casos. Perante a rigidez das formas impostas pela cozinha clássica aparecem propostas mais relaxadas, que não são incompatíveis com a qualidade do que é servido aos comensais. Onde este conceito é mais apreciado é nos balcões de alta gastronomia. Foi o francês Joël Robuchon, um grande aficionado de casas de tapas em Alicante, onde passa férias de verão, quem pôs em marcha uma fórmula, a do seu Atelier, que está a expandir-se em força. Desfrutar da alta cozinha aos bancos de um balcão é perfeitamente possível. Exemplos, temos muitos, começando com o Mini Bar de José Andrés em Washington, provavelmente o restaurante mais exclusivo e mais solicitado da capital dos Estados Unidos. Em Espanha são um bom exemplo desta tendência dois estrelados: o renovado Caelis, do chefe Romain Fornell, em Barcelona, e em Madrid, A' Barra, que em ano e meio da vida converteu-se numa referência imprescindível. Ambos têm uma sala de jantar convencional de um lado e um grande balcão, onde se podem degustar pratos de luxo enquanto se observa o trabalho dos cozinheiros.

Curiosamente, à medida que avança com passos firmes para o futuro, a cozinha do presente olha para trás, de regresso às velhas técnicas pouco valorizadas nos últimos tempos e que, no entanto, servem de inspiração para chefes criativos. Escabeches, salmouras, fumados ou fermentados recolhem o protagonismo nos pratos dos restaurantes mais renomados. Escabeches que recuperam antigas receitas das avós ou das mães dos cozinheiros com excelentes resultados; tradicionais peixes em salmoura mediterrânica, submetidos a maturações mais curtas para obter novas texturas; fumados em frio elaborados em fumeiros caseiros e onde há espaço para uma infinidade de produtos; ou os fermentados, inspirados no milenário kimchi coreano, uma técnica de conservação saudável em que trabalham atualmente vários chefes. Ou mesmo o uso da salmoura de anchovas, o “umami do mar”, como potenciador de sabor e alternativa ao sal.

Um último apontamento assinalável, pelo menos em Espanha, é a irrupção do sake. Após o êxito da cozinha japonesa, alarga-se o interesse por esta bebida tradicional do Japão. Em alguns restaurantes começa a haver uma ampla oferta desta bebida alcoólica, totalmente natural, que é obtida a partir da fermentação do arroz. Logicamente, os locais com a melhor oferta são de cozinha japonesa, mas os sommeliers de importantes restaurantes como o Aponiente, três estrelas Michelin recentemente alcançadas, ou o barcelonês Disfrutar, que este ano obteve a segunda, também o oferecem nas propostas de maridagem. Mesmo nos menus de grandes chefes – como Joan Roca, Andoni Luis Adúriz ou Josean Alija –, encontramos um prato com sake como ingrediente. Um mundo fascinante que começamos a descobrir.

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