As alterações climáticas na Península Ibérica 

Fotografia: Arquivo

De que forma as alterações climáticas afetam a viticultura em Espanha e Portugal? Alguns sublinham a necessidade de expandir a vinha para norte e para as áreas montanhosas. Como prova, argumentam que os vinhos espumantes britânicos estão a medir forças com os champanhes e as primeiras marcas da Dinamarca e da Suécia estão a chegar às prateleiras das garrafeiras e lojas de vinhos. Mas isso não significa que a vinha de qualidade do sul tenha que desaparecer.


Uma das minhas paixões é o clima. O clima é o que nos move, que nos alimenta e modela os nossos humores. O clima é o que realmente se impõe na identificação do vinho como resultado da sua origem agrícola e, em função do seu comportamento, a vinha dará um perfil de vinho mais ou menos diferente. Essas diferenças anuais, que chamamos colheitas, tornam-se uma preocupação quando os ciclos, em vez de anuais, estendem-se por décadas.

Estamos no período de temperatura média anual mais elevada desde há um século. O clima mais quente intensifica a maturação das uvas, com períodos mais longos de seca e pluviometria mais reduzida. Este facto força a intensificação do cultivo de variedades tardias em áreas quentes e a manter as castas temporãs nas áreas atlânticas. Por todas estas razões, sou moderadamente otimista porque, em vez de escalar em latitude e altitude, por que não recuperar e investigar mais profundamente a grande família de variedades tardias do Mediterrâneo? Cada clima tem a sua casta adequada.

As castas tardias são as mais bem preparadas para as mudanças climáticas no universo mediterrânico. Estas são capazes de amadurecer lentamente ao sol quente, sem perder o seu carácter e identidade. A vinha é sem dúvida a planta trepadeira do mundo de antecedentes mais selvagens e a sua dispersão pelo planeta deve-se ao plantio anárquico de sementes defecadas por pássaros e, portanto, a sua transmutação em todos os climas é uma história de séculos. A italiana Aglianico, a grega Mandilaria, a portuguesa Arinto, para dar alguns exemplos, são filhas de climas quentes. A Cariñena (Carignan), as duas Garnachas principais - a negra e a Tintorera ou Alicante Bouschet -, Graciano, Monastrell (Mourvedre), bem como as francesas Petit Verdot, Cabernet Sauvignon e inúmeras outras castas autóctones dispersas são as que se utilizam em Espanha. 

A videira é a planta capaz de se adaptar a qualquer rigor climático de tal modo que as diferenças de maturação de cada variedade constituem o sinal mais evidente da sua maravilhosa adaptação ao clima. Além disso, os avanços foram enormes, tanto a nível científico como no senso comum na prática, por parte das novas gerações dos que chamaria “agroenólogos”, com a nova abordagem da enologia que constrói o vinho desde a vinha.

O famoso anciclone dos Açores


Para entender por que a razão a Península Ibérica, mas principalmente Espanha, é o território de maior risco na Europa face às alterações climáticas, é necessário saber o que é o anticiclone dos Açores. Uma barreira de altas pressões, ou “bom tempo”, que ocupa desde o sul da área dos Vinhos Verdes até ao norte do Senegal. Este fenómeno permite, por um lado, que a Espanha seja líder em turismo de verão mas, por outro, impede que seja rentável em termos agrícolas devido à reduzida pluviometria que tal barreira climática impõe. Ultimamente, esse facto é agravado por ondas de calor procedentes de África. Se a Península Ibérica estivesse localizada a 400 quilómetros para noroeste, Espanha e Portugal seriam, de norte a sul, dois países com horizontes verdes permanentes em 80% do território. Outro fator que aumenta a qualidade dos vinhos espanhóis são as cordilheiras e as condições de planalto das suas vinhas. A altitude moderada dos dois grandes planaltos permite obter temperaturas noturnas mais frescas.

A Ibéria perante as alterações climáticas


Portugal, com exceção da metade sul, enfrenta o futuro climático com maior tranquilidade graças à influência marítima do Atlântico, já que se produzem dois climas benéficos para o desenvolvimento da vinha: o primeiro é o clima atlântico-atlântico, com uma precipitação média superior a 800 mm. e temperaturas não superiores a 30ºC (norte do Porto, Chaves, Galiza e costa da Cantábria). O segundo é o atlântico-mediterrânico (Setúbal, Lisboa, Tejo, Dão, Bairrada), com temperaturas atlânticas, mas com maior insolação. Um terceiro clima é o atlântico-continental (Beira e norte do Alentejo), com clima mediterrânico mas altitude continental, mais semelhante ao clima de Castela e Leão. O quarto clima é o mediterrânico do Alto Douro, Baixo Alentejo e Algarve, os dois últimos muito semelhantes a Badajoz e Huelva. Esta zona, como grande parte dos vinhedos espanhóis, seria a mais afetada pelas alterações climáticas. O Baixo Alentejo tem uma altitude baixa, cerca de 200 metros, com noites mornas e dias quentes, que requerem o uso de castas tardias e não apenas Aragonez e Arinto.

Na metade norte de Portugal, com um clima de influência atlântica, onde ainda sobrevive o cultivo de castas brancas e tintas de diferentes maturações que inclui, por exemplo, a “vinha clássica” do Douro para Vinho do Porto. Uma combinação de castas que permite melhor lidar com o ímpeto africano. Um território em que coexistem castas antigas como Trincadeira, Alvarinho, Gouveio (Godello), Tinta Roriz e castas brancas e tintas tardias, como Touriga Franca, Alicante Bouschet, Arinto, Baga, Vinhão e Tinto Cão. Além disso, a Touriga Nacional, dado o seu ciclo médio de maturação, tem a vantagem de ser cultivada em todo o país.

No entanto, na década de 1980, Espanha arrancou grande parte das variedades ditas tardias, especialmente Garnacha e Cariñena que, com as castas Monastrell e Bobal, povoavam a vinha espanhola para produzir os seus vinhos correntes. Foram substituídas pela variedade Tempranillo, considerada de alta qualidade e distribuída por equívoco em grande parte do país com climatologia inadequada. Mais tarde, começou a moda absurda de plantar castas bordalesas, das quais se salvam apenas, por serem tardias, as variedades Cabernet Sauvignon e Petit Verdot. Felizmente, nos últimos 10 anos, a Garnacha Negra e as variedades autóctones estão a espalhar-se nas vinhas de Rioja e as variedades estrangeiras a diminuir em quase toda a vinha espanhola. A Tempranillo só oferece a sua melhor versão em terras relativamente frescas, como o Douro e Rioja.

Soluções


Existem práticas vitícolas, como podas precoces, que atrasam o ciclo vegetativo até dois meses. Na fase transcendental da maturação, que ocupa a segunda quinzena de agosto e o mês de setembro, é necessário movê-la para outubro e poder colher na primeira quinzena de novembro, cujas temperaturas mais frias evitam “cozer” a vinha e obter excelente maturação aromática. Hoje, climaticamente, os meses de outubro e novembro são setembro e outubro, respectivamente, de há 40 anos.

Aperfeiçoar a gestão hídrica e foliar, rendimentos adequados não necessariamente baixos, resgatar algumas variedades autóctones abandonadas devido à sua baixa produção mas mais bem adaptadas ao calor, bem como as podas e o uso de variedades tardias acima citadas. Da mesma forma, uma maior consciencialização está a surgir entre os enólogos de vanguarda para obter vinhos com graduações não superiores a 12º, com menos extração de cor e taninos para evitar descritores “verdes”. Por outro lado, o futuro será investigar o controlo das temperaturas diurnas e da insolação através de painéis de sombra rotativos controlados por computador que ajustam os tempos de luz e calor na vinha. Um custo viável apenas para vinhos de alta qualidade.

TEXTO: José Peñín