Brancos do Atlântico: Vinhos com sopro de mar

Fotografia: Arquivo
Marc Barros

Marc Barros

Há um Portugal vitivinícola muito próprio: o Atlântico. A costa portuguesa, com 1860 quilómetros de extensão - incluindo os arquipélagos dos Açores e Madeira - forma, apesar da diversidade regional, um terroir com características específicas, apto para a produção de vinhos brancos. Fomos descobri-los em mais uma prova temática especial.

A característica salinidade conta-se entre os descritores mais usuais quando se fala em vinhos atlânticos. Na realidade, trata-se de uma forma bastante comum de descrever um vinho que tenha origem em vinhas cultivadas bem próximo do oceano. O mar é, para todos os efeitos, o elemento que agrega um conjunto díspar de regiões vitivinícolas que compõem o terroir que poderemos designar como Atlântico, em contraposição ao Portugal montanhoso de influência continental como Trás-os-Montes, Douro e Beira Interior ou Dão, ou do clima mediterrânico do Alentejo, parte da Península de Setúbal ou Tejo. 

E, apesar da grande disparidade de regiões que alberga – Minho, Beira Atlântico, Lisboa, Costa Vicentina, Algarve, Açores e Madeira - este terroir tem em comum o facto de sofrer forte influência marítima, o mesmo é dizer, elevados índices de humidade, precipitação e... salinidade. 

Por outro lado, mesmo com tipos de solos diferentes (predominantemente graníticos nos Verdes, calcários na Bairrada ou Lisboa e vulcânico nas ilhas), a areia, seja ela de origem dunar ou presente nos estuários, em maior ou menos percentagem, é um denominador comum patente nas diversas regiões. Aspeto importante, porque se trata de áreas com temperaturas amenas e reduzidas amplitudes térmicas, onde os ciclos vegetativos arrancam mais cedo e as culturas são temporãs. São áreas de grande fertilidade e rendimento elevado (basta pensar na produção hortícola), com poucos ou nenhuns dias de geada. Todos estes fatores marcam os vinhos que aí se fazem. 

A diversidade de castas é uma das suas riquezas. Também por esse motivo, são zonas privilegiadas para a produção de vinhos brancos de enorme qualidade. Em comum, têm a frescura, leveza e acidez que os caracterizam.

As regiões atlânticas

Vamos por partes: ou melhor, por parcelas. Nos Verdes, os solos são, no geral, assentes em formações graníticas, de textura arenosa e franco-arenosa, pouco profundos, ácidos e, no geral, pobres. Constituem um bom exemplo de antrossolos, ou seja, solos que se tornaram férteis pela intervenção humana. Tomando a forma de anfiteatro, a região é exposta à influência oceânica pela penetração dos ventos húmidos através dos vales dos rios Minho, Lima, Cávado, Ave, Tâmega e Douro. Clima ameno e elevados índices de precipitação contribuem para a produtividade agrícola, constituindo-se mesmo como uma das regiões europeias com maiores níveis de massa verde por ha. Na Beira Atlântica, ou Bairrada, os solos são bastante heterogéneos, com destaque para os solos calcários do período Jurássico, arenitos do Triássico e conglomerados do Cetáceo. 

Lisboa é bem mais do que uma região, com as suas nove DOC. Se, por exemplo, Óbidos ocupa solos de textura franca a argilosa, onde predomina o calcário, em Colares os solos de areia secos, rodeados por uma vasta mancha de pinhal que a rodeia, mantêm o ambiente húmido e salgado do Atlântico. Já Bucelas apresenta solos essencialmente calcários.

Na Península de Setúbal e Costa Vicentina coexistem dois modelos: solos podzolizados de caráter arenoso e ácidos nas zonas planas, com fraca capacidade de retenção de água, assentes em base granítica, com uma outra montanhosa, na Serra da Arrábida, com altitudes entre os 100 e 500 metros e maior variabilidade climática inter anual, de solos argilocalcários. O clima é mediterrânico com influência atlântica, baixas amplitudes térmicas e escassa pluviosidade.

Mais a sul, o Algarve divide-se em três sub-regiões naturais: Litoral, Barrocal e Serra. No primeiro caso, predominam os solos arenosos que, tal como em Colares, impediram a propagação da filoxera, estando ainda por conhecer a verdadeira dimensão da vinha em pé-franco que persiste. Já no Barrocal predominam solos calcários e argilo-calcários.

Porém, o Algarve é também Barlavento e Sotavento. O Barlavento, com as suas falésias esculpidas pelo vento, encontra-se mais exposto aos movimentos de ar que sopram do Atlântico, ao passo que o Sotavento, com solos mais arenosos, sofre maior influência dos ventos quentes do Mediterrâneo e menos expostos aos ventos atlânticos.

Chegamos por fim às ilhas, que são um universo muito próprio dos vinhos atlânticos. Ambos com formação geológica vulcânica, Açores e Madeira são bastante diferentes. A Madeira, com solos no geral basálticos, de textura argilosa, goza de clima subtropical, com vinhas que podem estar instaladas ao nível do mar ou a 700 metros de altitude. Por sua vez, nos Açores, o chão de lava forma fendas geológicas onde a deposição de resíduos orgânicos oferece condições ímpares para a plantação da vinha, no geral a 150 a 200 metros de altitude. Em ambos os casos, oferecem vinhos austeros, puros, frescos e minerais, salgados e iodados, tensos, persistentes e de enorme frescura.

Uma prova… ‘savoury’

O termo inglês ‘savoury’ é frequentemente utilizado na descrição de sensações ou sabores, que podem ir da tradução mais literal ‘salgado’ a um conjunto de características organoléticas ‘saborosas’. Poucos termos se enquadram tão bem na descrição desta prova temática levada a cabo pela Revista de Vinhos, que reuniu 37 vinhos de pendor atlântico. Destaca-se o forte contingente de vinhos oriundos de Lisboa, sendo, contudo, que os dois mais bem classificados surgem da Bairrada / Beira Atlântico com, respetivamente, 18,5 e 17,5 valores. Entre os vinhos pontuados com 17 valores, a escolha do painel de prova foi mais heterogénea: Vinho Verde, Setúbal, Lisboa e Açores sobem ao pódio. Nota ainda para o facto de um dos vinhos que mereceu esta classificação ostentar o módico preço de… 3,39€. A mesma heterogeneidade verifica-se no intervalo de classificações entre 16,5 e 16 valores, com destaque para a inclusão de vinhos algarvios e DOP Madeirense. 

Por outro lado, é de realçar a abrangência de preços que participaram nesta prova temática, que vão desde os 2,54€ aos 40,00€, com mais de metade dos exemplares a ficarem-se por menos de 9,99€ e os dez vinhos seguintes a quedarem-se entre 10,00€ e 15,00€. Há, portanto, muito por onde o consumidor pode escolher, a preços perfeitamente acessíveis.

Entre o painel de provadores da Revista de Vinhos verificou-se o consenso de, no geral, tratarem-se de vinhos com acidez bem vincada, frescos, de pendor salino e mineral, onde a seleção de castas responde ao perfil esperado de cada região mas, não obstante, permitir grande diversidade de estilos, desde vinhos mais clássicos e elegantes obtidos a partir de vinhas velhas, aos vinhos que apostam na leveza e pureza da fruta ou, até, nota para o número interessante de exemplares com curtimenta ou maceração pelicular. Vinhos que se prestam a uma larga panóplia de ocasiões de consumo, que vão desde o vinho de esplanada ou de beira da piscina, para acompanhamento de entradas, saladas ou mariscos, até aos mais aptos a escoltar peixes gordos grelhados, carnes ou queijos. O mais difícil será, mesmo, escolher. Boas provas!