Herdade do Cebolal - Atitude Verde

Fotografia: Fabrice Demoulin
Célia Lourenço

Célia Lourenço

Muito perto de Santiago do Cacém, vamos encontrar a Herdade do Cebolal. Estamos bem a sul da região da Península de Setúbal, já com muitas influências do Alentejo, ao mesmo tempo que o Atlântico marca o território. A praia de Porto Covo dista uns escassos 10 km da propriedade e o Cebolal está entre os vinhos que normalmente designamos como vinhos da Costa Vicentina. Não é uma região vitivinícola, mas a sua geografia tão específica é demasiado evidente para não ser destacada.

 


À frente da Herdade do Cebolal estão Isabel e Luís Mota Capitão, 4ª e 5ª geração, respectivamente. A herdade foi fundada pelo bisavô de Isabel, em 1880. Depois, as vinhas são dizimadas pela Filoxera e é já o seu avô que faz a replantação. Na geração anterior, o pai de Isabel é inovador na escolha das castas. Por exemplo, gostava tanto de Cabernet Sauvignon que esteve em Bordéus a escolher as plantas, sabendo-se as vinhas de origem do que trouxe. Aconteceu o mesmo com o Arinto. Bateu à porta da Romeira e pediu uns pés de vinha. Em 2008, o testemunho é passado a Isabel que, alguns anos depois, começa a trabalhar com o seu filho Luís, enólogo de formação. Luís desde muito cedo percebeu que o seu futuro passaria pelos vinhos, quando com apenas 13 anos trabalhou com o tio, José Mota Capitão, na Herdade do Portocarro. Na altura, foi apenas uma forma de arranjar dinheiro para as férias, mas esse pequeno período de tempo deu-lhe a certeza da sua vocação. Ele e a mãe iniciaram um estudo aprofundado dos seus 23 ha de vinha, as mais velhas com mais de 50 anos, identificando 5 micro-climas e 12 tipos de solos, ao norte com a predominância do calcário, mais a sul, do xisto. Com esta aproximação mais detalhada, e também mais atenta, Luís começou a perceber as diferenças, a trabalhar as parcelas e a identificar as três grandes qualidades do sítio: a complexidade do Alentejo, a frescura de Setúbal e a acidez da Costa Atlântica. 

Luís Mota Capitão começou, também, a questionar a prática agrícola na herdade. Sentia que estava perante uma terra pobre. Os solos mortos refletem-se nos vinhos e queria mudar isso. Há uma aproximação à natureza, no sentido de a compreender e perceber que estamos num sistema integrado, fortemente penalizado pelas práticas que marcaram muitas décadas do séc. XX e que, grande parte, continua a pôr em causa o equilíbrio natural da vida. É neste sentido que a filosofia da agricultura sintrópica começa a interessar Luís, mais que apenas a viticultura biológica. Diz-nos que não pode querer ascender a ter vinhos biológicos se considerar apenas a vinha. Toda a herdade tem que ser biológica e, para tal, há que olhar para a floresta. Os princípios da agricultura sintrópica, cujo nome surge por oposição a “entropia” e que foi desenvolvida pelo suíço Ernst Götsch, envolvem conceitos como a permacultura, a agricultura orgânica ou verde, e vão até à biodinâmica. É uma agricultura sustentável que olha para o todo. Promove a diversidade de espécies na floresta, que vai enriquecer os ecossistemas, contribuindo igualmente para o enriquecimento da fauna e para o aumento de matéria orgânica nos solos. Desta filosofia faz naturalmente parte a preocupação com a água e com a sua gestão.

Um novo modelo

Isabel Mota Capitão diz-nos que foi o filho que a influenciou a olhar para a herdade desta forma, ao mesmo tempo que as alterações climáticas se sentem cada vez mais. Viu-se obrigada a questionar tudo. Das alfaias agrícolas, apenas continuam a usar roçaduras. As escarificadoras e as grades de discos, por exemplo, foram completamente abolidas. Começaram a ser usadas pelo pai pela facilidade e rapidez nos trabalhos da terra, mas o reverso da medalha é a desertificação dos solos.
Isabel está fascinada com a descoberta da floresta. Têm sido plantadas novas espécies, criados arejamentos com árvores e arbustos que arrefecem o ar e ajudam a diminuição da temperatura em alturas de muito calor. A água é um tema caro e isso transparece no discurso. Tem havido um grande investimento nos recursos próprios, com armazenamento e gestão cuidada do seu uso. As novas espécies e culturas são escolhidas no sentido de criar humidade e hidratação do solo, prevenindo assim a necessidade de rega. Luís diz-nos mesmo que o objectivo é conseguir que a vinha seja totalmente de sequeiro. Quanto ao facto de ser uma monocultura, que não se enquadra na agricultura sintrópica, também nos diz que daqui a 10 ou 15 anos espera já não ser assim e conseguir ter a vinha dentro de um modelo sintrópico.


Entre a vinha e a adega, vimos uma instalação de pequenas plantas, árvores muito novas. São cerca de 30 e Isabel explica-nos a experiência. Este ano resolveram fazer culturas fora de época, para perceber o comportamento das árvores recém-plantadas em situações de muito calor. Assim, em vez de plantar no período de Novembro a Fevereiro, plantaram em Maio. Com as alterações climáticas, Fevereiro, por exemplo, pode ser um mês de temperaturas muito altas e interessa perceber quais as árvores que resistem. Entre as diversas espécies escolhidas, está a ginkgo biloba, que resistiu à bomba atómica de Hiroshima e, como tal, é altamente resistente a temperaturas altíssimas e a situações extremas. 
Luís diz-nos que tem perfeita consciência que o investimento na floresta é um projeto a longo prazo. Tem também a ver com acreditar que pode mudar. E, se toda a herdade se altera, o estilo dos vinhos tem necessariamente que mudar, como produto natural que é. A verdade é que a propriedade está bem diferente do que era há 20 anos. Está a criar um micro-clima e Luís espera que não seja apenas o Cebolal a ter esta atitude verde.


A certificação biológica é um objectivo, apesar de ser “só um papel”. O produtor diz-nos que é muito mais fácil a certificação que aplicar o conceito realmente, “temos que ser sérios e credíveis”. Quer ter um produto o mais orgânico possível e a floresta terá certificação biológica já no próximo ano. Entretanto, esta será a segunda vindima de Rodrigo Martins, enólogo e amigo de Luís Mota Capitão. Rodrigo começou a dar apoio na viticultura e, pela identificação de princípios na forma de olhar a vinha e o vinho, passou também à adega. Ambos nos dizem que os vinhos são feitos na vinha. São o resultado de 95% de trabalho na vinha e apenas 5% na adega. Querem reduzir as quantidades de sulfuroso e trabalham no sentido de intervir o menos possível. O sítio deve expressar-se, com o trabalho humano a ficar o mais invisível possível.


Os vinhos da Herdade do Cebolal têm carácter. Luís começou, há uns anos, o seu projeto de trabalhar as parcelas e isolar os diferentes tipos de solo, do qual resultam, por exemplo, os vários vinhos de Castelão e também a trilogia Parcelas que provámos, a partir de lotes de Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Petit Verdot - a primeira, introduzida na herdade pelo seu avô, a segunda, pelos pais e o Petit Verdot pelo próprio Luís. O Parcela de Xisto, de uma zona mais húmida e verde, muito fresco e austero. O Calcário, de uma zona mais alta e quente, mais encorpado. O terceiro, mistura dos dois tipos de solo, um vinho mais detalhado e, talvez, mais racional. Todos com o denominador comum da presença do bosque. O que prova que o objectivo está a cumprir-se: as condições naturais parecem ter mais força que a intervenção humana. CL/FD

Herdade do Cebolal
3013 Vale das Éguas
7540-650 Santiago do Cacém
E. herdadedocebolal@gmail.com
M. 968 034 250 / 964 142 466