O embaixador de bigodes da Vidigueira

Fotografia: Arquivo

Fomos recebidos com o sorriso franco e habitual de Paulo Laureano. A nova adega, junto ao IP2 (pouco depois da Ribafreixo), está ainda numa fase de pequenos acabamentos e mudança da zona administrativa. Toda a adega propriamente dita está em funcionamento, faltando apenas a sala de estágio das barricas ser devidamente ocupada por esses elementos, que lhe vão dar alma. Após a conclusão total dos trabalhos, vão ser iniciadas atividades de enoturismo, estando a ser equipada uma cozinha junto à sala das barricas, na qual Paulo Laureano promete demonstrar todo o virtuosismo (!). 

 

O papel deste enólogo/produtor no vinho português é sobejamente conhecido. Impossível não pensarmos nos icónicos vinhos do Mouchão… Mas a associação mais imediata é Vidigueira. Porquê o  interesse e quais as motivações para continuar investigação, investimento e experimentação? O que têm estes vinhos de diferente? 

Paulo Laureano começou a empresa familiar em 1999. Hoje, o nome é a marca. Com 120 hectares de vinhas, 110ha na Vidigueira e 10ha em Évora, em produção biológica, produz cerca de 1,5 milhões de garrafas por ano. 

Desde há muito que defende as castas portuguesas e essa atitude de proteção é estendida aos vinhos. Este é precisamente um dos pontos-chave para o interesse desta zona, as castas indígenas. A Vidigueira tem um conjunto de castas únicas e, ao aproveitar esse património, Paulo acredita ter o trabalho facilitado – as castas têm tanto potencial, que “basta não inventar e deixar que se exprimam”. O Antão Vaz, por exemplo, aqui é muito mais equilibrado, tem acidez e um perfil aromático muito bom, diz-nos, sobretudo em solos de xisto.

Procura também saber como é que historicamente as coisas aconteceram e começa a perceber que algumas castas que têm vindo a ser erradicadas dos encepamentos tinham um papel muito importante na qualidade que era reconhecida aos vinhos. Por exemplo, Perrum (branca) e Tinta Grossa (tinta), pela qual começou a interessar-se ainda na universidade, quando esta se encontrava já literalmente em vias de extinção. Mais tarde, descobriu que tinha meio hectare numa vinha que comprou. Agora tem 3ha e pretende continuar a expandir. A casta começou a ser abandonada porque é muito vigorosa e precisa ser muito controlada. Quando entrava nos lotes (na própria vinha), imprimia uma frescura muito especial aos vinhos e era tão considerada que gerou um sentimento de posse (as pessoas referiam-se-lhe como “tinta da nossa”).

Além das uvas, Paulo Laureano refere o clima como outro dos fatores diferenciadores da região. Amplitudes térmicas muito fortes, de mais de 20ºC no mesmo dia, e a influência marítima que, como já vimos, ainda se faz sentir nesta zona do interior. Também os solos com grande heterogeneidade e, sobretudo, a importância do xisto (especialmente nas vinhas velhas), vão contribuir para a frescura e mineralidade. Por último, a orografia (zona de pequenas encostas) e a flora (pequenas propriedades com hortas), são marcantes na Vidigueira. Paulo Laureano diz-nos, com o ar sereno: “Quero trazer tudo isto para dentro de um copo, sem grandes complicações”.

Começamos por provar um vinho estreme de Verdelho. Paulo tem consultorias nos Açores e na Madeira, o que despertou o interesse pela casta, pela qualidade e diferença, revelando, nas ilhas, um perfil muito mais mineral e menos tropical. Considera-a uma casta de grande plasticidade, tendo trazido da Madeira diversas varas à medida das viagens. O Genus Generationes Maria Teresa 2015 tem maresia no aroma e Alentejo na boca. O que se pode pedir mais?

De seguida, entramos no universo do Antão Vaz, primeiro com o Vinhas Velhas Private Selection 2016, depois com o charmoso Dolium Escolha 2014. O primeiro fermentou e teve seis meses de estágio em barrica. De acordo com o produtor, traduz o que são as vinhas da Vidigueira. Quanto ao Dolium, resulta de vinhas com mais de 70 anos, de uma encosta norte, e tem oito meses de estágio em barrica. É um vinho preenchido, com tanta profundidade que é quase discreto. Um senhor.

Nos tintos, o carácter dos lotes tradicionais é enaltecido com elegância, suavidade na boca e uma fruta muito bonita. Conhecemos, também, o Selection Tinta Grossa 2013, com todo o exotismo e particular “finesse”, que não associamos naturalmente ao Alentejo. E, para terminar, tivemos ainda um exemplo de Alfrocheiro (há muito usado na Vidigueira), que resulta mais maduro que no Dão. O Genus Generationes Miguel Maria 2015 tem um nariz misterioso, é um vinho muito diferente de tudo a que estamos habituados. Depois, a boca é uma explosão, tem uma enorme potência… e Paulo Laureano diz-nos, com os olhos a brilhar: “Essa potência é muito identificadora, percebe-se porque é que a Vidigueira é diferente”.