O que distingue uma grande casta das restantes? Para lá das propriedades intrínsecas, a plasticidade, isto é, os bons resultados com diferentes tipos de abordagem, na vinha e na adega.
Há muito que o Alvarinho demonstra ser dos melhores casos de estudo nesse capítulo. Por melhor que o conheçamos, um determinado ano ou uma determinada forma de o interpretar motiva espanto geral, ora porque nos surpreendeu pela vivacidade ora porque nos obrigou a refletir acerca de um determinado território.
Monção e Melgaço, a sub-região que lhe dá berço em Portugal, dá sinais de entrar na fase da maturidade, aquela que lhe permite continuar um caminho de sucesso e até de alguma inovação ao mesmo tempo que tem histórico para mostrar e se preocupa em conhecer, com apuro, as diferentes cambiantes de um território especial.
A exemplo do que aconteceu com a generalidade da região dos Vinhos Verdes, não nos esqueçamos que durante muito tempo também as castas tintas dominavam as atenções locais, contexto que se foi alterando com significado só a partir de finais dos anos 70 do século passado. Ou seja, da transformação de paradigma assistimos, agora, à fase da maturidade, a que permite a experimentação e as tentativas de conhecer melhor até onde ir.
O cenário macro é conhecido. O autêntico vale que a orografia cria dá aso a um território que afasta por completo os ventos marítimos, ajudando à maturação plena das uvas, dando-lhe um sentido de continentalidade óbvio. A sã convivência com o rio Minho tempera, as amplitudes térmicas acentuadas (dias bem quentes e noites bem frescas em pleno verão) apimentam, o saber de experiência feito, que as novas gerações levam ainda mais longe e começam a documentar, aporta camadas extra de sabor.
Por isso, se é redundante insistir-se na grandeza do Alvarinho é de plena justiça reconhecer que há uma panóplia de perfis distintos. Os Alvarinhos jovens, perfumados e de twist tropical, os Alvarinhos mais austeros e profundamente minerais, os Alvarinhos que o tempo tornou encantadores Rieslings. Até um dos maiores desafios que a casta sempre enfrentou, o casamento com a madeira, está hoje devidamente consumado, sem excessos de um ou de outro participantes. O apuro de técnicas, o recurso a madeiras usadas de tanoarias mais nobres e o recurso a tostas menos marcadas tem aportado untuosidades extra à dimensão habitual da casta, que se estiver sempre em inox (ou mesmo em barro ou cimento) e conhecer um bom trabalho de movimentação de borras finas também consegue atingir, tranquilamente. Tudo dependerá do objetivo do autor porque a matéria-prima, o Alvarinho, está pronto a enfrentar qualquer desafio.
Os de ontem e os de hoje
Agora, que a viticultura voltou ao centro do vinho e a produção quantitativa deixou de ser tida como primado absoluto porque esta é das uvas mais bem pagas de Portugal, o entendimento dos solos à escala da parcela passou a ser uma espécie de desígnio para quem pretende ir mais além.
Nos terrenos mais férteis em matéria-orgânica, próximos do rio, em que o granito e a argila complementam-se, o Alvarinho expressa nuances mais evidentes de aromas tropicais, sendo importante a decisão acerca da data de vindima e do consequente ponto de maturação da uva para evitar perder-se o timing certo – quem optar por vinhos de maior precisão, de estrutura mais firme e mais grave, terá quase sempre que vindimar mais cedo na sub-região caso as uvas estejam a cotas mais baixas. Prática habitual ao longo de décadas, lotear esse Alvarinho com o de meia encosta, puro granito que confere ao fruto o sentido de austeridade e mineralidade que também o notabiliza.
E é provável que tenhamos que continuar a escalar se o aquecimento global a isso obrigar. Recorde-se o exemplo do Soalheiro, que plantou uma vinha experimental na Branda da Aveleira, a 1.100 metros de altitude, onde a neve é frequente no inverno, não estivéssemos a falar de uma das portas do Parque Nacional da Pequena Gerês. Se esse hoje nos parece o limite, será o novo normal dentro de algumas gerações?
Foi com o fito de captar as múltiplas dimensões do Alvarinho que a Revista de Vinhos partiu para esta prova temática, realizada no Solar do Alvarinho, em Melgaço, que irá conhecer obras de requalificação para se tornar ainda mais atrativo a quem o visita.
Segmentamos a prova em quatro alinhamentos: espumantes de Alvarinho, Alvarinhos da colheita 2020, Alvarinhos de Culto (vinhos que representem novas interpretações dos produtores) e Alvarinhos de Colecionador (colheitas antigas). À exceção dos espumantes, o nível registado nos restantes segmentos foi claramente superior, sobretudo nos Alvarinhos de Culto e de Colecionador, o que comprova as virtudes da casta em matéria de envelhecimento.
Em abono da verdade, essa valorização também poderá ser obtida por nós, tenhamos a capacidade e a paciência de envelhecer uma parte dos Alvarinhos que anualmente adquirimos. Em muitos casos estaremos a guardar ouro, que depois apreciaremos com a atenção que a filigrana merece.