Quinta da Fata: Nos domínios de um gentleman

 

Para quem conhece as mais prestigiadas regiões vinícolas do mundo, é inevitável associar este produtor a um pequeno e espetacular domaine da Borgonha. Não somente pelos seus vinhos esplendorosamente fiéis ao terroir, mas pela conformação da quinta, dos poucos hectares de vinhas, da charmosa casa familiar, há mais de um século nas mãos da família, e da tradicionalíssima adega de vinificação e amadurecimento contígua. E, certamente pelo seu proprietário, um sábio senhor, humilde e elegante, ligado àquela terra e às suas tradições. Nesse verdadeiro domaine português não há ostentações, pompa e luxos, megaestrutura turística ou marketing. Mas ali há grandes, grandes vinhos.

 


Tal como nos melhores congéneres da Borgonha, os vinhos que nascem nestes pouco mais de seis hectares na bonita freguesia de Vilar Seco, no concelho de Nelas, carregam um assertivo “gosto do lugar”. Das videiras de Touriga Nacional em clones variados, de Tinta Roriz, Alfrocheiro, Jaen e Encruzado, replantadas em 1999 em solos graníticos com exposição ao sul, nascem vinhos que são a pura essência do Dão. Brancos e tintos que encapsulam a paisagem de montanha, de granito e florestas de pinhais num gole, com tremenda elegância, complexidade e frescura.


A quinta foi estabelecida no séc. XIX e teve como primeiro proprietário um dos impulsionadores da criação da região demarcada do Dão, Bernardo Loureiro e Amaral. O seu filho, Eurico Amaral, foi fundador da primeira adega cooperativa da região, a Adega Cooperativa de Nelas, e também um dos um dos ideólogos do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão. Verdadeiro apaixonado pelo vinho, viajou pelas principais regiões produtoras da Europa nos anos 50. Adorava os clássicos de Bordéus e da Borgonha, mas quanto mais os provava, mais aumentava a sua convicção de que o seu Dão produzia “o melhor vinho do mundo”. Com a ajuda do renomado engenheiro Vilhena, do Centro de Estudos, recorreu às antigas técnicas de produção da região, como a vinificação em lagares de granito, às misturas de castas locais, e entregou o primeiro Dão Quinta da Fata de 1958, vinho que por sinal mostra-se estupendo até os dias de hoje. Frequentador de vinícolas e boas mesas na altura, Eurico Amaral encomendou uma estátua de um escanção, talvez a única no mundo, inspirada num profissional que oficiava num clássico hotel de Lisboa, reconhecendo a importância deste ofício na promoção e venda dos vinhos. Inaugurou-a em 1966, como Presidente da Junta de Turismo das Caldas de Felgueiras, e esta incrível homenagem aos sommeliers da década de 60 ainda está ali à entrada da quinta, para deslumbrar os atentos visitantes.


O filho de Eurico Amaral, também ele Eurico Amaral, o impecável “gentleman” que todos conhecemos ou pelo menos deveríamos conhecer, estabeleceu os novos contornos da Quinta da Fata. Tomou a difícil decisão de replantar os vinhedos da propriedade nos anos 2000, plenamente focado na qualidade do material genético e, por isso, privilegiou uma seleção massal das Tourigas típicas do Dão. Ao lado do experiente enólogo António Narciso, mostraram na primeira colheita da nova Quinta da Fata, em 2003, o que deveríamos esperar nos anos seguintes: tintos espetaculares nascidos na vinha e somente na vinha deslumbrante da quinta, pisados no lagar, judiciosamente trabalhados na madeira, transbordantes em “gosto do Dão”. Assim é a Quinta da Fata de Eurico Ponces Amaral. Uma preciosidade, um domaine tão borgonhês mas que não podia ser mais lusitano, do Dão, de Vilar Seco. Vida longa a Eurico Amaral e a este bastião da tradição do grande vinho de Portugal!